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Idas ao banheiro desaceleram jogo e viram estratégia de tenistas

Tática de atrasar partidas não é novidade, mas parece ter virado mais frequente

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Cindy Shmerler
Nova York | The New York Times

O tênis, um esporte conhecido por rallies rápidos, subidas à rede e mergulhos em busca da bola, está sendo desacelerado pela mais básica das necessidades humanas: ir ao banheiro.

Com partidas muitas vezes se estendendo por mais de 90 minutos, de vez em quando um jogador precisa mesmo atender a um chamado da natureza durante o set. Mas muitas vezes a parada parece ser parte de uma estratégia para esfriar o jogo, o que frustra as autoridades do tênis, ansiosas por manter as coisas em movimento para os espectadores e telespectadores menos pacientes.

Na terça-feira da semana passada (27), Stefanos Tsitsipas deixou a quadra para ir ao banheiro na metade do terceiro set, em sua partida de primeira rodada do US Open, que durou quase quatro horas. Na ausência dele, seu adversário, Andrey Rublev, ficou caminhando como uma pantera, ao longo da linha de fundo. Seis minutos se passaram antes que o jogo fosse retomado.

Stefanos Tsitsipas cumprimenta Andrey Rublev (de frente) após jogo da primeira rodada do US Open
Stefanos Tsitsipas cumprimenta Andrey Rublev (de frente) após jogo da primeira rodada do US Open - Clive Brunskill - 27.ago.19/AFP

Quando Coco Gauff, 15, e Anastasia Potapova, 18, ganharam cada uma um set em sua partida de primeira rodada, as duas correram da quadra para o banheiro, no intervalo de dois minutos antes do início do terceiro set.

Duas semanas antes do US Open, em uma partida do Masters de Cincinnati, Nick Kyrgios parou para ir ao banheiro depois de ser penalizado por xingar o juiz. Ele apanhou duas raquetes e deixou a quadra, seguido por um representante oficial da organização do torneio cuja tarefa é acompanhar os atletas em suas idas ao banheiro.

Assim que chegou à área coberta, Kyrgios quebrou as duas raquetes batendo-as no chão de um corredor a caminho do vestiário, e voltou imediatamente à quadra. Ele nem entrou no banheiro.

Atrasar uma partida por motivos estratégicos não é novidade alguma no tênis, mas a prática parece ter se agravado.

Para conter os abusos flagrantes, a Associação de Tênis Feminino (WTA, na sigla em inglês) reduziu neste ano o número autorizado de paradas para ir ao banheiro de duas para uma.

As paradas, que podem ser usadas para ir ao banheiro ou trocar de roupa, devem ser realizadas no final de um set, a menos que o juiz de cadeira as defina como emergência. Se os jogadores fazem uma parada no meio do set, devem fazê-la antes de um game no qual estejam sacando.

No entanto, embora existam regras para determinar quando uma parada para ir ao banheiro é permissível, não há penalidades para os jogadores que usam o tempo da parada para fazer alguma coisa à qual ela não é destinada. Os juízes de linha e outros representantes da organização acompanham os atletas aos sanitários, mas não entram com eles.

Tampouco existem limites de duração para as paradas de banheiro —ante o limite de cinco minutos para as paradas destinadas a atendimento médico em caso de lesões—, porque não há uniformidade na distância entre as quadras e os banheiros.

"A regra existe para atender às necessidades dos jogadores", disse Steve Simon, presidente-executivo da WTA. "Não tem por objetivo ser um recurso estratégico ou mudar o ritmo do jogo".

Ele disse que as paradas vêm causando "demora indevida, o que não é bom nem para a televisão e nem para os torcedores que precisam ficar esperando".

"Há um lado subjetivo nessa coisa toda", ele acrescentou. "Temos de ser sensíveis com relações a questões femininas e questões gástricas. Não queremos colocar qualquer pessoa em situação desconfortável".

A Associação dos Tenistas Profissionais (ATP, na sigla inglês), que comanda o tênis masculino, segue protocolo semelhante, ainda que os homens tenham direito a duas paradas para o banheiro durante partidas disputadas no modelo melhor de cinco sets (as mulheres têm direito a uma parada a menos mas jogam partidas mais curtas, e precisam vencer apenas dois de três sets).

O US Open e os demais torneios de Grand Slam, que seguem regras próprias, acompanham as diretrizes da WTA e da ATP quanto a paradas para ir ao banheiro.

As paradas prevalecem mesmo nas categorias inferiores do esporte, onde chegam a durações absurdas.
Em um torneio do circuito profissional em Lexington, Kentucky, algumas semanas atrás, Yuxuan Zhang, que está fora do top 200 do ranking da WTA, perdeu o primeiro set de sua partida de quartas de final por 6 a 1 em apenas 24 minutos.

Em lugar de se recuperar em sua cadeira na beira da quadra durante a pausa de dois minutos entre os sets, ela foi ao banheiro. Voltou exatamente 10 minutos depois, dizendo que o banheiro era longe demais da quadra. Perdeu o segundo set por 6 a 0, em 33 minutos.

Verena Mellis fez mesma coisa depois de perder o primeiro set de uma de suas partidas. Emily Webley-Smith, da Inglaterra, agiu da mesma maneira. Em nenhuma dessas ocasiões a vencedora do primeiro set deixou a quadra.

Cabe dizer que o calor e umidade eram infernais no Kentucky, naquela semana. E algumas jogadoras fizeram paradas para trocar roupas encharcadas. Mas depois de menos de meia hora de jogo?

"Digo aos meus jogadores o tempo todo que, se perderem o primeiro set por 6 a 0, devem ir ao banheiro, lavar o rosto, sentar por alguns minutos e só depois retornar", disse Joseph Siriani, que foi jogador da ATP e agora treina diversos tenistas australianos nas categorias juvenis. "É uma ótima maneira de recuperar o equilíbrio e de quebrar o ritmo do oponente".

Também não é uma má hora para contornar as regras que proíbem obter ajuda para o jogo.

Arthur Ashe Stadium durante jogo da chave feminina do US Open 2019
Arthur Ashe Stadium durante jogo da chave feminina do US Open 2019 - AFP

Um dirigente do circuito diz que costumava deixar a quadra em partidas de sua época como júnior, com o pretexto de ir ao banheiro, e ligava para a mãe pedindo conselhos. Outro jogador conta sobre um amigo cujo pai lhe dava uma banana quando  o jogador se dirigia ao banheiro. Quando descascada, a banana revelava um pedaço de papel com dicas de treinador.

Manobras como essas são claramente proibidas em todas as categorias do tênis, profissional e juvenil.
Yanina Wickmayer, semifinalista do US Open em 2009, diz que é um truque comum usar a parada do banheiro para outros fins.

"Jamais precisei urinar durante um jogo", disse Wickmayer. "Mas em muitas ocasiões eu precisava sair da quadra e colocar a cabeça no lugar, e forçar minha oponente a pensar no jogo".

É a mesma coisa que um jogador chamar o médico sem estar lesionado.

"Fazemos o que quer que seja necessário para vencer a partida", ela disse.

Nem todos os tenistas gostam desse tipo de jogada, porém.

Karolina Pliskova, que já foi a número um do ranking da WTA, disse que não quer "perder tempo" na quadra no meio de uma partida.

"Minha sensação é de que quero jogar", disse Pliskova, derrotada por Angelique Kerber na final do US Open de 2016. "Sei que algumas pessoas usam isso para mudar o jogo ou algo assim. Talvez se eu fizesse a mesma coisa com mais frequência, venceria mais partidas".

Sloane Stephens, ganhadora do US Open em 2017, recorda jogar um torneio dois anos atrás em que diversas de suas oponentes, consecutivamente, pediram tempos médicos ou para ir ao banheiro.

"Eu fiquei pensando que aquelas pessoas todas não estavam doentes e nem precisavam urinar o tempo todo", disse Stephens. "Não é assim que funciona".

Em eventos menores, banheiros distantes podem causar problemas para jogadores que de fato precisam deles.

Madison Brengle, número 78 do ranking da WTA, disse que a paradas são uma necessidade.

"Uma vez tive envenenamento alimentar durante uma partida", ela disse. "Eu realmente tive de me sentar por cinco minutos; se não, minha sensação era de que cairia morta. Naquele caso, a existência da regra foi importante".

Ainda assim, para jogadores de gerações passadas, uma parada no meio do jogo era algo inédito.

"Jamais parei para ir ao banheiro durante um jogo, nenhuma vez em toda a minha carreira", disse Hana Mandlikova, campeã do Aberto dos Estados Unidos em 1985, acrescentando que jamais viu outras jogadoras de primeiro nível o fazerem, tampouco. "Não é como se as jogadoras atuais jogassem mais sets do que jogávamos. Tudo isso é só para quebrar o ritmo da outra garota".

"O fato é que há tanto dinheiro envolvido no esporte agora", ela acrescentou, "que todo mundo busca por qualquer pequena vantagem".

Tradução de Paulo Migliacci

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