Nos esquecemos o quanto a indústria do futebol é suja, diz presidente da Uefa

Aleksander Ceferin enfrenta oposição de federações para reformular Champions

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Tariq Panja
Budapeste | The New York Times

Diante de uma enorme janela que oferece vistas abrangentes do Danúbio, um rio que flui através de 10 países europeus, Aleksander Ceferin parou por um momento para refletir antes de responder.

Ceferin, advogado esloveno eleito em fevereiro para seu segundo mandato como presidente da Uefa, a organização que governa o futebol europeu, se acostumou a ponderar cuidadosamente os seus comentários, e a evitar problemas com as coisas que escolhe dizer publicamente, mas este mês cada uma de suas palavras será dissecada com atenção ainda maior.

Na semana passada, a Uefa se viu enfrentando três incêndios diferentes. Primeiro surgiram críticas a um esforço de bastidores para reformular a Champions League, a mais importante competição do futebol interclubes e motor financeiro da Uefa, de uma maneira que excluiria a maior parte da Europa do torneio. Depois surgiu raiva, na Inglaterra, sobre a escolha da capital do Azerbaijão, Baku, como local da final da Liga Europa, no próximo final de semana. Mas a maior fúria explodiu na segunda-feira (13), quando o campeão da Premier League, o Manchester City, descobriu que poderia ser suspenso da Champions League devido a uma investigação sobre suas finanças.

Aleksander Ceferin assiste à final da Champions League feminina em Budapeste
Aleksander Ceferin assiste à final da Champions League feminina em Budapeste - Ferenc Isza/AFP

Os três problemas estavam na mesa de Ceferin na semana passada, em seu escritório temporário, uma suíte convertida em um hotel de luxo de Budapeste. E cada um deles será um teste de sua capacidade de balancear os interesses conflitantes dos clubes ricos e das pequenas federações, de defender sua integridade contra acusações de que está cedendo a interesses poderosos, e de superar um momento difícil para o futebol europeu, no qual a capacidade –e  até mesmo a disposição– da Uefa para aplicar suas regras está sendo questionada. 

"Às vezes", disse Ceferin, "nos esquecemos o quanto essa indústria é suja".

Ceferin, 51, ainda é relativamente novo no mundo do futebol internacional. O ex-presidente da federação eslovena emergiu da obscuridade para se tornar um dos homens mais poderosos do mundo esportivo depois que um escândalo causou a derrubada de seu predecessor, Michel Platini, do comando da organização, em 2015. Agora, depois de três anos no posto, Ceferin está diante do que talvez seja o momento mais crucial de seu mandato, e sabe que as decisões que ele e a Uefa tomarão em breve podem definir o futuro do futebol europeu por uma geração ou mais.

A Champions League talvez represente a questão mais significativa, já que o plano apresentado no começo do mês –proposto e favorecido por um grupo formado pelos maiores clubes, das ligas mais ricas do continente– pode destruir um ecossistema já frágil, no qual os clubes mais pobres serão ainda mais marginalizados e terminarão excluídos dos torneios continentais de elite.

Os planos vazaram depois de uma reunião entre Ceferin e seu comitê executivo com um grupo de dirigentes que representavam as ligas dos países europeus. As ligas denunciaram o plano, e o mais veemente de seus líderes, Javier Tebas, da La Liga espanhola, deu a entender queixosamente que a Uefa não tinha interesse em ouvir todas as partes interessadas –excetuado o pequeno cartel dos clubes mais ricos.

A reação de Tebas, segundo Ceferin, foi calculada para estimular a indignação pública. Se é o caso, a ideia funcionou. Torcedores e comentaristas imediatamente expressaram rejeição à proposta na mídia social. Ceferin comparou algumas das vozes mais ruidosas às da nova safra de políticos que gostam de fomentar a ira para alimentar seus movimentos.

"Olha", ele disse, "uma maneira de operar é gritar que os ricos ficarão com tudo. É típico da gritaria populista na política europeia".

"Ele é ruidoso", disse Ceferin sobre Tebas. "Acho que parte de sua tática é operar assim. Mas não creio que isso seja muito produtivo".

Nem Tebas e nem qualquer outra pessoa, ele aponta, propôs uma alternativa. E além disso, insistiu Ceferin, nada foi decidido ainda –exceto pelo fato de que não haverá partidas das competições europeias nos finais de semana, uma garantia anunciada na sexta-feira. Os maiores clubes queriam jogar nos finais de semana para maximizar os atrativos e o valor dos jogos da Champions League para as redes de TV, mesmo que isso ameace prejudicar seriamente a comercialização e talvez até a viabilidade das ligas nacionais.

Javier Tebas, presidente da La Liga, organizadora do Campeonato Espanhol
Javier Tebas, presidente da La Liga, organizadora do Campeonato Espanhol - Javier Soriano/AFP

Ceferin foi eleito com uma plataforma que propunha apoio aos países pequenos e médios do futebol europeu, regiões que viram o poderio de seus clubes erodido pela popularidade e onipresença dos maiores clubes do continente, e de ligas cujas partidas televisadas são muitas vezes mais populares do que assistir em pessoa a um jogo do campeonato nacional. É essa influência que representa o verdadeiro desequilíbrio, disse Ceferin. A Uefa paga US$ 240 milhões ao ano às ligas europeias, os chamados pagamentos de solidariedade, mas os gigantes do continente –Premier League, La Liga e a Bundesliga alemã– não fazem pagamentos às suas contrapartes continentais. Ceferin indicou que isso precisa mudar.

"Solidariedade significa não só solidariedade por parte da Uefa, mas também da parte das cinco grandes ligas, que vendem direitos de transmissão aos países menores e afetam diretamente a receita das ligas locais", ele disse.

Com tanta coisa em jogo, e oponentes sempre de olho, a conduta pessoal de Ceferin –especialmente sua grande amizade com Andrea Agnelli, presidente da Juventus, que ajudou a preparar o plano de reestruturação da Champions League– é alvo de escrutínio. 

Ele diz que está ciente das histórias de que Agnelli lhe teria propiciado um passeio de Ferrari (e diz que nunca entrou em um carro dessa marca); sobre suas viagens no jatinho executivo do italiano (eles jamais voaram juntos nem mesmo em voos comerciais, segundo Ceferin); e do questionamentos sobre os motivos para que Agnelli escolhesse Ceferin como padrinho de sua filha de seis meses de idade (o que Ceferin definiu como "uma honra" que transcende o futebol).

 
O presidente da Juventus, Andrea Agnelli, durante partida contra Milan
O presidente da Juventus, Andrea Agnelli, durante partida contra Milan - Massimo Pinca/Reuters

Ainda assim, o relacionamento estreito entre os dois e suas famílias, e a decisão de Ceferin de aceitar o convite de Agnelli para servir como padrinho de sua filha, em um momento profissional tão delicado, causam desconfiança nos círculos do futebol, dadas as negociações complicadas sobre a Champions League; diversos dirigentes futebolísticos expressaram preocupações a respeito nas últimas semanas.

"Esses rumores que circulam o tempo todo no futebol são muito ilógicos e muito estúpidos", disse Ceferin. "Um dia dizem que Agnelli é muito importante e pode influenciar tudo por causa de minha amizade pessoal com ele. No dia seguinte, é o PSG que é importante, porque eles estão comprando os direitos de transmissão; no terceiro dia, ajudamos só o Real Madrid, e é por isso que eles chegaram quatro vezes à final".

Já a possível punição ao Manchester City é assunto diferente, e talvez um problema mais sério para Ceferin e a Uefa. O City, que serve como painel publicitário mundial para a família reinante de Abu Dhabi, prometeu se defender até o amargo fim contra uma potencial exclusão da Champions League. Se o clube conseguir evitar punições, como aconteceu com o PSG, controlado pelo Qatar, quando enfrentou acusações semelhantes de violar as normas financeiras da organização, isso poderia afetar o balanço de poder do futebol europeu em uma era em que países são donos de clubes.

Ceferin disse que não comentaria sobre o caso enquanto ele está em curso, e acrescentou que, além disso, a questão foi submetida a uma comissão independente sobre cujo trabalho ele não tem controle. Mas rejeitou a afirmação de que a Uefa evitaria punir qualquer clube, seja uma organização imensamente rica, como o City, seja um clube rico e bem conectado politicamente como o PSG, cujo presidente, Nasser el-Khelaifi, é parte do comitê executivo da Uefa e ao mesmo tempo comanda a beIN Sport, que adquiriu direitos de transmissão de torneios da Uefa.

"Se você age certo, se não se vende, se não está envolvido em negócios suspeitos, se não é corrupto, é fácil ir em frente e tratar a todos com justiça", disse Ceferin.

Tradução de Paulo Migliacci

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