Volume de vendas de anabolizantes industrializados cresceu 45% entre 2019 e 2021

Neste mês, CFM proibiu prescrição médica dos itens para fins estéticos e esportivos

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Oscar Birkhan
São Paulo

Três dos principais anabolizantes industrializados no mercado brasileiro tiveram crescimento de 45% em volume de vendas na comparação entre 2021 e 2019.

De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 2019, o número total de embalagens comercializadas de testosterona, cipionato de testosterona e undecilato de testosterona foi de 1.349.619, e aumentou para 1.957.658 embalagens em 2021.

O cálculo foi feito com base em dados de 2019 por causa do impacto da pandemia de Covid-19 no agendamento de consultas médicas e do fechamento de academias. As vendas em 2020 foram de 1.347.258 embalagens.

Só no primeiro semestre de 2022, o dado mais recente, a venda foi de 1.424.186 embalagens, equivalente a 73% do total de 2021 para esses três derivados de testosterona industrializados mais vendidos.

Neste mês, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) para fins estéticos, para ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.

Anabolizantes produzidos ilegalmente na região central de São Paulo - Divulgação - 18.set.20/Polícia Civil

A testosterona é um dos principais hormônios que atuam nos receptores androgênicos das células. Sua ação, além de expressar características sexuais secundárias masculinas, como distribuição de pelos e engrossamento da voz, e estimular a produção de espermatozoides, tem um efeito anabólico. Significa causar o crescimento de outras células, incluindo músculos.

Os esteroides anabolizantes androgênicos são produzidos, desde 1935, com base na testosterona e seus derivados. Na área médica da endocrinologia, eles têm indicação no tratamento de sintomas relacionados à baixa produção de testosterona em homens, condição conhecida como hipogonadismo masculino, ou na terapia hormonal de adequação de gênero masculina.

O uso de anabolizantes no meio esportivo para ganho de performance ocorre desde os anos 1950. A Agência Mundial Antidoping proíbe mais de 60 substâncias do grupo em competições esportivas –entre os quais, testosterona e seus derivados, cipionato e undecilato. Essa regulação diminuiu o uso entre esportistas profissionais.

O endocrinologista Clayton Luiz Dornelles Macedo afirma que tinha conhecimento da atuação de profissionais sem especialização que prometiam ganho de massa e definição muscular, melhora da libido e de sinais de envelhecimento, ignorando efeitos adversos das drogas utilizadas. "Esses hormônios têm indicações científicas específicas, mas alguns médicos promoviam, especialmente após a pandemia, mercantilização da prescrição inadequada desses medicamentos."

O consumo em doses acima das consideradas normais ou fisiológicas provoca efeitos adversos. Alguns são mais amenos: perda de cabelo, acne, irritabilidade, aumento de glândulas mamárias no homem, diminuição dos testículos, engrossamento da voz, atrofia de mamas e aumento de pelos na mulher.

Os efeitos mais graves incluem: infertilidade, disfunção erétil, problemas no fígado (incluindo tumores), infecções como abscessos ou hepatites e infecção pelo HIV (por compartilhamento de agulhas).

Problemas cardiovasculares como pressão alta, alteração de colesterol, espessamento anormal do músculo cardíaco e risco de coágulos ampliam a lista. A utilização de anabolizantes também está relacionado a problemas psiquiátricos como depressão e dependência química.

Bruno Masini, 39, educador físico, conheceu um dos piores efeitos da utilização continuada de anabolizantes. Ele iniciou o uso na adolescência, quando trabalhava como dançarino, com o objetivo de ganhar massa muscular.

"Fiz uso de diversos tipos, inicialmente em ciclos, mas a partir dos 30 anos comecei a competir como fisiculturista e passei a fazer uso contínuo, só alternando doses." Ele iniciou a faculdade de educação física e manteve uso para as competições. "Tive todos os efeitos colaterais menores, mas também tive alterações de humor e dois abscessos enquanto usava, mas que não foram motivo para eu parar."

Aos 37 anos, durante um treino de musculação, ele sentiu um aperto no peito que irradiava para o queixo. "Procurei o Hospital São Paulo e tive diagnóstico de infarto, fui submetido a um cateterismo imediatamente, uma coronária e um ramo dela estavam comprometidos". Bruno não tinha histórico familiar de doença cardíaca, nem foram encontrados outros fatores de risco na investigação.

Desde então, ele mantém tratamento clínico e interrompeu o uso de anabolizantes. Hoje, trabalha no Ambulatório de Endocrinologia do Exercício da Unifesp, em São Paulo, onde auxilia no atendimento de casos similares ao seu, além de seguir como árbitro de fisiculturismo.

Esta reportagem foi produzida como parte do 7º Programa de Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha de S.Paulo, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Albert Einstein

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