Onze anos após estabelecer a maior hegemonia de títulos brasileiros na história, com três conquistas seguidas, o São Paulo encolheu diante dos rivais.
Com menos taças que seus adversários regionais —Corinthians, Santos e Palmeiras— desde o seu auge, na primeira década do século, o clube do Morumbi acumulou perdas em receitas e não ostenta mais o rótulo de clube modelo.
Após a conquista dos três títulos nacionais seguidos, o São Paulo faturou R$ 64 milhões (valores atualizados) em 2009 com patrocinadores e brigava pela liderança nesse quesito com o Corinthians. Campeão paulista e da Copa do Brasil, o alvinegro de Ronaldo Fenômeno teve R$ 66 milhões (atualizados) de receita nesse ano.
Corinthians e São Paulo mantinham uma diferença abissal em comparação a Palmeiras (R$ 38 milhões, atualizados) e Santos (R$ 29 milhões, atualizados).
O cenário, agora, é diferente. Desde então, o São Paulo teve uma queda de 50% no faturamento com sua camisa. Conseguiu captar R$ 32 milhões em 2018, último balanço divulgado, e está à frente apenas do Santos (R$ 27 milhões). Foi superado pelo Palmeiras, que com a chegada da Crefisa saltou para R$ 102 milhões.
O professor de marketing esportivo da Mackenzie Anderson Gurgel, autor do livro "Futebol S/A: A economia em campo" (Saraiva, 2006), aponta que o São Paulo teve projetos considerados inovadores, como Batismo Tricolor (2006), Passaporte Tricolor (2008) e Embaixada são-paulina, mas pecou no planejamento a longo prazo.
"Essa é um constante no futebol brasileiro, enquanto os clubes europeus vivem longos períodos de hegemonia”, afirma.
De 2009 para 2010, a queda foi bem vertiginosa. As receitas com patrocínios e publicidade, até então de R$ 64 milhões, despencaram em um único ano para R$ 36 milhões. Foi a primeira temporada desde 2001 que o São Paulo não teve a marca da empresa sul-coreana LG estampada em sua camisa.
“O São Paulo teve um encontro muito feliz das conquistas esportivas com a gestão de marketing e criou na ocasião a expectativa de se tornar a maior torcida do Brasil”, diz Gurgel.
Em 2015, pela primeira vez desde 1987, a camisa tricolor não contou com nenhum patrocinador, segundo pesquisa do Ibope Repucom a pedido da Folha, que analisou os patrocínios dos clubes mais presentes na Série A do Brasileiro.
O clube só conseguiu alavancar suas receitas totais de R$ 300 milhões, de 2009, para R$ 424 milhões, em 2018, graças principalmente ao aumento de arrecadação com venda de jogadores.
Fora de campo, em outubro de 2015, o presidente Carlos Miguel Aidar, eleito em abril de 2014 para suceder Juvenal Juvêncio (morto em dezembro de 2015), renunciou ao cargo em meio a acusações de desvio de dinheiro. O auge da crise ficou marcado por uma briga em que o cartola levou um soco do seu vice, Ataíde Gil Guerreiro.
Procurado, Aidar não quis conceder entrevista. “Meu mandato passou, estou cansado de falar sobre”, disse o ex-presidente.
“O São Paulo vivia uma crise de imagem muito forte, as pautas não eram esportivas e, sim, policiais. O marketing é muito mais que patrocínio, mas a nossa prioridade era [patrocínio] porque não tinha nenhuma marca”, disse o advogado José Francisco Manssur, vice-presidente de comunicação e marketing na gestão de Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco –sucessor de Aidar.
Mas a instabilidade não teve fim. No início do mês, um grupo de conselheiros enviou um pedido de impeachment contra Leco. Alegam que o dirigente desrespeitou o estatuto do clube ao celebrar empréstimos bancários sem aprovação prévia do Conselho Deliberativo e ultrapassou o limite de gastos previsto pelo regimento.
Em meio aos problemas de gestão, o time colecionou eliminações para adversários como Bragantino, pela Copa do Brasil, e Defensa y Justicia, Colón e Talleres, todos da Argentina, em torneios sul-americanos.
Uma situação incômoda para um clube que, em 2005, faturou a sua terceira Libertadores, quando goleou o Athletico por 4 a 0, e conquistou o Mundial Interclubes com a vitória de 1 a 0 sobre o Liverpool.
Com a crise em campo, o time viu as receitas com bilheteria sofrerem uma redução de 16%, enquanto a dos demais paulistas evoluíram.
O São Paulo fechou 2018 com R$ 30 milhões de venda de ingressos, e o Santos, com R$ 27 milhões. Há dez anos, a equipe santista conseguia arrecadar R$ 15 milhões (valores atualizados), menos da metade da tricolor na época.
Nos 11 anos desde o título nacional de 2008, o São Paulo teve média de mais de dois técnicos por temporada.
A contratação mais emblemática do período instável foi a de Doriva, anunciado em 7 de outubro de 2015 e dispensado 33 dias depois. Comandou o São Paulo em sete jogos, conseguiu duas vitórias, perdeu quatro vezes e empatou a outra —aproveitamento de 33%.
Durante os Campeonatos Brasileiros de 2013 e 2017, o time perambulou pela zona de rebaixamento, porém conseguiu uma reação e encerrou, respectivamente, em 9º e 13º – essa última foi a pior colocação tricolor na era dos pontos corridos. Nem o ídolo Rogério Ceni escapou da lista de técnicos demitidos naquele ano.
O torcedor viu o Morumbi, motivo de orgulho desde o século passado, ser superado pelas arenas Allianz Parque e Itaquerão. Com capacidade para 64 mil espectadores, ainda é o maior da cidade, mas foi preterido pela Fifa para receber partidas da Copa do Mundo de 2014. A entidade escolheu a arena em Itaquera, zona leste da capital paulista.
O Allianz Parque, atualmente, é o que mais recebe grandes eventos culturais em São Paulo. Em 2018, o Morumbi não recebeu nenhum show. Voltou abrir as portas uma vez neste ano para a banda britânica Iron Maiden.
Fundado em 1960 sob o lema “Se é um sonho, que seja grande”, o estádio são-paulino recebeu a visita do papa João Paulo 2º diante de 140 mil espectadores. A partir de março de 1981, com dois shows do Queen que reuniram 200 mil pessoas, o estádio passou a ser o palco mais famosos do país e teve Paul McCartney, Roger Waters, Rolling Stones, Madonna e Michael Jackson.
Agora, vive uma seca de shows e de títulos.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.