Descrição de chapéu CBF

Del Nero estica corda de Rogério Caboclo e mostra quem dá as cartas na CBF

Atual presidente recorre a antigo aliado para conter crise na entidade e perde força

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São Paulo

Como Marco Polo Del Nero, banido do futebol desde 2018, está impossibilitado de frequentar o prédio da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, o atual presidente da entidade, Rogério Caboclo, teve de ir ao encontro do ex-mandatário. Não por livre e espontânea vontade, mas para pedir ajuda na resolução de uma crise.

Marco Polo Del Nero durante o anúncio dos convocados da seleção brasileira para eliminatórias para a  Copa de 2018
Marco Polo Del Nero durante o anúncio dos convocados da seleção brasileira para as eliminatórias para a Copa de 2018 - Sergio Moraes-22.out.15/Reuters

O pedido de auxílio mostra que a principal força na entidade que comanda o futebol brasileiro ainda é Del Nero.

Caboclo está pressionado no cargo desde o afastamento de uma funcionária da CBF, há cerca de um mês. Ela alegou problemas de saúde para se licenciar.

Segundo dirigentes da confederação ouvidos pela Folha, a cerimonialista teria procurado Del Nero, de quem é próxima, com provas de desvio de conduta de seu chefe.

A funcionária começou a trabalhar na CBF em 2012 e ascendeu profissionalmente durante o mandato de Del Nero.

Cartolas afirmaram que ela estaria disposta a denunciar Caboclo, mas que teria sido aconselhada pelo ex-responsável pelo futebol brasileiro a não fazer isso. Desde a semana passada, ela não responde às tentativas de contato da reportagem. A história foi publicada inicialmente pela ESPN e pelo GE.

Eleito em abril de 2018, com o apoio de Del Nero, Caboclo tentava nos últimos tempos se dissociar da figura de seu padrinho político, tido como quem dá as cartas no futebol brasileiro desde o início da década passada, quando ainda era o vice-presidente de José Maria Marin.

A intenção do antigo mandatário sempre foi que seu sucessor fosse uma espécie de fantoche. Del Nero costuma realizar rodadas de carteado em sua casa e os eventos sociais são frequentados por boa parte da diretoria da CBF. É onde o banido cartola dá conselhos e sugere os rumos da confederação.

Caboclo costumava frequentar essas rodas de baralho, mas depois se afastou.

A tentativa de independência dele no comando da confederação era como um obstáculo aos interesses de Del Nero, que via sua força e influência política ameaçadas.

Com a iminência de um escândalo, porém, Caboclo teve de buscar uma reaproximação com Del Nero para abafar a crise. Cartolas ouvidos pela reportagem reconhecem que, mesmo antes do caso da funcionária vir à tona, já existia uma disputa pelo poder na CBF entre eles.

Essa briga interna ganhou novos contornos com o afastamento da cerimonialista. O antigo mandatário da entidade saiu fortalecido por ter impedido, até o momento, a explosão do caso. Com isso, os curtos voos solos de Caboclo chegaram ao fim, segundo interlocutores.

O fato de os pivôs da crise terem procurado o antigo mandatário mostra a influência que ele ainda exerce dentro da instituição. A articulação do dirigente banido estica a corda de Caboclo e joga uma pá de cal nas pretensões do dirigente de seguir no comando após o término de seu atual mandato, em 2023.

Del Nero já tem, inclusive, um substituto para Caboclo. Castellar Modesto Guimarães Neto, atual vice-presidente da Federação Mineira de Futebol (FMF), de quem é bem próximo, a ponto de hospedá-lo em sua casa na Barra da Tijuca.

Antes mesmo dessa crise, Caboclo já não era bem visto por diversos dirigentes do futebol, seja por aqueles que comandam os clubes ou as federações estaduais. O novo episódio não supreendeu os cartolas ouvidos pela Folha, sob condição de anonimato.

À reportagem, ele foi descrito como "despreparado" para conduzir reuniões e resolver problemas, especialmente os relacionados à pandemia de Covid-19, que afetam o calendário brasileiro.

Encontro virtual no dia 24 de setembro de 2020, que tinha como objetivo discutir a volta do público aos estádios, ficou marcado por um intenso bate-boca entre Caboclo e o presidente da Ferj (Federação de Futebol do Rio de Janeiro), Rubens Lopes.

O Flamengo e a federação do estado fluminense defendiam o retorno dos torcedores nos jogos do Campeonato Brasileiro antes da liberação para todos os estádios. No momento havia divergências entre gestores públicos quanto à flexibilização, que acabou não acontecendo.

Durante a gritaria, Caboclo disse que o presidente da Ferj se comportava de maneira subserviente a um clube, no caso o Flamengo. Lopes, então, perguntou se Caboclo teria se esquecido de tomar o Gardenal, remédio indicado para pacientes com epilepsia, mas usado de forma pejorativa na discussão para insinuar um desequilíbrio do presidente da CBF.

Em nova reunião por videoconferência, em março deste ano, Caboclo ameaçou dirigentes para que se posicionassem contra a paralisação do futebol no momento em que a pandemia de Covid-19 estava em um dos pontos mais críticos.

Na ocasião, o mandatário usou a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e alguns estaduais, e os patrocinadores como munição para pressionar as agremiações, que teriam as receitas congeladas se suspensão do futebol perdurasse. Um vídeo com esse trecho acabou vazado por um integrante do encontro.

Presidentes de clubes ouvidos pela Folha apontam insatisfações com a gestão da entidade, principalmente pela falta apoio financeiro em meio à pandemia. Os clubes sofrem sem as importantes fontes de receitas do matchday, além da perda de patrocínios.

As agremiações também colecionam derrotas no Congresso, como a MP do Mandante, que caducou, e o projeto de lei que suspendia as cobranças do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro) durante o estado de calamidade. Existe um consenso de que a CBF perdeu a sua força de outrora em Brasília.​

A trajetória de Caboclo na CBF parece ter um final certo. Resta saber se será ao término de seu mandato ou nas próximas semanas, com a possível revelação de sua suposta conduta inadequeda, que não veio à tona até o momento. Enquanto nada disso acontece, Del Nero vai recuperando terreno.​

Procurada, a CBF não respondeu até o momento ao pedido da reportagem sobre o afastamento da cerimonialista e a relação entre o atual presidente da CBF e seu antigo aliado. Marco Polo Del Nero também não retornou às mensagens enviadas e não atendeu às ligações.

O mesmo aconteceu com Castellar Modesto Guimarães Neto.

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