Fila para tratamento de câncer pelo SUS cresce em São Paulo, e MP acusa governo de omissão

OUTRO LADO: Gestão Tarcísio diz que a cota de vagas de oncologia disponibilizada pelo Estado à capital aumentou 343% de 2019 a 2023

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São Paulo

O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) cobrou do governo estadual a apresentação de medidas para ampliar a assistência a pacientes oncológicos que aguardam tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) na capital paulista. O órgão classificou como "absolutamente falha" a atuação do Estado na gestão da fila, que cresce desde o início do ano, e acusou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o secretário da Saúde Eleuses Paiva de omissão.

Segundo dados obtidos pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos no sistema Datasus, a cidade de São Paulo tem 3,8 mil pacientes com câncer à espera de tratamento pela rede pública. Trata-se de aumento de 24% na comparação com o mês de maio, quando cerca 3.000 pessoas aguardavam na fila.

"Em média, o fluxo de novos pacientes oncológicos gira em torno de 2.500/mês, ao passo que somente são oferecidas 1.059 novas vagas mensalmente (561 na rede estadual e 498 na rede
municipal)", escreveu a promotora Dora Martin Strilicherk em recomendação expedida na última segunda-feira (27).

Paciente em tratamento de quimioterapia em hospital de São Paulo. - Lucas Seicas - 4.out.2023/Folhapress

Ainda de acordo com o MP-SP, o tempo de espera para atendimento com diversas especialidades oncológicas ultrapassa os 60 dias, prazo máximo estabelecido em lei para início do tratamento de pacientes diagnosticados com câncer pelo SUS. As maiores esperas são pelo atendimento com pneumologista e neurologista: 203 e 190 dias, respectivamente.

A promotoria monitora o problema desde 2018, e afirma que a situação se agravou a partir da pandemia de coronavírus, quando os recursos da área de saúde foram direcionados ao controle da crise sanitária, resultando no represamento de diagnósticos de câncer.

"A partir de 2022, com a declaração do fim do estado de calamidade na saúde pública, ainda mais pacientes oncológicos passaram a postular atendimento na rede de saúde pública estadual do SUS, verificando-se que muitos apresentavam quadros de neoplasia em estágio avançado, necessitando atendimento de saúde com presteza, como única chance de suas vidas serem salvas", relatou Strilicherk.

Com o agravamento da situação, a promotora diz ter notificado em junho o secretário estadual da Saúde para esclarecimentos sobre a sua gestão na área de oncologia –segundo o MP, o atendimento de alta complexidade do SUS na capital é quase todo ofertado pela rede estadual.

Ainda de acordo com o documento, o secretário Paiva não compareceu a duas reuniões agendadas com a Promotoria, e acabou enviando um representante. "Chamou atenção a ausência do Sr. Secretário Estadual de Saúde nas referidas reuniões, tendo em vista que o tema é de alta prioridade, além do que se tratava de promessa do atual Governo do Estado não cumprida mesmo depois de meses do início da gestão".

A promotora diz que solicitou ao governo informações sobre a capacidade de atendimento da rede estadual e solicitou um novo plano para enfrentamento da fila de espera, a ser apresentado no dia 20 de setembro.

A data, porém, teve que ser reagendada duas vezes –segundo o documento, a pedido de Paiva. O secretário, contudo, acabou não comparecendo quando a reunião ocorreu, enviando novamente um representante.

Segundo o MP-SP, a secretária executiva da pasta, Priscilla Perdicaris, não apresentou os dados nem as propostas solicitadas, mas informou que os governos estadual e municipal de São Paulo, utilizando repasse federal, ampliariam a oferta de atendimento oncológico para cerca de 930 pacientes.

O quantitativo foi apontado como insuficiente pela Promotoria, considerando a atual demanda, e solicitou que a SES (Secretaria Estadual da Saúde) apresentasse em 15 dias proposta para solucionar o problema utilizando também recursos do estado.

Passado o prazo, segundo o MP-SP, o governo ainda não havia esclarecido os questionamentos da Promotoria, o que motivou a recomendação com novas cobranças.

"A exposição dos fatos comprova que a participação do Estado na gestão da fila e no atendimento oncológico aos pacientes é absolutamente falha e está aquém do necessário", declarou Strilicherk no texto. A promotora ainda diz em sua justificativa que Tarcísio e Paiva violam "por omissão" os deveres expostos no Estatuto da Pessoa com Câncer, que prevê garantia de direito a saúde para pacientes oncológicos.

A promotora endereçou ao secretário Eleuses Paiva seis recomendações com diferentes prazos. O MP-SP solicita que em 30 dias a SES deve comprovar a adoção de medidas para contratar vagas em instituições privadas de saúde para conseguir atender a fila de pacientes com câncer. No prazo de 60 dias, a Promotoria quer receber, entre outras informações, dados sobre o os atendimentos realizados na rede estadual e estudos para aprimorar a gestão da fila.

Por fim, a recomendação pede que o governo apresente em 90 dias um estudo para criação de novas unidades de saúde ou contratação de leitos privados para tratamento de pacientes oncológicos em tratamento paliativo, "com o fim de conferir dignidade e conforto às pessoas em processo de morte (pacientes terminais), sem ocupar leitos e recursos que poderiam ser destinados a pacientes com possibilidade concreta de tratamento e sobrevida".

Procurada pela reportagem, a SES respondeu por meio de nota que mantém diálogo com o MP-SP, e que o atendimento ao paciente oncológico é prioridade da atual gestão. "Uma das primeiras ações em 2023 foi a realização de um mutirão de oncologia, com investimentos de R$ 415 milhões do Tesouro Estadual, o que agilizou o acesso ao tratamento dos pacientes com câncer", diz nota enviada pela secretaria.

Segundo o governo, a cota de vagas de oncologia disponibilizada pelo Estado à capital aumentou 343% de 2019 a 2023. A gestão Tarcísio ainda afirma que a participação o Estado no custeio dos procedimentos de radioterapia e quimioterapia subiu de 63% para 84% no período, em comparação com os gastos da prefeitura.

A SES salientou que a responsabilidade de garantir atendimento é compartilhada com o município, "que possui gestão plena em saúde, tem regulação própria e também recebe diretamente do Governo Federal o valor para garantir integral assistência aos seus pacientes, incluindo os oncológicos".

A secretaria disse ainda que ampliou a oferta de vagas para atendimentos oncológicos no estado, e que aproximadamente 132 mil vagas foram ofertadas em 2023.

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