Descrição de chapéu The New York Times

Dirigente revolucionou NBA e 'devolveu vida' a Magic Johnson

David Stern, comissário da liga de basquete por 30 anos, morreu na quarta (1º)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marc Stein
Nova York | The New York Times

David Stern, que durante seus 30 anos como comissário da National Basketball Association (NBA) comandou sua transformação de uma organização em risco a uma máquina de negócios multibilionária e a primeira liga de esportes americana a prosperar internacionalmente, morreu na quarta-feira (1º) em Nova York, aos 77 anos.

Sua morte foi anunciada em um comunicado da NBA. Ele sofreu uma hemorragia cerebral cerca de três semanas atrás e passou por uma cirurgia de emergência.

Quarto comissário da NBA, Stern comandou a organização de 1º de fevereiro de 1984 a 1º de fevereiro de 2014 e intimidava muita gente com seus modos prepotentes, mas também tinha visão de marketing e instintos que ajudaram a elevar a liga de seu período mais sombrio a novos patamares de prosperidade –e popularidade–, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior.

Os astros da NBA foram os primeiros atletas americanos a conquistar popularidade mundial semelhante à de seus colegas do futebol internacional, e os maiores deles se tornaram nomes conhecidos mesmo nas regiões mais remotas do planeta.

A NBA ficava abaixo da Major League Baseball (MLB) e da National Football League (NFL) tanto em renda quanto em presença televisiva quando Stern assumiu. Mas quando ele deixou o posto –tendo suplantado Pete Rozelle, da NFL, como comissário mais duradouro entre os grandes esportes dos Estados Unidos—, havia comandado a liga em um crescimento que a conduziu do medo de extinção, no final da década de 1970, a operações de mais de US$ 5 bilhões (R$ 20,1 bilhões).

No período, a receita televisiva da NBA subiu em mais de 4.000% e cruzou a barreira do US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões) ao ano.

Ele conquistou o sucesso ao concentrar atenções nos maiores nomes do basquete –Magic Johnson e Larry Bird, Michael Jordan e Charles Barkley—, compreendendo que eram eles que propiciavam ao esporte seu poder de atração mundial.

O mandato de Stern começou praticamente ao mesmo tempo que a era Jordan; o processo seletivo para a NBA em 1984, que levou à liga Jordan e Barkley, entre outros grandes jogadores, foi realizado pouco depois que Stern se tornou comissário.

Em entrevista ao The New York Times em 2014, Stern disse que uma de suas lembranças mais acalentadas foi a de ver esses astros unidos para formar a seleção de basquete olímpico dos Estados Unidos em 1992 –conhecida em todo o mundo como “Dream Team”. Para uma liga que havia passado por dificuldades não muitos anos antes, foi inspirador vê-los “celebrados como uma espécie de mistura entre o Bolshoi, a Filarmônica e os Beatles”, em sua marcha rumo à medalha de ouro.

David Stern durante entrevista antes das finais da NBA na temporada 2012/13
David Stern durante entrevista antes das finais da NBA na temporada 2012/13 - Brendan Smialowski - 6.jun.13/AFP

Sete novas franquias foram admitidas na liga durante o mandato de Stern, entre as quais duas no Canadá: o Toronto Raptors e o Vancouver Grizzlies (que agora joga em Memphis, nos Estados Unidos).

Encabeçada por astros como Kobe Bryant e LeBron James, a liga chegou aos 30 times em 2004, com a admissão do Charlotte Bobcats (hoje Charlotte Hornets). Outras inovações de Stern incluem a criação da Women’s NBA (WNBA), em 1997, e da liga de desenvolvimento da NBA, ou G-League, em 2001.

Em 1985, Jerry Reinsdorf adquiriu o Chicago Bulls por US$ 16 milhões (R$ 64,4 milhões). Em 2014, pouco depois da saída de Stern, Steve Ballmer tomou o controle do Los Angeles Clippers por US$ 2 bilhões (R$ 8 bilhões). E da mesma forma que os valores dos times cresceram durante o período de Stern à frente da organização, os salários dos jogadores dispararam.

“Acho que as pessoas veem todo o dinheiro que existe no esporte agora e acham que as coisas sempre foram assim”, disse Charles Barkley, agora comentarista de TV na Turner Sports, no programa “Inside the NBA”, na noite de quinta-feira passada. “Mas quando entrei na NBA em 1984, o primeiro ano do comissário, o salário médio era de US$ 250 mil. Agora é de quase US$ 9 milhões. E ele é o principal responsável por isso."

Quando Stern entregou o posto a Adam Silver, em 2014, a NBA havia aberto escritórios em 15 cidades fora dos Estados Unidos e assinado contratos para televisar jogos em mais de 200 países e em mais de 40 idiomas.

Os efeitos desse crescimento internacional eram evidentes na noite de abertura da atual temporada, quando 108 jogadores de 38 países e territórios diferentes eram parte dos elencos da NBA. Foi a sexta temporada consecutiva em que a liga teve um mínimo de pelo menos cem jogadores internacionais.

O sucesso de Stern veio de seu foco inflexível e estilo de envolvimento direto em todas as decisões, que ele aprendeu trabalhando nos finais de semana na delicatessen de seu pai em Manhattan. Mas o comissário não deixou de receber seu quinhão de críticas, ao longo do caminho, pelo que algumas pessoas entendiam como modos ditatoriais; ele costumava gritar com os empregados da NBA, dirigentes de times, parceiros da liga e jornalistas.

David Joel Stern nasceu em 22 de setembro de 1942 em Manhattan, filho de William e Anna Stern. Seu pai era dono da Stern‘s Deli, em Chelsea. David cresceu em Teaneck, Nova Jersey, e se formou na Universidade Rutgers em 1963, antes de estudar direito na Universidade Columbia.

Seu envolvimento com a NBA começou em 1966, quando, logo depois de se formar em direito, foi contratado pelo renomado escritório de advocacia Proskauer, Rose, Goetz & Mendelsohn, de Nova York, que representava a liga.

O basquete profissional parecia estar em decadência quando Stern começou a trabalhar diretamente para a NBA, em 1978, como vice-presidente jurídico, sob o comissário Larry O’Brien. A liga estava perdendo a relevância –sete jogos das finais da NBA, entre 1979 e 1981, não foram exibidos ao vivo na TV e foram mostrados apenas como videoteipes a partir das 23h30.

A liga sofreu ainda mais danos em sua imagem depois que uma reportagem do jornal Los Angeles Times, em agosto de 1980, estimou que entre 40% e 75% de seus jogadores usavam cocaína. Na temporada de 1980-1982, os dados oficiais indicavam que 16 dos 23 times que então formavam a NBA ficaram no vermelho.

Stern, promovido a vice-presidente executivo da NBA em novembro de 1980, negociou regras para testes de drogas obrigatórios em 1983, fazendo da NBA a primeira das grandes ligas esportivas da América do Norte a adotá-las.

Assim que Stern se tornou comissário, a NBA tentou ajudar as franquias localizadas em mercados pequenos, adotando um teto salarial de US$ 3,6 milhões (equivalente a US$ 9 milhões, ou R$ 36,2 hoje) para os times na temporada 1984-1985.

Medidas como essas ajudaram a liga a reconquistar a estabilidade como negócio, o que bastou para que ela pudesse aproveitar a retomada da rivalidade entre o Boston Celtics e o Los Angeles Lakers na década de 1980 –alimentada pela chegada de Bird e Johnson à NBA– e a espetacular ascensão de Jordan, que resultou em seis títulos para o Chicago Bulls na década de 1990.

Stern encontrou seu nicho verdadeiro no esporte na gestão de O’Brien, que o encarregou de administrar o marketing, os direitos televisivos e as relações públicas da NBA, além dos negócios e questões judiciais. Quando Stern se afastou do comando das operações cotidianas da liga, Silver o definiu como “um dos fundadores do moderno marketing esportivo”.

“Quando cheguei à liga, no começo da década de 1990, as ligas não eram vistas como marcas, da maneira que são hoje”, disse Silver a jornalistas em 2014. Stern, ele disse, foi um dos primeiros a “adotar práticas modernas de marketing de última geração, não importa qual fosse a tecnologia do momento, e aplica-las às ligas esportivas”.

Talvez nada tenha causado mais orgulho a Stern do que o papel da NBA em apoiar Magic Johnson depois de ele revelar, em 7 de novembro de 1991, que havia contraído o HIV, o vírus causador da Aids.

No escritório de Stern da NBA havia uma foto que o mostrava entregando a Johnson o prêmio de melhor jogador do All-Star Game de 1992, realizado em Orlando, na Flórida, poucos meses depois de Johnson ter anunciado que era portador do vírus e que deixaria o esporte (ainda que ele voltasse mais tarde por uma temporada).

Stern apoiou o desejo de Johnson de participar do jogo, como um dos jogadores mais votados pelo público, apesar das reações hostis à sua participação, da parte de alguns, e a despeito de ele já não estar em atividade como jogador. A presença de Johnson fez do All-Star Weekend da NBA uma verdadeira convenção para a conscientização sobre o HIV e a Aids.

“Isso de certa forma nos ajudou a começar a firmar nossa visão de que algo nos esportes ressoava junto às pessoas”, disse Stern à ESPN em 2014. “Tínhamos a capacidade de promover mudanças”, ele declarou.
Johnson disse à jornalista esportiva Jackie MacMullan que, sem Stern, “eu não estaria aqui hoje”.

“Ele me devolveu minha vida”, disse Johnson.

David Stern e Magic Johnson se abraçam durante cerimônia do hall da fama da NBA
David Stern e Magic Johnson se abraçam durante cerimônia do hall da fama da NBA - Jim Rogash - 8.ago.14/AFP

Não faltaram detratores e adversários para Stern, ao longo dos anos. Ele costumava se definir para a mídia como “Easy Dave” [Dave fácil], durante as negociações salariais com os jogadores em 1994, mas por trás de portas fechadas era notório pelo mau gênio e por uma abordagem que outras pessoas ocasionalmente viam como tirânica.

Ao longo da temporada 2005-2006, ele foi seriamente questionado por instituir um código de vestimenta para os jogadores, antes e depois dos jogos, que diversas pessoas viam como racista. Allen Iverson, armador do Philadelphia 76ers e um dos astros da liga na época, disse que a regra “tinha por alvo caras que se vestem como eu –que se vestem com estilo hip-hop”.

No começo da temporada 2006-2007, Stern aprovou a introdução de uma nova bola de basquete de microfibra, foi recebida de maneira tão desfavorável pelos jogadores que a NBA voltou abruptamente à tradicional bola de couro, em 1º de janeiro de 2007.

Pouco depois, Stern teve de enfrentar um dos desafios mais complicados de seus anos como líder, quando uma investigação do Serviço Federal de Investigações (FBI) dos Estados Unidos revelou que o árbitro Tim Donaghy havia feito apostas em jogos que arbitrou. Stern também era muito criticado em Seattle por seu papel em permitir que o SuperSonics se transferisse a Oklahoma City depois da temporada 2007-2008.

Algumas das punições decididas por Stern foram vistas como draconianas, especialmente as muitas suspensões que se seguiram a uma infame briga que se espalhou pelas arquibancadas, em um jogo entre o Detroit Pistons e o Indiana Pacers em 2004, e a suspensão de Latrell Sprewell por um ano, por tentar estrangular seu treinador, P.J. Carlesimo.

Ao considerar suas realizações, Stern disse à revista Sports Illustrated em 2018 que ele dava mais valor às tarefas mais difíceis: “Penso em Magic anunciando que portava HIV, e em Latrell Sprewell tentando estrangular P.J. Carlesimo, em Ron Artest subindo às arquibancadas para brigar, Donaghy apostando em jogos que arbitrou”, ele disse. “Foram momentos em que tive de intervir para proteger a liga, e isso é parte do trabalho. Não era um estresse a mais. Era o trabalho, pura e simplesmente."

Mesmo depois de renunciar como comissário, Stern não conseguiu abandonar os hábitos de trabalho assíduo. Tornou-se conselheiro de Silver, com o título de comissário emérito. Também se tornou consultor do banco de investimento PJT Partners, do grupo de capital para empreendimentos Greycroft Partners e da divisão de tecnologia, mídia e telecomunicações da PricewaterhouseCoopers, bem como de diversas startups de tecnologia.

Ele deixa a mulher, Dianne Bock, e dois filhos, Eric e Andrew.

Silver conquistou elogios como sucessor de Stern em parte por empregar um estilo visto como mais colaborativo e aberto. Mas o impacto de Stern sobre a NBA continua a ser sentido, especialmente seus esforços para expandir a marca fora dos Estados Unidos.

Na noite de quinta-feira da semana passada, quando a liga anunciou que Stern estava doente, o Dallas Maverick –cujo proprietário, Mark Cuban, foi antagonista frequente do então comissário– estava jogando contra o Detroit Pistons na Cidade do México.

“Ele sempre foi incrível para comigo”, disse Cuban. “Mesmo quando estava gritando comigo."

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.