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Após aborto, evangélicos dos EUA agora miram FIV; e o Brasil com isso?

Em fevereiro, a Suprema Corte do Alabama decidiu que embriões congelados são uma pessoa

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Anna Virginia Balloussier
Anna Virginia Balloussier

Repórter especial, escreve sobre religião, política, eleições e direitos humanos.

São Paulo

Já que o Brasil adora usar os Estados Unidos como uma Shopee das guerras culturais, talvez seja uma boa hora para falar de um recente posicionamento da Convenção Batista do Sul sobre a fertilização in vitro (FIV), método que há décadas ajuda famílias de todas as crenças a terem filhos que, por motivos diversos, não vêm de forma natural.

A Convenção é um colosso do evangelicalismo americano. Maior denominação batista do mundo, estima contar com cerca de 13 milhões de fiéis. Serve também como termômetro para o que pensa o evangélico médio daquele país.

Na semana passada, a igreja votou em sua reunião anual uma resolução contrária à FIV. Uma boa parte dos embriões gerados no processo, afinal, vai para o lixo. É como se as clínicas estivessem produzindo genocídios diários contra o que esses batistas tomam por vida humana que, como todas as outras, deve ser protegida a qualquer custo.

Aato performático, baseado no livro e na série "O Conto da Aia", realizado pelo coletivo Bancada Feminista do PSOL, da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e da Câmara Municipal de São Paulo, contra o PL Antiaborto por Estupro, na manhã desta quinta-feira (20), em frente à sede do Partido Liberal, na avenida República do Líbano, no Jardim Paulista, em São Paulo - Rafaela Araújo/Folhapress

Em fevereiro, a Suprema Corte do Alabama decidiu que embriões congelados são uma pessoa como eu e você, e qualquer um que os descarte pode ser responsabilizado judicialmente. As clínicas de fertilização não queriam pagar nem cobrar para ver. Comunicaram que zarpariam dali, o que levou a governadora do estado, uma republicana, a sancionar uma lei dando imunidade civil e criminal ao serviço.

A nova posição da Convenção Batista do Sul estende o cerco ao aborto para os tratamentos de fertilidade. Não chega num momento qualquer. Linha auxiliar do trumpismo, os chamados evangélicos brancos —as divisões raciais têm peso no Tetris religioso local— pressionaram pela derrubada do Roe vs. Wade. Seja feita a vossa vontade.

Há dois anos, a Suprema Corte nacional decidiu reverter uma decisão histórica tomada pelo colegiado de 1973, que deu garantia constitucional ao aborto. Se suas mães e avós podiam, as americanas de hoje não podem mais: quase quatro décadas se passaram até que as mulheres de lá vissem esse direito escorrer pelo ralo, agora cerceado em estados livres para endurecer o veto ao procedimento.

A dor que golpeia lares inférteis, segundo a Convenção Batista do Sul, não justifica o uso de métodos que desonrem a Deus. Como não são poucos os casais de fé que só conseguiram formar a tradicional família americana com assistência dessa reprodução assistida, nem todos os fiéis deram glória a Deus pela orientação anti-FIV de seus líderes.


Curiosamente, a mesma igreja batista que agora condena a prática aprovou no passado resoluções até bem flexíveis sobre o aborto, prova de que a história às vezes não marcha, capota. Uma pesquisa feita em 1970 com pastores da casa apontou que a maioria deles apoiava a interrupção da gravidez em várias situações, o que inclui estupro, incesto, deformidade fetal grave e riscos à saúde não só física, mas também mental da mulher. Já é bem mais do que a lei brasileira permite hoje.

Vagueia pelo nosso Congresso um projeto de lei que institui o Estatuto do Nascituro, assinado pela deputada bolsonarista Chris Tonietto (PL-RJ) —há uma versão de 2007 que tem como coautor o espírita Luiz Bassuma, então no PT, hoje no Avante. "O Livro dos Espíritos", base para o espiritismo kardecista, criminaliza a prática com todas as letras, coisa que a Bíblia não faz, aliás.

A proposta legislativa define nascituro como "o indivíduo humano concebido, mas ainda não nascido", e que como tal tem "direito à vida" e "à integridade física". O texto afirma que "indivíduos da espécie humana concebidos in vitro" estariam sob a mesma proteção legal.

É o Estatuto do Nascituro que o deputado Sóstenes Cavalcante, do mesmo PL-RJ de Tonietto, tirou da manga após ameaçar ir a pique seu projeto que trata como homicida a mulher que aborta a partir de 22 semanas de gravidez —muitas delas são crianças violentadas, daí a proposta ter caído na boca do povo como "PL do Estupro" e variantes.

No clima de "se não tem tu, vai tu mesmo", o ex-presidente da bancada evangélica, um servo fiel da igreja de Silas Malafaia, definiu o seu projeto como "light", enquanto o da amiga Chris "é muito mais pró-vida". "Mas se não quiserem votar esse, a gente vota o Estatuto do Nascituro."

O próprio Sóstenes reconhece, em mensagem a esta colunista, não enxergar no Brasil um ímpeto para combater a fertilização de laboratório. "Sou a favor da vida desde a concepção, apesar de ver [a FIV] como um avanço da ciência no auxílio de mulheres com problemas de gravidez. Logo, este é um tema mais ligado à ciência do que à concepção natural. E outro assunto a ser debatido."

Isso se os ventos americanos não soprarem pelas bandas do conservadorismo nacional. Fatos políticos nascem a toda hora e nem sempre são abortados a tempo.

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