Descrição de chapéu The New York Times

Dois aventureiros tentam atravessar a Antártida sem ajuda nenhuma

Percurso tem 1.482 km e viagem pode durar até 65 dias

Adam Skolnick
Punta Arenas (Chile) | The New York Times

Uma janela meteorológica se abriu na manhã do dia do Halloween, e os ventos fortes e neblina polar característicos se acalmaram. A decolagem do voo para a Antártida foi autorizada.

Colin O’Brady, 33, um atleta de aventura americano, e Louis Rudd, 49, capitão do exército britânico, estavam esperando há quase uma semana em Punta Arenas, Chile, no estreito de Magalhães, perto da dilacerada ponta meridional da América do Sul.

Em edificações separadas, a quarteirões de distância, eles estavam imersos em tarefas semelhantes: pesagem e reacomodação de suas provisões desidratadas, e separação de seu equipamento polar.

Colin O’Brady com parte do equipamento que ele levou para sua expedição solo na Antártida
Colin O’Brady com parte do equipamento que ele levou para sua expedição solo na Antártida - Tamara Merino - 29.out.18/The New York Times

As cargas de ambos incluíam sacos de dormir capazes de resistir a temperaturas de até -40 °C, painéis solares portáteis, esquis, telefones e modems que oferecem conexão via satélite, e um rastreador de GPS programado com coordenadas de rota que os conduzirão passo a congelado passo pelo mais alto, mais seco e mais frio continente.

Os dois homens, que chegaram para essa missão trazendo antecedentes muito variados mas estabeleceram um elo de amizade competitiva em sua passagem pelo Chile, estavam determinados a concluir a primeira travessia da Antártida por uma pessoa trabalhando sozinha e sem equipe de apoio —uma odisseia de 1.482 km no gelo, com duração de até 65 dias. 

É um percurso que matou um homem, dois anos atrás.

Ao longo de boa parte do ano, Rudd antecipava uma batalha solitária contra a natureza, mas a empreitada se transformou em uma corrida.

Ele anunciou em abril que realizaria a tentativa. Em outubro, semanas antes da data marcada por ele para começar a jornada, O’Brady, que também vinha se preparando há meses, revelou no Instagram que pretendia fazer o mesmo.

Os dois esperam conquistar um continente que se tornou o novo Everest para os atletas extremos, ainda que tenham adotado abordagens distintas.

Rudd é um aventureiro à moda antiga. Alistou-se nos fuzileiros navais britânicos aos 16 anos, e continua a ser parte das forças armadas do Reino Unido. Lutou em Kosovo, no Iraque e no Afeganistão.

“A forma pela qual me consolo sobre as dificuldades da expedição é dizendo a mim mesmo que pelo menos não tem ninguém atirando em mim”, ele brincou. “Obviamente a Antártida tem seus perigos, mas me considero afortunado, porque vi amigos perderem membros, olhos... Coisas que mudaram suas vidas.”

Louis Rudd com seu pulk, onde carrega seus suprimentos na viagem pela Antártida
Louis Rudd com seu pulk, onde carrega seus suprimentos na viagem pela Antártida - Tamara Merino - 30.out.18/The New York Times

O’Brady é mais atual, um experiente atleta de aventuras e astro incipiente nas mídias sociais, com uma carreira cuja origem está em uma lesão e na perseverança que vem demonstrando para superá-la.

Ele cresceu em Portland, Oregon, e fazia parte da equipe de natação da Universidade Yale. Em uma viagem à Tailândia, em 2008, dois anos depois de se formar, se envolveu em um acidente imprevisível.

Suas pernas sofreram queimaduras tão graves que médicos lhe disseram que ele não voltaria a andar normalmente. Dezoito meses mais tarde, vivendo em Chicago e trabalhando em finanças, ele decidiu forçar seus limites e se inscreveu para uma prova de triatlo amadora. Venceu.

O’Brady deixou o emprego fixo e passou seis anos como atleta profissional de triatlo; estava a caminho das seletivas olímpicas. Mas, em 2014, abandonou a modalidade para completar, dois anos depois, o Explorers Grand Slam: escalou os picos mais altos de cada continente e esquiou o último grau de ambos os polos em 139 dias, estabelecendo um recorde mundial.

Como preparação para a expedição, Rudd fez treinamento com pesos. A cada noite, depois de seu dia de trabalho no exército, ele arrastava um pneu de caminhão gigantesco pela margem de um rio.
Um preparador físico profissional, Mike McCastle, submeteu O’Brady a um regime de força semelhante, em sua academia em Portland.

A expedição de O’Brady leva o nome “The Impossible First”, e ele planeja mostrar boa parte dela na mídia social. A presença de Rudd nas novas mídias é mínima.

 Colin  O´Brady (esq.) e Louis Rudd no avião que os levou à Antártida
Colin O´Brady (esq.) e Louis Rudd no avião que os levou à Antártida - Tamara Merino - 30.out.18/The New York Times

Ainda que no começo houvesse alguma tensão entre os aventureiros, eles chegaram a um acordo quanto a iniciar a jornada juntos na plataforma de gelo Ronne, em 3 de novembro. De lá, planejam esquiar até a geleira de Messner, no oeste da Antártida, e galgar, contra os ventos cruzados e partindo do nível do mar, as montanhas Thiel.

A próxima etapa os conduzirá para o sudoeste, e os colocará na linha de latitude que seguirão até o Polo Sul, com uma escalada até os 2.835 metros de altitude. O trecho em questão tem 1.047 quilômetros. De lá, planejam descer a geleira Leverett e concluir a jornada na plataforma de gelo Ross cerca de dois meses depois da partida.

Arrastarão com eles trenós nórdicos conhecidos como “pulks” nos quais carregarão toda a sua comida, combustível para cozinhar e material de acampamento.

No dia da partida, antes que consumissem quaisquer mantimentos, o peso dos pulks chegava a quase 170 quilos.

Para que a jornada se qualifique como expedição sem apoio, eles não podem aceitar qualquer ajuda das poucas pessoas que talvez venham a encontrar —nem mesmo uma xícara de chá oferecida pelos 
pesquisadores estacionados na renomada Estação Polar Amundsen-Scott, no Polo Sul, quando passarem por lá.

O bem sucedido explorador polar inglês Ben Saunders foi a última pessoa a tentar uma travessia polar solo e sem apoio. Ele escolheu uma rota diferente e desistiu depois de percorrer 1.288 km, em 2017.
Estabelecer recordes na Antártida não sai barato. O custo é alto, em dinheiro e esforço.

Rudd e O’Brady arrecadaram mais de US$ 200 mil (R$ 773 mil) cada um com patrocinadores empresariais e doadores individuais.

Os dois se encontraram pela primeira vez em um bar no sul do Chile, e terminaram se entendendo, por compartilhar do desejo de sofrer a serviço de uma grande aventura.

O degelo entre os dois continuou e, no dia em que aterrissaram na geleira Union, haviam chegado a um acordo sobre os termos da disputa.

Por volta do meio-dia, em 3 de novembro, Rudd e O’Brady embarcaram no avião que decolou do monte Rossman e seguiu rumo ao leste. Após 90 minutos, o avião pousou na prateleira de gelo Ronne.
O’Brady desembarcou e recolheu seu equipamento. “Boa sorte”, disse Rudd. “Acho nós dois conseguiremos”.

Eles trocaram um abraço, provavelmente seu último contato humano em dois meses. Enquanto O’Brady preparava o trenó, o avião partiu para a área, a cerca de 1,5 km de distância, de onde Rudd iniciaria sua jornada. O’Brady tecnicamente tem uma vantagem de 10 minutos, mas essa diferença não é significativa.

Na Antártida a temperatura pode ficar abaixo de -45 °C, mesmo no verão, e caso uma tempestade retarde o progresso deles e os force a permanecer nas barracas por dias, a comida pode acabar. Os dois têm reservas para cinco dias.

Outros perigos incluem a hipotermia, congelamento e uma condição cutânea conhecida como “coxa polar”. Feridas infectadas supuram porque o corpo demora mais a se curar no frio antártico.

Ventos de até 100 km/h foram medidos no platô polar, e, se uma rajada forte arrastar a barraca, a jornada terminará lá mesmo.

Com dois competidores tentando a jornada, será que eles prestarão atenção demais um ao outro? Forçarão demais o ritmo e se fatigarão, correndo risco mortal?

Quem quer que vença, se algum dos dois terminar, seus nomes estarão para sempre ligados no folclore polar.

“As pessoas vêm tentando isso há 100 anos, e ninguém conseguiu até agora”, disse O’Brady. “E aqui estamos, dois caras pressionando um ao outro para quem sabe completar um feito impossível.”

Tradução de Paulo Migliacci

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