Descrição de chapéu Copa do Mundo

Ícone da moda, fotógrafo entra no futebol e mostra sofrimento e fanatismo

Obra do alemão Juergen Teller está exposta em mostra na capital russa

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Moscou

No mundo da moda, o flash estourado de suas fotografias, obras-primas de um fingido despojamento punk, sempre revelou –e atacou– as estratégias de construção por trás de uma imagem perfeita.

Juergen Teller, o autor de flagras iconoclastas como o das pernas de Victoria Beckham saltando para fora de uma sacola da Marc Jacobs ou de uma sexagenária Vivienne Westwood nua de pernas abertas, seus pentelhos cor de fogo à mostra, entrou para a história da fotografia calcado numa espécie de ambivalência tóxica.

Isso porque as suas fotografias enaltecem e desancam os retratados ao mesmo tempo, num autodeboche magnético e vendável que se tornou uma das maiores escolas de estilo no visual da indústria fashion.

Toda essa acidez agora parece aplicada a seu próprio fanatismo pelo futebol, o lado menos conhecido da vida desse alemão radicado em Londres. Numa exposição no Garage, o mais vistoso museu de arte contemporânea em Moscou, Teller expõe seu sofrimento diante das partidas vistas na TV em fotos e vídeos.

Montada em paralelo à atual Copa do Mundo, refletindo o oportunismo midiático desse museu criado e bancado por Roman Abramovich, oligarca russo dono do time britânico Chelsea, sua mostra espelhou em tempo real o fracasso da seleção alemã nos gramados.

Tremendo no sofá de casa no oeste de Londres, Teller filmou as suas reações aos jogos da seleção de seu país –a derrota deles para o México, a vitória sobre a Suécia e nova derrota, contra a Coreia do Sul, que eliminou desta Copa os atuais campeões.

Enquanto três televisores no museu mostram essas imagens, uma série de monitores, cada um para uma das partidas da Alemanha no torneio, agora vão mostrar só uma tela fora do ar, em alusão à derrota.

Outras duas séries, no entanto, contrapõem mais momentos de glória e angústia. Na primeira delas, Teller documenta sua reação à final da Copa de 2002, quando o Brasil venceu a Alemanha no Japão. Na segunda, ele se descabela com a vitória alemã sobre a Argentina no torneio realizado no Brasil há quatro anos.

Nessa sequência, que termina com o triunfo alemão no rastro do traumático 7 a 1 contra a seleção brasileira em casa, Teller registra a chegada dos jogadores a Berlim e se esbalda na festa no portão de Brandemburgo, marco arquitetônico do centro da cidade.

Seus berros, espasmos e expressões contorcidas diante da câmera, que se repetem ao longo de toda essa sua exposição, chegaram a ser descritos como "retrato extraordinário da masculinidade volátil" por um crítico de arte britânico.

Ele mesmo, no entanto, resume as imagens como retrato de "qualquer idiota sentado no sofá, faltando dois minutos para o fim de um jogo 1 a 0 e só cinco minutos de acréscimo".

O artista, de fato, revela sem dó a maneira como homens crescidos se transformam em meninos frágeis diante de um jogo de futebol, exagerando reações apaixonadas, as lágrimas diante da derrota e a euforia provocada pelas vitórias.

Esse seu ar teatral funciona como a versão do torcedor do dramático histrionismo de alguns jogadores nos gramados –os chiliques dramáticos de Neymar serão lembrados. Mas o futebol ali é também a arena de lembranças amargas.

Na mais estranha e polêmica de suas imagens na mostra, Teller se retrata pelado em frente ao túmulo do pai, com uma bola de futebol na ponta do pé, cigarro na boca e uma garrafa de cerveja nas mãos.

Um alcoólatra violento que não se interessava em nada pelo esporte mais popular do mundo, o pai do artista, que se matou há três décadas, está no centro dos traumas de infância que ele busca exorcizar em suas imagens mais fortes.

"Isso é onde tento estar mais próximo do meu pai. Sentia pena dele e queria mostrar minha vulnerabilidade", conta o artista. "Nos últimos anos, também tive problemas com o álcool e os cigarros, então isso foi uma espécie de metáfora."

Em contraponto à figura paterna, Teller retrata sua mãe, de quem diz ter herdado a paixão pelo futebol, numa série de outras imagens no Garage.

Num único e irônico aceno à sua aclamada trajetória no mundo fashion, o artista encerra a mostra no museu moscovita com retratos que fez da atual seleção alemã para a edição de seu país da revista GQ.

Eles são vistos ali menos como heróis dos gramados e mais como ícones austeros de estilo.

Longe de cenários mais elaborados, são flagrados fazendo cara de sério em salas peladas à luz fria de refletores. Teller parece dizer que no futebol, como na moda, tudo às vezes é um jogo de aparências.

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