Descrição de chapéu maternidade

Indústria usa desconhecimento de mães para elevar venda de fórmulas infantis, dizem pesquisadores

Hoje, menos da metade dos bebês no mundo são amamentados, resultando em perdas estimadas em US$ 341 bilhões por ano

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São Paulo

Uma série de publicações sobre amamentação lançada na noite desta terça-feira (7) pela revista científica The Lancet mostra como a indústria de fórmulas infantis utiliza o desconhecimento e o desejo de mães e pais de oferecerem o melhor aos seus filhos para aumentar as vendas, reduzindo a oferta de leite materno.

Atualmente, menos de 50% dos bebês no mundo são amamentados, resultando em perdas econômicas estimadas em US$ 341 bilhões por ano, uma vez que a amamentação reduz os riscos de doenças infecciosas, desnutrição e mortalidade na infância e de obesidade e doenças crônicas na vida adulta. Além disso, mães que amamentam têm menos risco de câncer de mama e ovário, diabetes tipo dois e doença cardiovascular.

Segundo a série, 1 em cada 3 recém-nascidos em países de baixa e média renda recebe fórmulas nos primeiros três dias de vida –prática fortemente associada ao atraso no início da amamentação– e apenas 50% dos recém-nascidos são colocados no peito na primeira hora de vida.

Mãe amamenta a filha na Cidade do México
Mãe amamenta a filha na Cidade do México - Quetzalli Nicte-Ha - 7.ago.22/Reuters

A iniciativa revela que comportamentos como choro persistente, agitação e períodos curtos de sono são explorados pela indústria e tratados como patológicos, servindo de justificativa para a introdução das fórmulas. Porém, na verdade, são naturais dos bebês e fazem parte de seu desenvolvimento.

Sem esse conhecimento, as mães julgam que os filhos estão com fome e que seu leite é insuficiente ou inadequado. Aproximadamente metade das mães ao redor do mundo reporta a "insuficiência de leite" como principal motivo para a introdução das fórmulas infantis.

A série mostra ainda como as empresas do setor, com vendas anuais estimadas em US$ 55 bilhões e com gastos de cerca de US$ 3 bilhões em marketing, propagam que seus produtos ajudam a aliviar cólicas e elevar o QI (quociente de inteligência) das crianças sem que haja evidências científicas dessas propriedades.

Aluisio de Barros, professor na Faculdade de Medicina da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e um dos autores da série, afirma que nem todos os problemas reportados no documento são observados no Brasil porque o país é signatário do Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno, de 1981. Não temos aqui, por exemplo, fórmulas com embalagens que mostram bebês de óculos usando ábacos.

Por outro lado, algumas conquistas do país estão ameaçadas, relata o epidemiologista Cesar Victora, professor emérito da UFPel e também autor da série, que, além de pesquisadores brasileiros, conta com cientistas de países como Estados Unidos, México, Austrália, Guiné Equatorial, Suíça e Malásia.

"Estudo amamentação há mais de 40 anos e não conheço nenhum país do mundo que tenha feito tanto progresso em aumentar a duração da amamentação quanto o Brasil. Nos anos 80, a duração média de amamentação no Brasil era de dois meses e meio e a amamentação exclusiva praticamente não existia, todas as mães davam água, chá ou outro leite além do leite materno. Agora, a duração média da amamentação no país é de mais de 12 meses", conta.

O epidemiologista atribui o sucesso ao controle da propaganda das fórmulas e ao treinamento dos profissionais de saúde. Porém, acrescenta ele, há uma "uma nova geração de profissionais que precisa ser treinada sobre os benefícios do aleitamento".

Outra medida importante para o país, diz Victora, seria a retomada das campanhas sobre as vantagens do aleitamento. "Faz tempo que não vemos essas campanhas, tão comuns há 20 anos. Este é o grande desafio: retomar o que tínhamos. Já alcançamos muito e precisamos retomar isso, senão corremos o risco de um retrocesso nos níveis de amamentação no Brasil."

Os autores também ressaltam a necessidade de um novo tratado internacional que incentive a amamentação; delimite conexões e conflitos de interesse entre indústria, cientistas e trabalhadores da saúde; e englobe cuidados com a propaganda de fórmulas não apenas em meios como jornais e televisões, mas em aplicativos de mensagens e sites de redes sociais.

"Da mesma forma que a indústria utiliza estratégias múltiplas, também devemos nos valer de estratégias criativas para atingir as mães e quebrar a ideia de que a amamentação é antiquada e o tecnológico é a fórmula", argumenta Barros.

A série defende ainda que a amamentação deve ser abraçada pela sociedade, englobando licenças-maternidade mais longas, remuneradas e sem risco de perda do emprego; facilidades para as lactantes que voltam a trabalhar; maior apoio do sistema de saúde na gestação e após o nascimento; e acesso à informação precisa para que a família possa tomar decisões livre da influência da indústria.

"Não dizemos que a fórmula em si é ruim", destaca Barros. "Há situações em que ela é importante, como aquelas em que a mulher não pode amamentar ou, mesmo tendo apoio e conhecimento dos benefícios da amamentação, opta por não amamentar. O que dizemos é que a indústria quer vender o máximo possível, e aí entra o conflito."

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