Mulheres têm mais obediência tática, diz Vadão, técnico da seleção feminina

A dois meses da estreia no Mundial treinador vê time pior do que nos Jogos do Rio

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Vadão, treinador da seleção brasileira feminina de futebol, posa para a foto - Karime Xavier/Folhapress
São Paulo

Pressionado no cargo após uma vitória nos últimos oito jogos e com pouco tempo para treinamento, o técnico Oswaldo Alvarez, o Vadão, 62, vê um diferencial que pode ajudar a seleção  feminina no Mundial da França: a obediência tática.

Na opinião dele, as mulheres têm apego maior à parte tática do que os homens.

Até a estreia contra a Jamaica, marcada para o dia 9 de junho, o time terá dois amistosos. Diante da Espanha, nesta sexta-feira (5), e contra a Escócia, na segunda (8). Antes da Copa, serão mais 15 dias de preparação com as atletas. 

“As mulheres têm apego maior à tática do que o homem. Os jogadores gostam muito do rachão, enquanto as jogadoras preferem o treino tático”, diz Vadão à Folha

 

Dos seus 28 anos de carreira, 23 foram dedicados ao futebol masculino. Ele voltou ao comando da seleção feminina em setembro de 2017, quase 11 meses após ter deixado a função, período em que foi substituído por Emily Lima.

Vadão reconhece que atualmente o time está pior do que na Olimpíada do Rio, quando sonhou com a medalha de ouro, mas foi eliminado nos pênaltis pela Suécia na semifinal e viu o bronze escapar na derrota diante do Canadá. Ele atribui a queda de rendimento principalmente à parte física.

Você considera mais fácil convencer um homem ou uma mulher sobre o aspecto tático? As mulheres têm apego maior à tática do que o homem. Os jogadores gostam muito do rachão, enquanto as jogadoras preferem o treino tático. Se as mulheres falam que não estão aprendendo determinada situação, vão querer aprender. É mais fácil a mulher seguir uma orientação tática do que o homem.
O homem brasileiro sempre foi autossuficiente. Temos a concepção antiga, que é raiz nossa, de que os jogadores resolviam na hora do aperto. O Pelé faz, o Rivellino faz. Tinha consciência tática, mas o individualismo prevalecia. Só que agora não tem tanto talento, o futebol está mudando.

Qual é a maior diferença no desempenho no futebol masculino e no feminino? Você considera que é possível uma mulher jogar entre os homens? É muito difícil. A diferença física é muito grande. Não estou falando de qualidade. Se você pegar uma atleta, por melhor que seja tecnicamente, e colocá-la para jogar um campeonato inteiro, ela  vai sentir fisicamente. Uma coisa é um jogo, uma partida festiva, outra é um campeonato. Outra vez fizemos um jogo-treino contra o sub-17 do São Paulo, que tinha jogadores fortes e enormes. Puxávamos um contra-ataque e eles chegavam na frente. A parte física hoje prevalece.

A Marta é a maior jogadora da história do futebol feminino? Por quê? Não tenho dúvidas que sim. A Marta tem uma coisa que admiro muito. Com o nome e tudo o que conquistou, ela nunca chegou para mim e falou: “eu não jogo nesta posição”. Ela é uma jogadora que improvisa, que confunde a marcação. Joga na beirada, no meio. Tem uma versatilidade e uma improvisação muito grandes. É a melhor da história da modalidade.

Como você recebeu a equipe após o comando da Emily, que foi a primeira treinadora da história da seleção feminina? Houve o manifesto para a Emily continuar, o que achei normal. Isso acontece sempre no futebol. As meninas brigaram para a permanência dela, sim, mas posso falar que a minha volta foi normal. Nunca tive problemas com as atletas. Do jeito que falam, parece que minha volta foi armada, mas não tenho nada com isso. Já passou, agora o nosso foco é o Mundial.

Como analisa as críticas que está recebendo? Acredita que seja pelo desempenho nos últimos amistosos? Desde que eu voltei para a seleção sou criticado. Eu não tive culpa pelo que aconteceu com a Emily Lima [demitida quase 11 meses após substituir o próprio Vadão]. Trabalhei no Guarani no futebol masculino e recebi o convite para voltar à seleção.
Sofro críticas porque distorceram muitas coisas. Minha história é limpa, não tem mentira, não tem controvérsia. Quem me levou de volta à seleção foi o Marco Polo [Del Nero, ex-presidente da CBF], por conta do meu primeiro trabalho. Foi ele que interferiu na minha contratação. Não tenho padrinho na CBF.
Neste último torneio [She Believes Cup], as críticas foram muito pesadas dentro daquilo que apresentamos. Assistimos aos jogos novamente e vimos que tivemos uma evolução em relação ao ano passado. Quando as coisas ocorreram bem ninguém falou nada. Está tendo uma cobrança muito forte e quero tirar o peso das atletas. Mesmo que venha para as minhas costas. 

Atualmente, a seleção feminina ocupa a décima colocação no ranking Fifa, a pior da história. O Brasil parou no tempo ou as outras seleções evoluíram? As duas situações. O futebol feminino no país parou no tempo, e todos da modalidade sabem disso. Após as medalhas de prata no Mundial (2007) e na Olimpíada de 2008, acho que todos pensaram que o Brasil vai ser sempre o Brasil. Já outros países evoluíram. Em 2015, éramos a sexta força. Por isso existe uma cobrança muito grande e falam que ninguém liga para as meninas. Nas escolas brasileiras, hoje é utopia falar de futebol feminino, porque estão tirando até a educação física da grade escolar.
Não é apenas o futebol feminino, o atletismo e outros esportes amadores também não funcionam. No Brasil, com raras exceções, não tem onde jogar. Pela grandeza do país é insignificante o número de escolinhas. Todas as prefeituras têm uma escolinha de futebol masculino, mas não são capazes de colocar um professor para uma de futebol feminino. Mesmo que seja para o futsal.

São sete derrotas nos últimos oito jogos. A seleção está em pior momento do que na Olimpíada? Aquele grupo estava muito melhor fisicamente, o que foi o grande diferencial para a nossa campanha. Agora, a nossa preocupação é o alinhamento físico.
A Fifa obriga os clubes a liberarem as atletas com 15 dias de antecedência. Vai ser o período mais longo com elas. Falar isso neste momento em que estamos pressionados pode soar como desculpa, mas é um fato. Sei que outras seleções também passam por isso.
Em 2016, conseguimos fazer uma boa preparação porque existia a seleção permanente e a maioria das atletas jogava no Brasil. Na Olimpíada, tínhamos 10% de erro de passes. Hoje, temos 20% a 25%. Na época, tínhamos um controle muito grande sobre a situação das atletas. Qual o controle que temos hoje? Nenhum. Hoje, um grupo de atletas está com ritmo, já que vem jogando na Europa. Mas temos outro grupo que ainda não jogou pelos clubes, como a Marta no Orlando Pride [time dos EUA], ou que fizeram poucos jogos.
Outro problema sério são as lesões. Temos a Cristiane [atacante] se recuperando, a Fabiana Baiana [lateral direita], a Rafaelle [zagueira], a Bruna Benitez [zagueira], a Bia Zaneratto [atacante].

Como você analisa as chances da seleção feminina no Mundial? Em condições adversas, a gente teve um ponto de equilíbrio, foi o que esse torneio [She Believes Cup] mostrou para gente. Falta muita coisa? Claro, mas a gente jogou de igual pra igual com as três seleções [EUA, Japão e Inglaterra]. Então lógico que a gente é favorito também. Hoje são muitos times favoritos. 

Você incentivou sua filha a jogar futebol na infância? Ela queria jogar, mas quando fui ver o local entendi que não era bom. Não era preconceito e eu liberaria sem problema, mas não senti firmeza do lugar. Na época, ela tinha 12 anos. E quem tem que cuidar da minha filha sou eu. Ela sempre gostou de esporte mais pesado, sempre quis jogo de choque. Tanto é que hoje não faz balé, mas pratica crossfit. No colégio, fez handebol porque não tinha futebol feminino.

Como você vê a edição atual do Campeonato Brasileiro, com 52 equipes nas Séries A e B?  
Não vai ser uma melhora rápida, da água para o vinho, bombástica como em outros países, que tiveram uma união de forças. Aqui falta essa união.
É uma experiência nova. Há cinco anos, o campeonato era curto e equipes fortes corriam o risco de ficar fora. O campeonato tem que ser mais longo para essas equipes jogarem mais partidas. Tudo está sendo uma experiência. Na cabeça da CBF tem uma programação, mas tem muito ponto que ainda será discutido.

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