Descrição de chapéu The New York Times

Estudos relacionam vírus comuns da infância a casos de hepatite misteriosa

Pesquisas indicam que a doença pode ter sido causada por uma infecção simultânea por vários vírus comuns aliados ao conhecido vírus adeno-associado tipo 2

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Emily Anthes
The New York Times

No ano passado, relatos de hepatite grave e inexplicável em crianças até então saudáveis intrigaram especialistas em saúde em todo o mundo.

Agora, um pequeno novo estudo de crianças americanas aumenta a evidência de que os casos, que permaneceram extremamente raros, podem ter sido causados por uma infecção simultânea por vários vírus comuns, incluindo um conhecido como vírus adeno-associado tipo 2, ou AAV2.

O AAV2 normalmente não está associado a doenças e requer um segundo vírus "auxiliar" para se replicar. Muitas crianças com hepatite inexplicada, ou inflamação do fígado, foram infectadas com vários vírus auxiliares, descobriram os pesquisadores.

Pesquisadores em uma sala do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças)
O novo estudo nos EUA foi uma colaboração entre pesquisadores acadêmicos, departamentos estaduais de saúde e o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) - Eric Baradat - 19.mar.21/ AFP

Embora a ideia permaneça especulativa, o momento do surto pode estar relacionado ao afrouxamento das precauções pandêmicas, deixando um grande número de crianças expostas a vírus comuns que não haviam encontrado anteriormente.

"Isso pode ter resultado em uma população altamente vulnerável a infecções virais múltiplas", disse o doutor Charles Chiu, especialista em doenças infecciosas e microbiologista da Universidade da Califórnia em San Francisco, autor do novo estudo.

A pesquisa foi publicada na quinta-feira (30) na revista Nature, juntamente com dois estudos britânicos que também envolveram o AAV2 nos casos de hepatite. Versões preliminares dos estudos britânicos foram publicadas online no verão passado.

As descobertas consistentes são "bastante impressionantes", disse o doutor Frank Tacke, chefe do departamento de gastroenterologia e hepatologia do Hospital Universitário Charité em Berlim, que não participou da pesquisa, mas escreveu um comentário anexo. "O fato de três grupos independentes terem encontrado isso em diferentes áreas do mundo realmente o torna realmente convincente."

Ainda assim, as descobertas não são definitivas e muitas incertezas permanecem, incluindo como essas infecções podem desencadear hepatite e se o AAV2 desempenha um papel causal ou é "apenas um espectador", disse Tacke. (Também houve algum debate sobre se os casos realmente se tornaram mais comuns no ano passado ou se faziam parte de um fenômeno não identificado anteriormente.)

Os casos datam do outono de 2021, mas pareceram atingir o pico na primavera e no verão passados antes de diminuir, disseram especialistas. Até julho passado, mais de mil casos prováveis foram relatados em 35 países, incluindo os Estados Unidos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Cerca de 5% das crianças necessitaram de transplantes de fígado e 2% morreram.

Fachada de hospital infantil em Londres
Fachada de hospital infantil em Londres; duas pesquisas realizadas no Reino Unido também mostraram a relação do AAV2 com a hepatite misteriosa - Justin Tallis - 10.mar.20/AFP

Em vários estudos iniciais, os cientistas descobriram que muitas crianças afetadas estavam infectadas com adenovírus, particularmente o adenovírus 41, que geralmente causa sintomas gastrointestinais. Os adenovírus geralmente não causam hepatite em crianças saudáveis, mas são vírus auxiliares comuns para o AAV2.

O novo estudo foi uma colaboração entre pesquisadores acadêmicos, departamentos estaduais de saúde e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, entre outras instituições. Os pesquisadores estudaram amostras biológicas de 16 crianças americanas, de seis estados, com hepatite inexplicável. Todas já haviam testado positivo para um adenovírus. Eles também estudaram amostras de 113 crianças de um grupo de controle que incluía crianças saudáveis, crianças com gastroenterite e outras com hepatite de causa conhecida.

Havia amostras de sangue disponíveis de 14 das crianças com hepatite inexplicada. Os pesquisadores encontraram AAV2 em 13 delas, ou 93%, em comparação com 3,5% das crianças do grupo de controle. Entre as 30 crianças que tiveram hepatite ligada a uma causa conhecida, nenhuma testou positivo para AAV2.

A maioria das crianças com hepatite inexplicada também testou positivo para pelo menos um vírus de herpes, o que significa que muitas foram infectadas por pelo menos três vírus: AAV2, um adenovírus e um vírus de herpes.

Nos estudos britânicos, que também eram pequenos, os cientistas encontraram o AAV2 no sangue e no fígado das crianças afetadas. Muitas também estavam infectadas com um adenovírus ou vírus de herpes. Em um estudo, 25 das 27 crianças afetadas compartilharam uma variante genética relacionada ao sistema imunológico que é relativamente incomum na população em geral. A descoberta sugere que essa variante pode predispor algumas crianças à hepatite quando são infectadas pelo AAV2 e um ou mais vírus auxiliares.

"Pode acontecer que, em casos raros, você tenha uma espécie de tempestade perfeita de eventos, onde um subconjunto de crianças eram suscetíveis de maneira única", disse Chiu.

Há necessidade de mais pesquisas para determinar se um ou mais desses vírus estavam prejudicando o fígado diretamente, disse ele.

Uma explicação alternativa é que, em um pequeno subconjunto de crianças, a infecção por vários vírus desencadeia uma resposta imune excessivamente forte, que danifica o fígado.

Identificar o mecanismo teria implicações importantes para o tratamento, acrescentou Tacke. Se os vírus estiverem danificando o fígado, os antivirais podem ser o melhor tratamento; se uma reação imune exagerada for a culpada, suprimir a resposta imune com esteroides pode ser uma opção melhor, disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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