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Escassez de medicamentos contra o câncer prejudica o tratamento nos EUA

Remédios genéricos mais antigos de quimioterapia continuam em falta, obrigando os médicos a priorizar os pacientes que têm a melhor chance de sobrevivência

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Christina Jewett
The New York Times

Tony Shepard descobriu que tinha câncer nas cordas vocais recentemente, mas ficou animado quando seu médico disse que havia 88% de chance de cura com quimioterapia e radioterapia. No entanto, essa perspectiva começou a diminuir nas últimas semanas, depois que a medicação crítica de que precisa começou a faltar esporadicamente no consultório de oncologia que ele frequenta no centro da Califórnia (EUA).

Desde que seu médico o informou da escassez, cada sessão de tratamento parecia um jogo de "roleta-russa", comentou ele, sabendo que o fracasso significaria a remoção de suas cordas vocais e a perda da voz. "Tento não pensar nisso. É uma coisa assustadora em que você nem quer pensar, mas sabe que é uma realidade", disse Shepard, de 62 anos, gerente de um posto de gasolina em Madera, cidade no Vale Central da Califórnia.

A falta de medicamentos potentes contra o câncer no país persiste há meses, forçando os pacientes e seus médicos a enfrentar situações ainda mais terríveis do que aquelas que o câncer normalmente apresenta. Milhares de pacientes como Shepard vêm se deparando com opções angustiantes, atrasos no tratamento e um futuro potencialmente sombrio.

Tony Shepard, que recebeu a medicação de que precisa nas duas primeiras de suas sete sessões semanais de tratamento contra o câncer, em casa em Madera, Califórnia
Tony Shepard, que recebeu a medicação de que precisa nas duas primeiras de suas sete sessões semanais de tratamento contra o câncer, em casa em Madera, Califórnia - Adam Perez/NYT

Os oncologistas estão preocupados com o fato de que as alternativas a dois medicamentos quimioterápicos cruciais são muito menos eficazes para tratar certos tipos de câncer e, às vezes, mais tóxicas. Segundo eles, as terapias de apoio, ou a falta delas, apresentam perspectivas particularmente preocupantes para pacientes com câncer de ovário, testículo, mama, pulmão, cabeça e pescoço.

Há poucos sinais de que a escassez vai diminuir. Uma fábrica que era uma das principais produtoras dos medicamentos mais populares fechou no fim do ano passado e não reabriu, esgotando seu estoque. A flexibilização das restrições a medicamentos importados da China neste mês proporcionou algum alívio, mas médicos afirmam que ainda não fez muita diferença. Algumas empresas que vendem os medicamentos estão prevendo que a escassez vai durar até o fim do ano.

Até agora, nem o grupo de especialistas formado pelo governo Biden nem organizações médicas encontraram uma maneira de evitar o racionamento dos medicamentos cruciais para a quimioterapia.

Para compensar a falta, alguns médicos estão estendendo os intervalos de atendimento e economizando preciosos mililitros para que os remédios durem mais. Outros estão recorrendo a uma estratégia de cirurgia primeiro e quimioterapia depois, apostando na retomada do fornecimento.

Um dos principais grupos de tratamento de câncer do país, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), está agora aconselhando os médicos com pouca quantidade dos medicamentos a administrá-los a pacientes com chance de cura — e negá-los a pacientes com doença recorrente ou amplamente disseminada.

"Estamos numa situação em que os pacientes estão sendo deixados para trás, e realmente tememos que a sobrevivência possa ser afetada pela escassez de quimioterapia", afirmou a médica Angeles Alvarez Secord, presidente da Sociedade de Oncologia Ginecológica e professora da Escola de Medicina da Universidade Duke.

Duas drogas quimioterápicas principais, a cisplatina e a carboplatina, são usadas na linha de frente para reduzir ou eliminar tumores. Mais de uma dúzia de medicamentos contra o câncer também estão oficialmente em falta, além de centenas de outros, incluindo antibióticos e fluidos estéreis injetáveis. Ainda assim, os médicos preveem que a falta de poderosos quimioterápicos pode prejudicar mais os pacientes.

Uma caixa de injeção de cisplatina na sala de armazenamento farmacêutico no Centro de Câncer e Distúrbios Sanguíneos em Fort Worth, Texas
Uma caixa de injeção de cisplatina na sala de armazenamento farmacêutico no Centro de Câncer e Distúrbios Sanguíneos em Fort Worth, Texas - Emil Lippe/NYT

A cisplatina e a carboplatina são baratas: custam US$ 15 e US$ 23 o frasco, de acordo com a US Pharmacopeia, organização sem fins lucrativos voltada para a segurança e o fornecimento de medicamentos. Mas sua fabricação requer um suprimento confiável de platina, além de fábricas estéreis e controles especiais, para proteger os trabalhadores dos efeitos tóxicos das substâncias. Como resultado, poucas empresas as produzem.

A escassez mais recente desses medicamentos amplamente usados ocorreu quando uma fabricante líder, a Intas Pharmaceuticals, interrompeu a produção em dezembro, depois que a FDA, agência americana responsável pelo controle de alimentos e remédios, fez uma inspeção surpresa em sua fábrica em Ahmadabad, na Índia. A FDA divulgou um relatório em que observa uma "série de falhas" no local.

A subsidiária da empresa, a Accord Healthcare, em Durham, na Carolina do Norte, declarou recentemente que ainda estava fazendo melhorias na fábrica que eram necessárias para reiniciar a produção.

Agora, os efeitos da paralisação do Intas estão sendo profundamente sentidos. Uma pesquisa da Rede Nacional Abrangente do Câncer divulgada este mês mostrou que 93% dos 27 médicos participantes estavam enfrentando uma escassez de carboplatina. Em decorrência disso, 36% deles relataram ter alterado os tratamentos dos pacientes, recorrendo a doses mais baixas e intervalos mais longos entre os ciclos.

No cCare Cancer Center em Fresno, na Califórnia, onde Shepard faz seu tratamento para seu câncer nas cordas vocais, os esforços para fazer com que os medicamentos durem mais deram lugar a uma disponibilidade esporádica. Nas últimas seis semanas, os frascos das drogas de platina estavam indisponíveis cerca de metade do tempo, informou um oncologista, o dr. Ravi Rao. Ele explicou que as chances de uma cura para Shepard sem os medicamentos cairiam de cerca de 90% para aproximadamente 45%. Shepard comentou que, felizmente, os medicamentos estão disponíveis para os dois primeiros de sete tratamentos.

Arias Pitts, uma mãe solteira que foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo em abril e encontrou a escassez em seu primeiro tratamento no mês passado, em Tampa, Flórida
Arias Pitts, uma mãe solteira que foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo em abril e encontrou a escassez em seu primeiro tratamento no mês passado, em Tampa, Flórida - Octavio Jones/NYT

As pacientes com câncer de ovário estão enfrentando as piores perspectivas, segundo Rao, pois a doença é mais comum e os medicamentos de platina são centrais para combatê-la há décadas. Ele acrescentou que, sem esses remédios, as chances de sobrevivência para uma paciente com câncer de ovário extenso caem de cerca de 30% para um dígito. "Essa escassez vai levar pessoas à morte. Não tem jeito. Não dá para remover esses medicamentos que salvam vidas e não ter resultados ruins", afirmou Rao, que também é membro do conselho da Aliança Comunitária de Oncologia.

Outros que enfrentam ameaças elevadas são os pacientes com câncer de testículo, porque a cisplatina tem um histórico conhecido de cura até mesmo em casos avançados, explicou Julie Gralow, diretora médica da Asco, em seu depoimento a um subcomitê da Câmara este mês: "Isso é crítico, impactando talvez até meio milhão de americanos só com essas duas drogas."

Para a Florida Cancer Specialists, que tem mais de 90 endereços, a escassez inicialmente significou conservar de 10% a 15% da dose de um paciente para fazer o estoque durar mais, afirmou Lucio Gordan, o presidente da rede de clínicas. Como isso não foi suficiente, os médicos começaram a dar os medicamentos apenas a pacientes com chance de cura ou inscritos em ensaios clínicos. A clínica encontrou alguns produtos com valores muito inflacionados — aparentemente, uma manipulação de preços —, mas os comprou mesmo assim. Apesar disso, em maio ficou sem carboplatina durante 12 dias e cisplatina durante oito, segundo Gordan.

Arias Pitts, de 33 anos, que foi diagnosticada com um câncer de mama agressivo em abril, enfrentou a escassez quando chegou para iniciar o tratamento, em 16 de maio. A carboplatina que seu médico prescrevera para a primeira de seis rodadas de quimioterapia não estava disponível.

A médica Prasanthi Ganesa no Centro de Câncer e Distúrbios Sanguíneos em Fort Worth, Texas
A médica Prasanthi Ganesa no Centro de Câncer e Distúrbios Sanguíneos em Fort Worth, Texas - Emil Lippe/NYT

Estudos feitos nas décadas de 1980 e 90 mostraram que as drogas de platina foram uma grande melhoria em relação aos tratamentos existentes, tendo melhor desempenho em combinação com outras drogas e dobrando as taxas de resposta para os cânceres de ovário, cabeça e pescoço. Esses medicamentos elevaram a taxa de sobrevida de cinco anos para o câncer de testículo de cerca de 10% para 95%.

Embora os tratamentos de imunoterapia mais recentes tenham melhorado os resultados para pacientes com certos tipos de câncer, como o melanoma, os oncologistas também lhes administram coquetéis com medicamentos de platina para estender sua vida e aumentar o potencial de sobrevivência. "Em geral, no caso do câncer, não vimos grande sucesso nos últimos anos", disse Mikkael Sekeres, oncologista da Universidade de Miami e ex-conselheiro de oncologia da FDA.

Os oncologistas que assessoram a área em meio à escassez pediram àqueles que tratam pacientes com câncer de pulmão em estágio inicial que os encaminhem para um centro que tenha os medicamentos, observando que "não há alternativas igualmente eficazes".

A situação exige ação, afirmou Karen Knudsen, diretora executiva da Sociedade Americana do Câncer. A Casa Branca e o Congresso, que discutiram o problema, apresentaram poucas soluções concretas. "A necessidade de uma solução durável aumenta a cada dia. Os pacientes estão esperando", acrescentou ela.

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