Vacinas não têm vírus e 'fungos do câncer', ao contrário do que alega vídeo compartilhado nas redes

Post mente ao afirmar que imunizantes são usados para 'matar lentamente os pobres, os feios e os velhos'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

É falso o conteúdo de um vídeo que alega que as vacinas, especialmente a que previne contra o vírus H1N1, estejam sendo usadas para matar lentamente os pobres, os velhos e os feios. A postagem compartilha a gravação de um senhor que mente ao dizer que os imunizantes contêm "vírus e fungos do câncer".

Em resposta às alegações, o Insstituto Butantan explicou ao Projeto Comprova que "é errado afirmar que a vacina contra influenza causa câncer, uma vez que não há comprovação científica de que a doença está correlacionada à aplicação de quaisquer imunizantes".

O instituto também ressaltou que as vacinas, na realidade, têm o potencial de prevenir alguns cânceres que podem ser causados por vírus. Um exemplo é a vacina contra o HPV, disponível na rede pública para pessoas com idade entre 9 e 14 anos. O imunizante protege contra o vírus que é responsável pelo câncer de colo uterino, de pênis, anal e oral. O Butantan citou ainda a vacina contra hepatite B, que previne o câncer de fígado.

O Inca (Instituto Nacional do Câncer) também desmentiu a postagem. A médica infectologista Marianne Monteiro, chefe da divisão clínica do Inca e membro da Comissão de Controle e Infecção, explicou que "as vacinas são um dos principais métodos de prevenção de doenças infecciosas e não são causadoras de doenças".

Enfermeira vacina braço de uma menina contra o HPV
Vacinas ajudam a prevenir doenças, como o HPV, e, ao contrário de post, não têm vírus nem 'fungos do câncer’ - Rodrigo Nunes - 23.set.2020/Ministério da Saúde

A especialista também comentou que a vacina contra o H1N1 está liberada para pacientes com imunossupressão, inclusive câncer. "Os profissionais de saúde devem ser vacinados e também dar as orientações para a vacinação de seus pacientes", concluiu.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Compartilhado em 30 de abril no TikTok, o vídeo checado somava, até a manhã do dia 8 de maio, 420,9 mil visualizações, 22,6 mil curtidas e 2 mil comentários.

Como verificamos

A reportagem consultou o Butantan, produtor da vacina contra o vírus H1N1 no Brasil, e o Inca para falar sobre a suposta relação entre as vacinas e o desenvolvimento de câncer.

Também pesquisou no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as vacinas que usavam vírus em suas composições e a explicação de como elas são feitas para que se garanta a segurança do imunizado.

Vacinas com vírus

Atualmente existem vacinas que fazem, sim, uso de vírus (enfraquecido ou em partes) em sua composição para estimular a resposta imune dos anticorpos. Entretanto, nenhuma delas possui quaisquer riscos de transmitir a doença ao imunizado.

Em 2021, a OMS divulgou um guia explicativo dos tipos de vacina que eram aplicadas contra a Covid-19 e que faziam uso de vírus. A lista inclui vacina inativada, vacina atenuada ao vivo, vacina vetorial viral, vacina subunita e vacina de ácido nucleico.

As mais comuns são as de vírus inativado e de vetor viral:

  • A primeira consiste no uso de produtos químicos, calor ou radiação para matar ou inativar o vírus, impossibilitando-o de contaminar o vacinado ou gerar efeitos patológicos nas pessoas.
  • A segunda conta com o uso de vírus seguros, que fornecem sub-partes específicas do germe de interesse – chamadas proteínas (como a spike) – para que possa desencadear uma resposta imune sem causar doenças nos imunizados.

Vídeo antigo

A gravação compartilhada no TikTok possui uma marca d’água com o nome "med natural". Na busca pelo vídeo original, o Comprova encontrou matéria do Fantástico de 2019 que usava trecho do conteúdo checado como exemplo de desinformação sobre as vacinas.

Na matéria, o vídeo aparecia como uma gravação compartilhada no YouTube com o título "A indústria fará de tudo para você não ver este vídeo! Prof. Jaime Bruning 2019". A reportagem televisiva borrou o nome do canal em que o conteúdo tinha sido publicado.

Ao procurar pelo nome da gravação no YouTube, a equipe de checagem não achou nenhum resultado, o que pode indicar que o conteúdo foi excluído ou ocultado.

Buscando, entretanto, pelo mesmo título no Google, foi possível chegar a uma publicação da página no Facebook "Saúde é qualidade de vida", que mostra o vídeo na íntegra. O post, de 13 de novembro de 2018, divulga o livro de Bruning, uma palestra do autor, o seu blog e um link para um vídeo no YouTube que virou privado.

Quem é Jaime Bruning

No site de Jaime Bruning atualmente disponível não há informações sobre quem ele é. Há apenas uma página onde consta uma nota em que ele se diz alvo de "acusações, denúncias e perseguição implacável de pessoas que se utilizam de alguns meios de comunicação tendenciosos" por seu trabalho como "terapeuta naturista". No mesmo texto, ele afirma que interrompeu seus atendimentos ao público.

Contudo, analisando o código-fonte do site, é possível acessar o conteúdo antigo da página. Nele, Jaime se diz terapeuta naturista e afirma ter feito "mais de três mil palestras em todos os estados do Brasil e também no exterior". Ele também diz ser formado em Filosofia.

Nessa página, há links para a venda de um folder e de um livro sobre supostas terapias naturais de cura. Neles, há um aviso indicando que Brunning não é médico.

Jaime já foi citado em matéria do Estadão que apontava disseminadores de desinformação que usavam o alcance da audiência para vender produtos como suplementos, cursos e livros.

O que diz o responsável pela publicação

O conteúdo foi publicado pelo perfil @didibraga4 no TikTok, mas a conta não mostra informações de contato e não aceita envio de mensagens pela plataforma. O Comprova buscou no Google e na ferramenta UserSeach pela usuária em outras redes sociais e não encontrou nenhum resultado com o mesmo nome. Seu perfil compartilha majoritariamente vídeos não autorais e contrários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O que podemos aprender com esta verificação

Conteúdos com desinformação antivacina utilizam afirmações impactantes para disseminar o medo na audiência, como a de que a pessoa possa desenvolver câncer caso se imunize. Nesse caso, o homem no vídeo cita nomes de livros em que estariam tais informações, mas, ao pesquisar sobre as publicações, é possível perceber que são livros de cunho religioso e espiritual, não publicações científicas. Outra estratégia também usada neste vídeo é a de relatar o caso específico de um indivíduo, impossível de ter a veracidade verificada, como "prova" da suposta informação repassada.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova desmentiu por diversas vezes postagens que relacionavam as vacinas com doenças diversas. Já explicou que os imunizantes contra a pólio não causam câncer, e que aqueles contra a Covid-19 não causam anomalia genética, não transmitem HPV, nem HIV ou geram problemas de infertilidade.

A investigação desse conteúdo foi feita por UOL e A Gazeta e publicada em 8 de maio pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Grupo Sinos, O Popular, Estadão, BandNews, Correio Braziliense, Plural Curitiba, SBT e SBT News.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.