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Números do Datafolha mostram que bandeira do aborto está longe da sociedade

Preferência de 42% da população de que a permissão não mude reflete a disposição das autoridades de legislar sobre o tema

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São Paulo

A nova pesquisa Datafolha sobre o aborto mostrou que apenas 6% dos brasileiros defendem que o procedimento seja autorizado em qualquer situação. O levantamento revelou também que, para a maioria da população (52%), mulheres que fazem o aborto em qualquer contexto deveriam ser presas.

A pauta pela descriminalização do aborto é histórica do movimento feminista. No início do século 20, ao lado de outras demandas pelos direitos das mulheres, o debate começou a ecoar na Europa. O marco do século passado ocorreu em 1973, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu o direito das mulheres de interromper voluntariamente a gravidez no país por meio do caso Roe vs. Wade.

Ato pela descriminalização do aborto na América Latina e Caribe que ocorreu na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

A decisão, porém, foi derrubada 49 anos depois, seguindo uma onda conservadora que tomava a política americana em 2022.

Discussões estrangeiras sobre o tema, como a ocorrida nos EUA e, mais recentemente, a decisão da França de fixar o direito ao aborto em sua Constituição, esquentam o debate sobre o tema no Brasil. O Datafolha, contudo, nos mostra que a conversa sobre uma possível descriminalização ainda é restrita aos movimentos sociais, à imprensa e às autoridades.

A população, pelo que indica a pesquisa, não ecoa as reivindicações nem está disposta a apoiar a liberalização do procedimento em mais situações do que as já previstas: estupro, risco de morte para a gestante e, com base em jurisprudência do STF, anencefalia do feto. Os argumentos em favor da descriminalização não parecem prosperar.

Mesmo entre mulheres, que seriam as principais afetadas por mudanças na legislação, o apoio é baixo. Apenas 7% apoiam a liberação irrestrita, enquanto os homens são 6%. Aquelas que defendem prisão para mulheres que interromperem a gravidez são 50%, enquanto eles representam 54%. Ou seja, gênero não é fator determinante quando o assunto é a descriminalização.

A preferência geral de 42% dos brasileiros para que a autorização para o procedimento permaneça como é hoje, e de outros 35% que definem a proibição em todas as situações, reflete também a disposição das autoridades brasileiras de legislar sobre o tema.

Há em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) a ADPF 442, que pede à corte que analise a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal. O primeiro prevê pena de detenção de 1 a 3 anos para quem "provocar aborto em si mesma ou consentir que outrém lho provoque", e o segundo estipula reclusão de 1 a 4 anos para quem "provocar aborto com o consentimento da gestante".

Se depender do presidente da corte, o ministro Luís Roberto Barroso, o debate não entrará em pauta tão cedo. Se por um lado o ministro afirmou, na semana em que a França colocou o direito ao aborto em sua Constituição, que a criminalização do procedimento "não serve para absolutamente nada", já havia dito também que não pautaria a ação e que o assunto precisava de mais debate na sociedade.

Embora a ex-ministra Rosa Weber tenha apontado disposição diferente enquanto estava na corte, votando a favor da descriminalização nas 12 primeiras semanas de gestação, o tema parece estar longe de voltar ao plenário da corte.

Há quem defenda que esse debate não seja feito no STF, mas no Congresso, que deveria representar os interesses da população. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse em sessão na Casa no final de 2023 que "a regulação de políticas que dizem respeito à sociedade, como a política antidrogas e sobre o aborto são típicas de serem decididas pelo Congresso Nacional".

Caso o debate sobre o aborto seja submetido ao conservador Congresso brasileiro, o não é quase certeiro. Basta lembrarmos da ofensiva conservadora de votar um projeto de lei de 2007 que estabeleceria o "Estatuto do Nascituro", que busca vetar o procedimento mesmo em casos de estupro e teve a votação barrada pela oposição na Câmara em dezembro de 2022.

Como disse a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, em entrevista à Folha na qual abordou o exame da pauta pelo Congresso, em "qualquer discussão sobre aborto vamos perder mais do que avançar".

Mesmo o presidente Lula, que em sua pré-campanha havia dito que o aborto era uma questão de saúde pública, voltou atrás após sua declaração dar munição a adversários. Voltou a dizer que era contra o aborto por ser "pai de cinco filhos, avô de oito netos, bisavô de uma bisneta".

Aos movimentos feministas que buscam o apoio a esta bandeira, falta estabelecer diálogo com a população, mostrando que o procedimento é também uma questão de saúde pública e de proteção à vida das mulheres.

A depender do Congresso, também podem esperar sentados. O tema, então, só terá chance se pautado no STF –e, ainda, sem garantia ou qualquer indicativo de que os ministros vão seguir Rosa Weber e votar pela descriminalização.

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