Atenção a gestantes e crianças perde R$ 18 milhões com corte no orçamento

Nos últimos anos, país registrou aumento no índice de mortalidade materna e está longe de meta

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São Paulo

A previsão de corte de R$ 18 milhões no orçamento de 2023 para implementação de políticas para a Rami (Rede de Atenção Materna e Infantil), substituta da Rede Cegonha, preocupa pesquisadores, sobretudo em um contexto de aumento da mortalidade materna no Brasil.

Há três anos, o país tinha 57 mortes de mães a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2020, esse número subiu para 67 e, em 2021, alcançou 107, muito longe da meta de chegar a 2030 com uma razão de 30 casos. Em países desenvolvidos, a taxa é de 12 por 100 mil nascidos vivos, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

A área é uma das 12 listadas pelo IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) que podem perder recursos no ano que vem, com reduções que variam de 17,4% da verba, como na área de HIV/Aids, até 65,7%, como no caso da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em saúde. Outras áreas que podem perder recursos são o setor de dados e o programa Médicos pelo Brasil, substituto do Mais Médicos.

O Ministério da Saúde afirma que nenhuma política pública será interrompida e que a rede de atenção materna e infantil foi ampliada. A pasta afirma que o investimento no cuidado materno-infantil passou de R$ 924 milhões para R$ 1,6 bilhão por ano, mas não especificou os períodos de comparação.

Grávidas fazem vigília em Londres chamando a atenção para a alta taxa de mortes de gestantes; em 2021, Brasil registrou 107 mortes de mulheres a cada 100 mil nascidos vivos - Adrian Dennis - 24.nov.2010/AFP

Rossana Pulcineli Vieira Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e pesquisadora principal do Observatório Obstétrico Brasileiro, explica que a previsão de financiamento de ambulatórios e leitos para gestação de alto risco, anunciada como parte do Rami, soou para os obstetras como uma esperança de avanço na redução da morte materna no país. Esse tipo de estrutura contribui para reduzir e melhor atender casos de hipertensão, hemorragia e infecção, principais causas de óbito nesse público.

Ela aponta que a Rami começou a ser desenhada no fim de 2021 e que os estados ainda estão se organizando para a implantação. Reduzir o repasse poderia afetar o planejamento e a execução do projeto. "Vejo como uma preocupação enorme", diz.

Assistente de políticas públicas do instituto, Victor Nobre diz que a equipe do IEPS avaliou especificamente o custeio da implementação de políticas orientadas à Rami e à Rede Cegonha apresentado no Painel do Orçamento Federal, comparando 2022 ao projeto de orçamento para 2023. Neste ano, o montante indicado é de R$ 28.402.500, contra R$ 10.482.615 para o próximo ano, uma redução de 63%.

"O valor identificado em nosso boletim diz respeito, especificamente, para estrutura e consolidação da Rami", afirma o pesquisador, que avalia que no investimento mencionado pelo ministério podem estar contempladas outras ações.

Ele argumenta que a redução do orçamento é preocupante e merece atenção, notadamente diante dos impactos da Covid-19 em aspectos como realização do pré-natal e das diferenças no acesso à saúde. "A proporção de gestações de nascidos vivos com o número de consultas de pré-natal adequado caiu 0,54% para mulheres brancas no primeiro ano da pandemia, em relação ao ano anterior, e para as mulheres negras caiu mais que o dobro, 1,44%", indica.

"Esses dados mostram o cenário de vulnerabilidade social em que nossa população está inserida, principalmente mulheres em condições socioeconômicas precárias, que vivem em ambiente violento, possuem baixo grau de informação e escolaridade e têm dificuldades de acesso a serviços de saúde", analisa.

Para a professora Vieira Francisco, a mortalidade materna no Brasil é um problema crônico, e a pandemia funcionou como uma lupa, amplificando as deficiências existentes. Entre os problemas estão a falta de locais específicos para atendimento de gestação de alto risco e o fato de as gestantes competirem pelos leitos de UTI com casos de urgência e emergência.

"Gestação não é doença, desde que você não fique doente. Cuidar de uma gestante doente numa UTI é mais complexo, requer equipes formadas em terapia intensiva e em obstetrícia", diz a professora.

Ela ressalta ainda que os cortes previstos em outras áreas da saúde também podem impactar o cuidado de gestantes e bebês. Reduzir os recursos do programa Médicos pelo Brasil pode afetar a realização do pré-natal, enquanto cortar verbas para a residência médica e em área multiprofissional pode comprometer a formação de profissionais em ginecologia e obstetrícia.

"Se olharmos o panorama, podemos prever uma piora da qualidade da assistência para gestantes e puérperas. Sabemos que a maioria dos cortes privilegia situações como o orçamento secreto e, com isso, deixamos de ter uma política pública nacional e passamos a ter políticas locais sem um olhar maior, sem planejamento e indicadores, políticas que vão privilegiar alguns e que não têm transparência nos seus investimentos."

A Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) afirma que acompanha os debates sobre o orçamento destinado à saúde nos níveis federal, estadual e municipal e tem olhar atento à previsão de corte em 2023.

A entidade salienta que o momento é propício para lembrar que toda mulher tem direito ao acesso integral à saúde e isso inclui o pré-natal e a assistência ao nascimento baseada em evidências e no respeito.

O ministério, por sua vez, diz que a rede de atenção no SUS prioriza o aprimoramento das ações de atenção à saúde das mulheres e crianças, fortalecendo as maternidades de baixo risco, além dos serviços de gestação de alto risco.

"O principal objetivo é assegurar à mulher o direito ao planejamento familiar e à atenção humanizada na gravidez, parto e pós-parto; e, às crianças, o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis", afirma a pasta.

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