Cão terapeuta ajuda no tratamento de dependentes químicos em São Paulo

Profissionais de saúde notam alívio de ansiedade e estresse nos pacientes que têm contato com Paçoca

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São Paulo

As primeiras memórias de Matheus Henrique Morelatto, 25, foram em um orfanato. Ele foi adotado aos quatro anos e cuidado até os 17 pela mãe adotiva. Seu primeiro contato com drogas foi aos 16 anos. Da maconha, passou pela cocaína e começou a usar crack aos 22. Morou na cracolândia, na região central de São Paulo, por cinco meses.

A droga, segundo ele, aliviava o dia a dia de constantes brigas familiares com a esposa. Nascido soropositivo, contraiu uma tuberculose que o levou à UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), sua porta de entrada no SUS (Sistema Único de Saúde). Desde então, passou por um processo de desintoxicação e, hoje, é um dos 39 pacientes do Serviço de Cuidados Prolongados Álcool e Drogas Boracea (SCP Boracea), na Barra Funda, na zona oeste de São Paulo.

Duas vezes por semana, Matheus e os demais pacientes, todos egressos da cracolândia, recebem uma visita familiar. Paçoca, o cão da raça golden retriever de três anos, é considerado parte do tratamento multidisciplinar para dependentes de álcool e drogas.

Matheus é um jovem negro e faz carinho no rosto de paçoca, que é um cão de pelagem dourada da golden retriever
Matheus Morelatto, 25, brinca com Paçoca, parte importante do tratamento oferecido pelo Serviço de Cuidados Prolongados Álcool e Drogas Boracea - Zanone Fraissat/Folhapress

"É uma terapia mesmo. Acordo de mau humor, quando vão me dar remédio, mas quando ele chega, o astral fica colorido. A aura dele é colorida. O Paçoca traz felicidade", diz Matheus.

O SCP Boracea foi inaugurado há um ano, mas o cãozinho foi introduzido como parte do tratamento há três meses, por sugestão da tutora, Katia Camargo, assistente administrativa de planejamento da Afne (Associação Filantrópica Nova Esperança), organização social que gerencia o equipamento da prefeitura.

Mãe de uma criança com transtorno do espectro autista, ela costumava visitar o SCP para vistoriar o serviço e, ao notar os benefícios do convívio do animal com o filho, sugeriu promover uma interação também com os pacientes.

Dócil, Paçoca atende aos pré-requisitos para participar do tratamento, que incluem adestramento básico, calma em situações de estresse e nenhum registro de agressividade.

"Ele foi adestrado para contato com meu filho, trouxemos a experiência que tem tido de muita aceitação por parte dos pacientes. É a troca do afeto, carinho, jogar uma bola na quadra, o cuidado de colocar água, dar biscoito", diz Katia Camargo.

As intervenções assistidas por diversos animais, como cães, gatos, coelhos e galinhas, são comuns em alguns hospitais para o tratamento de crianças e idosos, mas a prática ainda é nova no Brasil quando se trata de dependentes químicos, conta a psiquiatra Aglaé Sousa, uma das coordenadoras do espaço. Ação semelhante foi promovida em 2017 pelo município de Itajaí, em Santa Catarina, para tratamento de mulheres com dependência química, em uma unidade básica de saúde.

No SCP Boracea, os benefícios já foram observados pelos profissionais da unidade, e envolvem alívio de ansiedade e estresse, diminuição da agressividade e até controle da pressão arterial. Lá, o tratamento usado é voltado para pacientes com uso grave (acima de cinco anos). A linha de tratamento é a da abstinência.

Segundo Sousa, a interação promove ainda melhora no humor e na empatia e serve para suprir momentaneamente a perda de vínculos familiares que o vício às drogas gera.

"É gostoso quando ele está entre nós, porque eu queria muito ter um cachorro quando era criança, e nunca tive essa oportunidade. Agora, tenho essa companhia, posso falar que tenho um cachorro. Cuido dele", afirma Matheus.

Além do cão terapeuta, o tratamento prolongado para pacientes inclui meditação, terapia ocupacional, oficinas de arte, educação física, palestras educacionais, ações sobre autopercepção e habilidades de comunicação. Há ainda uma integração do serviço com o Programa Operação Trabalho, da Prefeitura de São Paulo, que dá atenção aos trabalhadores desempregados.

O SCP Boracea já atendeu 176 pacientes. Além dos 39 que estão em acolhimento integral atualmente, 20 são acompanhados por telemedicina. Outra unidade do SCP fica na Vila Pirituba, na zona norte de São Paulo.

A chegada ao SCP geralmente acontece por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), que primeiramente encaminham os pacientes para o Hospital Cantareira, no Tucuruvi, na zona norte. Após a desintoxicação, se a pessoa aceitar participar do programa, é admitida no SCP, onde geralmente fica por até 90 dias, prorrogáveis por mais 30, a depender do plano terapêutico pensado para a pessoa.

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