Advogados paraguaios contestam ato que livra Ronaldinho de denúncia

Criminalistas divergem sobre instrumento jurídico e criticam rapidez da decisão

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São Paulo

O instrumento jurídico "critério de oportunidade", presente no código penal paraguaio, foi usado pelo Ministério Público do país como embasamento para não acusar Ronaldinho Gaúcho nem seu irmão Roberto de Assis pelo crime de uso de documento público de conteúdo falso.

Na quinta-feira (5), a Promotoria declarou que os brasileiros admitiram o delito, mas ficaram livres do processo porque ambos teriam sido “enganados em sua boa-fé”.

Eles estão prestando depoimento desde a tarde desta sexta (6) à Justiça, que pode confirmar a liberação ou devolver a investigação para que o Ministério Público reveja sua decisão.

A possibilidade de prescindir da ação penal costuma ser adotada em casos de crimes financeiros, quando o autor admite o delito, mas não possui antecedentes criminais no país e colabora com a investigação.

Há ainda outros critérios previstos no código para acionar essa saída processual e que foram usados como argumento pelo Ministério Público.

Um deles afirma que ela é possibilitada quando o procedimento tem por objeto um delito, que por sua insignificância ou pelo grau reduzido da punição ao autor, não gera interesse público na continuidade do processo.

A pena prevista para o uso de documento público com conteúdo falso é de até cinco anos de prisão.

O advogado criminalista paraguaio Guillermo Duarte Cacavelos discorda de que o caso se encaixe nesse critério. "Há um interesse público no processo criminal porque se trata de falsificação de documentos de identidade que são expedidos por autoridades paraguaias, independentemente da pena ou da possível sanção", afirma.

Ronaldinho chega à Justiça paraguaia para prestar depoimento nesta sexta
Ronaldinho chega à Justiça paraguaia para prestar depoimento nesta sexta - Norberto Duarte/AFP

A promotoria argumentou que os irmãos foram enganados e decidiu acusar apenas outras três pessoas que, de acordo com o órgão, tiveram participação no esquema.

O empresário brasileiro Wilmondes Sousa Lira, apontado pelos advogados dos irmãos como responsável por entregar a eles os passaportes falsos, está em prisão preventiva. Já María Isabel Galloso e Esperanza Apolônia Caballero, donas das cédulas de identidade adulteradas, também foram denunciadas.

"Os fatos investigados não podem ser considerados insignificantes, tampouco se pode assumir, 24 horas depois [do início da investigação], que a pessoa não teria conhecimento do que ocorreu e suas possíveis consequências", critica Cacavelos. "O relato dos fatos exposto no pedido tem como única fonte a declaração dos irmãos. Não se verificou outros elementos objetivos para ver se o relato é verdadeiro."

Outro advogado criminalista do país ouvido pela reportagem, Rodrigo Yódice, defende que em tese o "critério de oportunidade" pode ser usado nesse caso porque atende ao estabelecido no código penal, de um crime com grau reduzido de punição ao autor do delito, além do fato de Ronaldinho e Assis terem colaborado com a investigação.

Ainda assim, ele considera que a Promotoria tomou essa decisão com indevida rapidez e sem considerar várias questões relevantes para a continuidade da apuração.

"Na minha visão, precisaria de mais tempo para investigar e entender a participação de Ronaldinho e de seu irmão e por que eles estavam com esses documentos falsos, sendo que saíram do Brasil com seus documentos brasileiros", disse.

Yódice não vê a possibilidade de considerar Ronaldinho enganado em relação à autenticidade dos documentos, já que eles têm a inscrição de "paraguaio naturalizado". "É evidente que, ao usar o passaporte com essa informação falsa, ele sabia perfeitamente que estava provendo uma informação relevante sobre sua nacionalidade claramente discordante da realidade​."

Ao jornal ABC Color, o advogado e ex-juiz penal Gustavo Gorostiaga disse que essa não é uma solução jurídica que aceitaria no momento. "Não podemos dar a impressão de que não nos interessa perseguir esse fato", declarou. Para ele, porém, a principal pena deve recair sobre quem emitiu o documento, não para o usuário.

Segundo o ABC, um órgão de controle interno do país chamado Enjuiciamento de Magistrados abriu uma investigação preliminar para apurar a conduta de promotores do caso.

A reportagem procurou os representantes do Ministério Público à frente da apuração para comentar, mas eles não responderam aos questionamentos até a publicação deste texto.

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