Um quinto das mães adolescentes não sabe como evitar filhos e engravida de novo antes da maioridade

Estudo feito a pedido do Ministério da Saúde mostra que 25% delas foram abandonadas pelo pai da criança

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São Paulo

Um quinto das meninas brasileiras que engravidam na adolescência afirma não saber como evitar filhos e a mesma fração volta a engravidar antes de atingir a maioridade.

Os resultados são de uma pesquisa feita a pedido do Ministério da Saúde que entrevistou 1.177 mulheres das cinco regiões do país, usuárias do SUS (Sistema Único de Saúde), e deve pautar novas ações de prevenção da gravidez na adolescência.

Mesmo com uma queda no número de gestações até os 19 anos nos últimos anos, o Brasil tem ainda uma taxa de 43,1 nascimentos para cada mil adolescentes, mais do que triplo dos países europeus e da América do Norte (12,57). Por dia, nascem no país cerca de mil bebês filhos de mães adolescentes.

Adolescente grávida que participou do projeto liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS) - Divulgação

De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), a gestação na adolescência está associada a maiores riscos obstétricos, como anemia e hipertensão na gestação e parto prematuro. Também é a principal causa de abandono escolar por meninas.

Liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), por meio do Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), o estudo avaliou os impactos biológicos, psicológicos e sociais da gestação na adolescência.

Para isso, foram avaliadas mães de 10 a 19 anos e seus filhos, que foram comparadas a mães adultas de 20 a 29 anos. Entre as adolescentes, 2,12% são meninas que foram mães entre 10 e 14 anos, situação considerada estupro de vulnerável, mesmo que seja uma relação consentida. Foram mais de 14 mil nascimentos nessa faixa etária só em 2022.

Entre as complicações gestacionais analisadas no estudo, a anemia foi a mais observada em mães adolescentes, o que, segundo os pesquisadores, pode ter sido decorrente de consultas pré-natais tardias e/ou em menor número ou mesmo de condições de saúde prévias.

As mães adolescentes entrevistadas tiveram a primeira relação sexual com idade média de 14 anos, com a primeira gestação aos 16. Entre as mães adultas, a primeira relação foi por volta dos 16 anos, com a primeira gravidez aos 22.

Lucimara, 17, moradora no Itaim Paulista, em São Paulo, é um exemplo. Engravidou aos 16 anos. O namorado tinha 18. Ela conta que usavam camisinha "de vez em quando", mas que não imaginava que pudesse engravidar. "A gente acha que nunca vai acontecer."

A maioria das meninas (64,49%) relata que engravidou sem querer. Entre as adultas, a taxa é menor (51,5%). Segundo o estudo, a ausência de educação e de informações sobre sexualidade são fatores que contribuíram para a gravidez não planejada em 21,3% das mães adolescentes.

Segundo relato das meninas, as informações que tinham sobre sexualidade eram ausentes e confusas. "Menos de 10% delas se referiram que essas informações vieram a partir de profissionais da saúde. A gente espera que os dados sirvam de subsídios para políticas de prevenção", diz o pediatra Tiago Dalcin, líder do projeto Adolescentes Mães do Hospital Moinhos de Vento.

Na sua opinião, falar sobre sexualidade com os jovens ainda é um tabu. "Ainda há uma grande dificuldade de as pessoas entenderem que educação sobre sexualidade de maneira alguma é estímulo ao início da atividade sexual. É uma fake news que a a gente precisa combater."

Um quarto das mães adolescentes (25%) foi abandonada pelo pai da criança ao descobrir a gravidez e 10% não mantiveram vínculo com o parceiro. Entre as mães adultas, isso aconteceu com 15,4% e 4,3%, respectivamente. A falta de apoio da família na descoberta da gravidez foi relatada por 8,8% das adolescentes.

A gravidez também trouxe prejuízo para a vida social das meninas: 65% consideram que a vida ficou mais difícil, 58% perderam amigos após a gestação e 17% consideram que a gravidez foi o pior período da vida.

A maternidade na adolescência também tem relação direta com o abandono dos estudos. Mais de dois terços (67%) das meninas mães não estavam estudando quando o filho nasceu e 79% não estavam estudando no momento da entrevista.

"Elas são abandonadas pelos parceiros, elas abandonam os estudos, é um ciclo que se perpetua e que leva à recidiva da gravidez na própria adolescência. É um caldeirão de coisas", diz Dalcin.

A vida social das meninas também foi prejudicada: 58% perderam amigos após a gestação, 65% consideram que a vida ficou mais difícil e 17% consideram que a gestação foi o pior período da vida.

Mas, segundo o pediatra, a situação é muito complexa. Há meninas que vivem em um contexto social tão vulnerável, vivendo em situações de abuso, que enxergam na gravidez um projeto de vida, algo que poderá melhorar a sua situação. "Por isso não podemos jogá-las no mesmo saco e julgá-las", afirma.

Quase 40% das mães adolescentes entrevistadas disseram que queriam ser mães. "Será que a gente não tem que trabalhar melhor com essas meninas os projetos de vida?"

O estudo também mostra que que as mães adolescentes tinham uma alta prevalência de depressão, ansiedade e estresse (61,9%, 63,8% e 55,7%, respectivamente). Entre as mães adultas, as taxas foram de 50,5%, 51,6% e 49,1%.

A cada dez adolescentes com diagnóstico de depressão e/ou ansiedade, apenas quatro faziam acompanhamento.

A pesquisa identificou que o impacto econômico da gestação na adolescência é de mais de R$ 1,2 bilhão. São recursos gastos em consultas, exames e internações, por exemplo.

"Se tivéssemos a redução dessas gravidezes, geraria uma economia para o SUS, e mais recursos poderiam ser realocados em estratégias para prevenção de gestação nesta faixa etária", avalia o médico.

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