Descrição de chapéu câncer unicamp

Teste para nódulo de tireoide e pesquisa sobre leucemia vencem o 14º Prêmio Octavio Frias de Oliveira

Ex-ministro José Serra é escolhido como Personalidade de Destaque, e José Eluf Neto recebe homenagem póstuma

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São Paulo

Para Ordália Machado, 84, o neto é médico e a mulher dele está prestes a seguir a mesma carreira. Afinal, na visão dela, quem estuda para ser doutor só pode ser médico, ainda mais trabalhando com pacientes com leucemia. Mas João Agostinho Machado Neto, 36, e Keli Lima, 39, são cientistas, e nesta sexta (11) eles foram anunciados como vencedores na categoria Pesquisa em Oncologia da 14ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira.

Promovida pelo Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) em parceria com o Grupo Folha, a láurea foi criada em 2010 para estimular estudos sobre prevenção e tratamento do câncer e homenageia Octavio Frias de Oliveira. "Seu" Frias, como quase todo o mundo o chamava, foi publisher da Folha de 1962 até sua morte, em 2007.

Da esquerda para a direita, Keli Lima e João Agostinho Machado Neto, laureados na categoria Pesquisa em Oncologia, e Bruna Moretto Rodrigues, laureada na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia
Da esquerda para a direita, Keli Lima e João Agostinho Machado Neto, laureados na categoria Pesquisa em Oncologia, e Bruna Moretto Rodrigues, laureada na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia - Zanone Fraissat/Folhapress

Foram premiados ainda pesquisadores da Onkos Diagnósticos Moleculares, na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia, e o ex-ministro da Saúde José Serra, 81, foi agraciado na categoria Personalidade de Destaque.

O evento também prestou um tributo ao médico José Eluf Neto, morto em janeiro. Professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), ele dedicou a vida à epidemiologia do câncer e foi representado pela médica Valeria Buccheri, sua companheira.

"Eluf era uma pessoa íntegra que não se censurava. Ele não deixava nada que o incomodasse passar despercebido", contou Roger Chammas, professor da FMUSP e presidente da 14ª edição do prêmio. "Ele foi o crítico necessário para o desenvolvimento desta instituição, não só como epidemiologista."

Na edição deste ano, foram inscritos 32 trabalhos. Neto e Lima venceram pelo artigo que mostra a capacidade de uma molécula chamada THZ-P1-2 desencadear a morte de células leucêmicas.

Ao contrário das células normais, as cancerosas multiplicam-se descontroladamente, com uso de muita energia. Isso é possível por dois motivos: elas são capazes de gerar as estruturas necessárias para o funcionamento das novas células; e conseguem reciclar as mitocôndrias –as geradoras de energia– se estas dão algum problema.

Nesse processo, há a participação de lipídios (moléculas de gordura) que ajudam a formar a membrana das novas células cancerosas, contribuem para o bom funcionamento das mitocôndrias e atuam na comunicação entre as células.

O que Neto, Lima e seus colegas na USP e na Universidade de Groningen, na Holanda, descobriram é que a THZ-P1-2 inibe a produção desses lipídios, levando à morte de células leucêmicas.

Formada em química e física, Lima decidiu seguir carreira acadêmica depois de acompanhar o neto de Ordália em um laboratório da Unicamp. Na época, João Neto fazia o doutorado em clínica médica e, quando não podia voltar para Salto de Pirapora (a 96 km de São Paulo) no fim de semana, Lima ia encontrá-lo em Campinas.

O namoro transformou-se em casamento e parceria de trabalho. Agora professor no ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo), Neto supervisionou o artigo vencedor do prêmio junto com o orientador de Lima, Eduardo Magalhães Rego, docente da FMUSP e referência internacional em hematologia.

"Nosso trabalho foi o primeiro a mostrar a atuação do THZ-P1-2 em células leucêmicas. Agora, podemos tentar identificar outros tipos de câncer que também dependem desse metabolismo", afirmou Neto.

O casal recebeu o prêmio das mãos de Eloisa Bonfá, diretora da FMUSP, e de Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Já a pesquisadora Bruna Moretto Rodrigues, representante da Onkos, recebeu a láurea de Carlos Gilberto Carlotti Júnior, reitor da USP, e de Venâncio Avancini Ferreira Alves, professor titular de patologia na FMUSP.

A equipe da Onkos foi escolhida pelo artigo em que detalha o uso de um teste para detecção de câncer de tireoide. O exame é indicado para pacientes com nódulo de tireoide classificado como 3 ou 4 no sistema Bethesda, uma escala de risco de ser maligno. Nesses casos, não há uma definição se o nódulo é benigno ou maligno e com frequência o paciente é submetido a uma cirurgia que posteriormente se revela desnecessária.

O teste começou a ser delineado em 2016, quando cientistas coordenados por Marcos Tadeu Santos, 38, passaram a estudar os microRNAs —pequenas moléculas de RNA que regulam a expressão gênica das células— existentes nos nódulos de tireoide.

Em 2018, o grupo publicou um artigo detalhando a análise e a identificação de 11 microRNAs relevantes para o diagnóstico de malignidade e, no novo trabalho, apresentou os resultados da aplicação do teste em 440 nódulos de 435 pacientes.

"O teste americano tem custo de mais de R$ 20 mil para o paciente e o nosso custa R$ 4.100", comparou Santos, doutor em genética e biologia molecular pela Unicamp e fundador da Onkos.

Segundo o pesquisador, a empresa está em negociação com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e com o Ministério da Saúde para propor a incorporação do teste, cujo nome comercial é mir-THYpe, nas redes particular e pública. "Mostramos que ele reduz cirurgias que são muito mais caras."

"É uma premiação que enche de orgulho a Folha", disse Sérgio Dávila, diretor de Redação do jornal, na abertura do evento, realizado no auditório do Icesp, na capital paulista. "É também uma honra dividir essa cerimônia com pessoas que dedicam suas vidas à ciência e à saúde."

Personalidade de Destaque

O terceiro prêmio, de Personalidade de Destaque, foi concedido a José Serra, que não pôde comparecer à cerimônia.

Serra comandou o Ministério da Saúde de 1998 a 2002. Além disso, foi ministro das Relações Exteriores, do Planejamento, deputado federal, senador, prefeito da capital paulista e governador de São Paulo.

Um dos motivos para a escolha de seu nome foi a criação do Icesp, maior centro público da América Latina dedicado ao tratamento de pacientes com câncer.

O prédio em Cerqueira César, na zona oeste paulistana, começou a ser construído em 1987, para funcionar como um centro de saúde da mulher, mas a obra ficou parada por anos.

Nesse período, o número de casos de câncer cresceu, e Serra, então governador de São Paulo, concordou com a ideia de direcionar a unidade para o tratamento oncológico.

O hospital foi entregue em 6 de maio de 2008 e, desde então, soma mais de 127 mil pacientes atendidos.

Outras razões para a indicação de Serra foram a Lei dos Genéricos e sua atuação na Lei Antifumo, com grande impacto na queda do número de casos de câncer de pulmão. A neoplasia é a única em que o país se aproxima da meta da ONU de, até 2030, reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis.

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