Baterista e poliglota, Petr Cech também é multifuncional no Chelsea

Boa forma e baixas por Covid-19 fizeram ex-goleiro e diretor ser inscrito na Champions

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Rory Smith
Londres | The New York Times

Petr Cech não costuma ver televisão. Ele admite facilmente que desligar o cérebro não é fácil, em seu caso.

Cech diz que sempre preferiu ocupar cada minuto de seu dia não só com o trabalho e a família, mas com uma litania de passatempos que poderiam intimidar uma pessoa menos esforçada. Ficar sentado no sofá, para ele, significa desperdiçar tempo.

Neste ano, no entanto, Cech e sua mulher, Martina, começaram a acompanhar o seriado “The Crown”. Mas ainda que esteja interessado, ele não é o tipo de espectador que se deixe carregar pelo luxuoso melodrama da Netflix.

Cada episódio –ele está mais ou menos na metade da segunda temporada– o leva a buscar informações para preencher as lacunas em seu conhecimento e para verificar a autenticidade histórica, bastante contestada, da série.

“É evidente que a série não é completamente acurada”, ele disse. “Mas ainda assim há coisas muito interessantes. Quando você começa a fazer buscas no Google sobre aquelas partes da história britânica, percebe que há muitas coisas que não sabe."

Essa postura mais ou menos resume quem é Cech. Para ele, a oportunidade de assistir a uma ou duas horas de TV em seus raros momentos de folga não é uma chance de relaxar, mas uma oportunidade de aprendizado.

Que Cech tenha tempo para mergulhar em sua busca de informações sobre a crise de Suez –ou qualquer outra coisa– é notável. Se considerarmos todas as coisas que ele faz, é difícil não imaginar que se sinta agrilhoado por o dia ter apenas 24 horas.

Cech está estudando para completar seu MBA. Toca bateria, e é bom a ponto de, no ano passado, ter lançado um single para caridade no qual toca com Roger Taylor, do Queen.

Ele é fluente em cinco idiomas –seu tcheco natal, inglês, alemão, espanhol e francês—, mas fala sete. Admite, como se estivesse confessando uma grande falha, que não escreve bem em italiano ou português. E recentemente começou a correr, de modo que em certas manhãs ele completa um percurso rápido de 10 quilômetros.

Tudo isso, ele afirma, significa que sua “administração do tempo precisa ser correta”. Porque essas são todas atividades extracurriculares, afinal. Ele também tem um emprego sobre o qual precisa pensar. Na verdade, tem dois.

Cech se aposentou como jogador em 2019 –depois de uma carreira vitoriosa que o levou ao Rennes, Chelsea e, em seus anos finais, Arsenal. Foi ele que tomou a decisão de parar, antes que o clube a tomasse em seu lugar. Em poucos meses, Cech percebeu que “minha mente começou a se desanuviar, e percebi que tinha uma nova motivação, uma nova felicidade”.

Ele voltou a frequentar a academia de musculação, satisfeito por o seu corpo –agora livre de “uma grande bola disparada a 100 km/h” em sua direção centenas de vezes por dia– estar se recuperando das dores e desgastes que sofreu. Até onde ele sabia, sua carreira como jogador estava encerrada. E não lhe faltavam propostas de emprego. A mais interessante delas era uma posição como diretor técnico do Chelsea.

Ele estava exercendo o cargo há cerca de um ano quando a pandemia chegou. De repente, Cech se viu arrastado de volta à vida que acreditava ter deixado para trás.

“Tivemos sorte por ter sido possível concluir a temporada”, ele disse. “Mas ninguém sabia quantos jogadores contrairiam o vírus, e estávamos diante de um elenco limitado e de restrições de contratação. Normalmente, se um jogador se lesiona, o clube recorre a alguém das categorias de base, mas, porque tínhamos de viver em bolhas, isso deixou de ser possível."

“E chegou um momento em que faltava um goleiro no elenco, e a solução era ou que eu voltasse ou que o treinador de goleiros ocupasse a posição. Eu estava em forma, e por isso aceitei”, disse Cech.

A ideia foi concebida apenas como precaução, como uma cobertura em caso de emergência, mas Cech continuava bom o suficiente para ser uma opção viável. Por isso, ele esteve inscrito por algum tempo no elenco do Chelsea para a Champions League da atual temporada.

Petr Cech em aquecimento antes de jogo do Chelsea em 2015
Petr Cech em aquecimento antes de jogo do Chelsea em 2015 - Dylan Martinez - 24.mai.15/Reuters

O seu foco primário, porém, o eixo em torno do qual todos os seus demais interesses precisam se acomodar, é a sua nova função executiva.

Pelos padrões do futebol da Inglaterra, Cech é uma raridade. Em certas porções da Europa continental, especialmente na Alemanha, não é incomum que jogadores de destaque optem por não seguir a carreira de treinadores e em lugar disso assumam posições executivas em grandes clubes logo que se aposentam: Marc Overmars e Edwin van der Sar no Ajax; Leonardo no Paris Saint-Germain; e praticamente todos os ocupantes dos postos executivos no Bayern de Munique.

Cech estudou para obter licença como treinador enquanto ainda estava jogando –nos períodos em que ele servia à seleção da República Tcheca, “sempre sobrava algum tempo”, ele disse–, mas lhe ocorreu que treinadores vivem de maneira essencialmente igual à de um jogador. “Você tem de dedicar tempo a treinos, viagens, partidas, hotéis. A rotina é a mesma."

Já uma função executiva em um clube, em contraste, “me permite continuar próximo do esporte, mas organizar as coisas de maneira diferente”. O desafio era que o esporte futebol e o negócio futebol são entidades distintas: a vida de um dos lados da cerca não prepara alguém integralmente para uma vida do outro lado. E assim, Cech estava essencialmente “começando do zero”.

De alguma forma, as coisas que ele viu desde então foram uma revelação. Cech selecionou seus agentes aos 17 anos de idade, e eles o representam até hoje. Sempre fez questão de saber não só exatamente o que eles faziam, mas como o faziam. E agora ele está em posição para perceber que nem todos os jogadores são tão atenciosos e nem todos os agentes são tão transparentes.

“Muitos jogadores deixam as coisas a cargo de seus agentes e seguem em frente”, ele disse. “Vistas deste lado, existem partes do futebol que são muito surpreendentes, e de uma maneira negativa."

Apesar de todas essas surpresas, os resultados iniciais do trabalho de Cech em suas novas funções parecem indicar que ele está bem preparado para o cargo. A carreira dele como jogador na verdade não se provou completamente irrelevante. Em sua época de jogador, ele sempre fez parte de diversos comitês de ligação que expressavam as opiniões do time aos representantes do clube. E continua a acreditar que sente instintivamente como os jogadores reagirão a determinadas sugestões.

Mas também existe algo de mais amplo que facilitou bastante a transição de Cech. A posição de diretor técnico varia de clube a clube, e de país a país. No caso do Chelsea, Cech está lá para combinar as diversas vertentes da visão esportiva do clube e para coordenar o contato entre a equipe principal, as categorias de base e o departamento de recrutamento. O lado de negócios é conduzido por Marina Granovskaia, diretora do Chelsea e, para todos os efeitos, principal executiva do clube.

Em outras palavras, o posto é algo que requer uma pessoa acostumada a buscar o equilíbrio entre muitas demandas, necessidades e prioridades diferentes. Uma pessoa acostumada a pensar em quatro dimensões e a garantir que seus múltiplos e diversos compromissos possam todos ser mantidos. Uma pessoa como Cech, que, nas palavras dele, “não gosta de perder tempo”.

Tradução de Paulo Migliacci

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