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Ao flertar com tragédia e glória, Dinamarca mostra seu DNA imponderável no futebol

Fenômeno cult do esporte nos anos 1980 busca nova façanha na Eurocopa

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São Paulo

Em pouco mais de uma semana, a Dinamarca viveu extremos em sua jornada na Eurocopa. Foi do drama ao êxtase. Agora pode fazer história outra vez.

Em 12 de junho, durante a estreia da seleção contra a Finlândia, o meia Christian Eriksen sofreu parada cardíaca em campo e teve de ser ressucitado pela equipe médica. Na última segunda (21), o time fez 4 a 1 na Rússia e conseguiu o que parecia ser uma improvável classificação para as oitavas de final.

Mikkel Damsgaard salta ao celebrar gol da Dinamarca sobre a Rússia, na Eurocopa
Mikkel Damsgaard salta ao celebrar gol da Dinamarca sobre a Rússia, na Eurocopa - Wolfgand Rattay/Reuters

A quase tragédia e reviravolta fizeram a Dinamarca se transformar na preferida do torcedor neutro na competição europeia. O que não é novidade.

"Nós ousamos sonhar grande, mas sabemos que há equipes maiores com melhores chances de vencer. É futebol, e em 90 minutos tudo pode acontecer", diz o técnico Kasper Hjulmand.

Neste sábado (26), às 13 horas (de Brasília), o rival será o País de Gales, em Amsterdã, com transmissão do SporTV. É uma campanha que pode reviver os anos em que a Dinamarca era a seleção mais cult do planeta.

"Cada jogo na Copa do Mundo do México era como se fosse carnaval", afirma o jornalista Mike Gibbons, um dos autores do livro Danish Dynamite: The Story of the Football Greatest Cult Team (Dinamite Dinamarquesa: A História do Maior Time Cult da História, em inglês), sobre aquela equipe dos anos 1980.

Na primeira vez em que se classificaram para o torneio europeu, em 1984, chegaram à semifinal. Seus jogadores não foram as únicas atrações. A Eurocopa nunca tinham visto torcedores como aqueles, dispostos a festejar por 24 horas, sem arrumar brigas e a trocarem souvenirs com gente de outras nações.

Dois anos mais tarde, no Mundial de 1986, enquanto algumas seleções se encastelaram em concentrações, a Dinamarca passou o torneio em hotel na Cidade do México que era aberto a torcedores, imprensa e cidadãos locais.

"Eles se tornaram tão populares que no dia em que foram embora, após a eliminação, os funcionários do hotel choraram", lembra o jornalista do país Lars Eriksen, outro autor da obra.

A imagem de alegria não a Dinamarca ser detestada nem pelo maior rival. Quando foi a improvável campeã europeia de 1992, em Gotemburgo, seus torcedores festejaram com os suecos, anfitriões do torneio.

"Fomos azarões a campanha inteira. Nem deveríamos estar lá e jogamos a semifinal contra a Holanda e a final contra a Alemanha. Sempre tivemos a torcida de quem não era holandês ou alemão", constatou o atacante Brian Laudrup após a maior zebra da história da Eurocopa.

O país não havia se classificado para o torneio. Pouco mais de uma semana antes da abertura, foi convidado a participar na vaga da Iugoslávia, suspensa por causa da guerra nos Balcãs. A maioria dos jogadores estava de férias e teve de voltar às pressas.

Tratou-se apenas de mais um imponderável de quem se se habituou a não ser comum no futebol.

Até 1971, o esporte na Dinamarca era amador, apesar de ter uma das federações fundadoras da Fifa. Isso significava que se o atleta fosse para um clube do exterior e passasse a viver financeiramente do futebol, não seria mais convocado. O profissionalismo fez a qualidade local crescer. O meia Allan Simonsen ganhou a Bola de Ouro de melhor jogador da temporada em 1977.

A condição de time cult apareceu com a chegada do alemão Sepp Piontek, em 1979. Ele mesmo um técnico difícil de se achar. Aceitou o convite do ditador Jean-Claude Baby Doc Duvalier para dirigir a seleção do Haiti em 1976 e tinha de visitá-lo regularmente para falar sobre táticas. Claro que a experiência não deu certo. Em parte também, ele afirma, porque os jogadores se trancavam nos quartos nas noites anteriores aos jogos para beber e praticar sessões de vodu.

Piontek os viu ficarem em estado alucinógeno tão grande que passavam dias como zumbis. A gota d'água para ele foi quando reclamou da qualidade da comida na concentração e o cozinheiro sacou uma metralhadora.

Ele era o nome certo para transformar a seleção da Dinamarca. Era preciso saber administrar um elenco tão talentoso quanto improvável. Michael Laudrup foi para a Copa de 1986 como o menino prodígio do time. Para o volante Xavi, do Barcelona, o dinamarquês é o maior jogador da história.

Seu companheiro de ataque era Elkjaer-Larsen, campeão italiano com a Hellas Verona em 1985. Artilheiro e colunista de revista pornográfica em seu país, o jogador instituiu um bordel de Copenhagen como concentração informal da equipe.

"Para muitos de nós, não era informal, não. Era a oficial mesmo", se recorda o líbero Morten Olsen.

Foi essa a equipe que conquistou torcedores neutros na Eurocopa de 1984, na França, e no Mundial de 1986, no México, iniciou a trajetória improvável da Dinamarca em torneios internacionais. O time que naquele mundial foi capaz de fazer 6 a 1 no Uruguai e ser eliminado após perder por 5 a 1 para a Espanha.

A Dinamarca há muito tempo produz gente peculiar no futebol. Como Niels Bohr, nome amador de clubes locais que ficou tão frustrado por não conseguir chegar à seleção que abandonou a carreira e prometeu fazer algo para ficar marcado na história.

Ele ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1922. Depois trabalhou no Projeto Manhattan, que inventou a bomba atômica, fundou a CERN, entidade que criaria a internet e tem um elemento da tabela periódica batizado em sua homenagem.

"Nós gostamos de contrariar o que é lógico. E também gostamos de sonhar alto", define o atacante Mikkel Damsgaard, autor do primeiro gol na goleada sobre a Rússia que classificou o time para enfrentar o País de Gales neste sábado.

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