Pai do principal skatista do Brasil defende uso de maconha por atletas

André Barros diz que droga não dá vantagem competitiva e tem uso medicinal difundido no meio

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São Paulo

Pai de uma estrela, empresário e voz ativa na cena do skate brasileiro, André Barros, 47, analisa que o esporte vive um momento inédito.

A entrada da modalidade no programa olímpico a partir de Tóquio-2020 permitiu que seu sonho se realizasse, e hoje o Brasil conta com um circuito nacional organizado.

O STU (Skate Total Urbe), evento do qual André Barros é diretor de marketing, tem nove etapas previstas para 2019.

Pai de Pedro Barros, 23, maior nome do país na modalidade, o empresário fez parte de uma geração de skatistas de Florianópolis que ajudou a dar vida ao skate no Brasil no início dos anos 2000.

De olho em um mercado pouco explorado e amador, ele passou a organizar campeonatos e agenciar outros atletas, além do próprio Pedro.

“Não adiantaria meu filho ser um grande skatista no meio do nada. Eu tive que me envolver, fazer o skate crescer no Brasil”, diz à Folha.

Se a perspectiva olímpica traz ganhos, André Barros vê com preocupação a possibilidade de o lado da contracultura do skate se perder em meio à competitividade esportiva.

A modalidade também precisou se adequar ao código antidoping da agência internacional Wada, que proíbe o uso de maconha durante competições, mas não fora delas (o limite hoje é de 180 ng/mL).

No início do ano passado, Pedro Barros testou positivo para um derivado da droga durante campeonato em Santa Catarina. Ele não recebeu suspensão preventiva, e o caso ainda não foi a julgamento.
Seu pai defende o uso de maconha por atletas.

“O skatista é o atleta olímpico mais limpo de todos. A gente não tem consciência competitiva, não pensa em tomar hormônio”, afirma.

A Wada cita relaxamento e diminuição de dor como possíveis vantagens competitivas. Também afirma que a maconha causa riscos à saúde dos competidores e viola o espírito moral do esporte, já que é ilegal em muitos países.

 

Circuito nacional
Esse é o maior passo que o skate já deu. Minha maior luta está se realizando com esse circuito. Eu senti muito na pele o que os skatistas sentiam lá fora, com o monopólio americano. A gente sofria muito bullying, foi muito humilhado e é até hoje. Claro, a gente está indo na casa dos outros para ganhar campeonato.

O meu maior objetivo era, e ainda é, criar independência dos EUA para o skate brasileiro. O STU está sendo o primeiro passo. Hoje, pela primeira vez o skatista pode chegar no dia 1º de janeiro tendo um objetivo a seguir.

Mudança cultural
O skate vai ser tratado pelas organizações financeiras apenas para quem participa da Olimpíada. Claro que existe uma indústria independente dentro do skate, mas tem um grande risco de ela perder força. Hoje essa indústria vende o estilo de vida do skate. Só que, se amanhã o cara que ganhar uma medalha de ouro for um cara que nunca viveu a cultura do skate, ele vai vender o que ele é. Se é um cara que escuta música funk e se veste com roupas que não têm nada a ver com a indústria do skate, já é um primeiro caminho para perder força.

Hoje muitos skatistas têm o privilégio de viver de patrocínio, sem precisar competir, só pelo lifestyle, vídeos no YouTube. Existe uma grande possibilidade de isso morrer. Não tem como pagar esse cara se ele não tem mais visibilidade. Eu imagino que, ao longo de duas ou três participações em Olimpíada, pode existir essa mudança, que realmente descaracterizará o skate como ele é hoje.

Os novos pais que virão a enxergar o skate como uma coisa rentável vão chegar para o filho e não vão nem querer saber da cultura do skate. Se ele tiver talento vão colocar na academia de manhã, para treinar à tarde, e aí começa um caminho totalmente diferente. Se ele nunca teve contato com a comunidade do skate, vai ver o concorrente na frente dele e pensar: tomara que esse filho da puta caia. A gente teme isso.

Vantagens da Olimpíada
Muito mais injeção de dinheiro. Agora, em países de terceiro mundo, o skate vai poder receber investimento do governo. O maior objetivo para mim de o país ser bem representado na Olimpíada é que amanhã os prefeitos possam achar legal e coloquem pista de skate para a comunidade.

A exposição do skate como ele é, quebrando o preconceito. Que os pais não vejam mais o skate como era visto, que ele entre na casa das pessoas como qualquer outro esporte. O surfe conquistou isso ao longo do tempo. Essa vai ser a maior ferramenta para a democratização do skate. E torcer para que esse processo de mudança cultural demore muito ou não aconteça nunca. Queremos que a comunidade admire a gente como a gente é.

Concorrência estrangeira
A China está formando equipes de preparação. Eles buscaram em escolas alunos que têm dom e estão investindo massivamente. Inclusive tentaram me contratar para ficar um ano lá ensinando, mas um dos motivos pelos quais eu neguei foi que para morar lá e ensinar alguém para competir contra o Brasil eu cobraria uma grana impossível de os caras quererem pagar.

Mas o principal [motivo] foi que, quando eu mencionei que queria levar o skate de uma forma que a cultura andasse junto, eles negaram.

Não querem nem saber quem é ídolo ou que música escuta. Querem que você acorde os moleques às 6h, treine até as 18h e cobram evolução de performance. Os japoneses já tinham uma cultura do skate e agora vão pegar pesado. Também têm Rússia, Turquia, agora que os países vão desenvolver o projeto olímpico do skate o bicho pegou.

Uso de maconha
Os atletas podem usar maconha desde que o exame não acuse dentro do campeonato. Normalmente, em três a sete dias antes da competição, dependendo de como o corpo absorve, eles têm que parar de fumar. Então não foi um problema tão sério quando eles descobriram que poderiam continuar com essa vida.

Eu sou maconheiro, fumei maconha minha vida inteira, queria que o meu filho fumasse desde cedo por estratégia. Achava que se ele gostasse de maconha teria uma grande chance de não gostar de drogas como cocaína.

Mas ele veio a experimentar maconha depois de velho, aos 18 anos. Muitos atletas desenvolvem síndrome de pânico em viagens por pegar avião toda hora, fila no aeroporto, voos longos, fuso horário. A gente começou adotar o uso de rivotril, por exemplo, mas descobriu que poderia substituir pelo THC [substância psicoativa da droga]. Nós já tínhamos essa consciência. Então a maior dificuldade é pelo entendimento que o skatista tem do uso medicinal da maconha.

O skatista é o atleta olímpico mais limpo de todos. A gente não tem consciência competitiva, não pensa em tomar hormônio. Não existe uma comprovação de que a maconha melhore a performance, existem hipóteses. Se ela não trouxer nenhum benefício de alta performance não tem razão para ser proibida.

No começo tinha a ideia de que “ah, não quero ir para Olimpíada então vou fumar maconha”, mas expliquei que eles não poderiam nem competir mais, porque todos os campeonatos são homologados. Eles foram aprendendo, acho que não está sendo mais o grande problema. Hoje o skatista está tranquilo quanto a isso, entende que vai ter que segurar a onda por alguns dias. É a escolha da pessoa de seguir para frente ou não.

André Barros, 47

Hoje é presidente do Instituto Mundial de Skate, diretor de marketing do STU (circuito nacional) e empresário dos skatistas Pedro Barros, Vi Kakinho, Yndiara Asp, Isadora Pacheco e Pedro Carvalho. Criou os eventos Park Jam e Red Bull Skate Generation

André Barros, empresário do ramo de skate e pai do skatista Pedro Barros
André Barros, empresário do ramo de skate e pai do skatista Pedro Barros - Reprodução/Arquivo pessoal
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