Descrição de chapéu Tóquio 2020

Saiba quem é Kelvin Hoefler, medalha de prata no skate, a 1ª do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio

Skatista do Guarujá fugiu da água gelada no surfe e viu talento aflorar sobre as rodinhas

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São Paulo

Até o começo da adolescência, Kelvin Hoefler alternava no Guarujá (litoral de São Paulo) entre sessões de surfe pela manhã e skate à tarde. Ele não demorou, porém, para definir sua preferência.

“Comecei no mar, mas odiava água gelada. Já não aguentava mais, e achava mais ‘daora’ andar de skate. No surfe também tinham uns caras meio chatos, e no skate todo mundo era amigo pra caramba”, ele contou à Folha em entrevista antes de viajar para Tóquio e conquistar a medalha de prata, a primeira do Brasil nos Jogos Olímpicos.

Aos 28 anos, Kelvin é um dos principais representantes da modalidade street no Brasil. Hoje não há dúvidas de que a escolha feita anos atrás foi certeira, mas até que isso ficasse visível, o skatista precisou ralar para construir sua trajetória.

Ela começou aos 9 anos, quando o pai, Eneas de Souza, policial, e a mãe, Roberta Hoefler, dona de casa, deram um skate de presente para o garoto e montaram uma pequena rampa na garagem, já que a cidade não tinha locais adequados para a prática.

"Ele dormia com aquele skate. No dia seguinte, era skate pela minha cozinha, pela sala, pelo quintal. Era muita alegria, nunca vi ele tão feliz quanto no dia que ganhou esse skate", disse Roberta em entrevista à série “Aspire – Inspire”, produzida pela empresa Monster Energy, uma das patrocinadoras de Kelvin.

Em 2010, o brasileiro desembarcou nos Estados Unidos como atleta amador e foi hospedado por um amigo que morava em Atlanta. “Ele falou que o esquema era ir para a Califórnia, e eu nem sabia que porra era Califórnia, mas se ele falou, tudo bem. O cara tinha um carro e era mais novo que eu, que andava de bicicleta no Guarujá, não tinha recurso”, relembra.

Na busca por virar profissional, Kelvin começou a correr uma série de eventos para fazer o pé de meia e se arriscou em campeonatos na Europa.

Foi um sucesso, não apenas do ponto de vista esportivo. Numa das viagens, ele conheceu a fotógrafa especializada no esporte Ana Paula Negrão, que morava na tal Califórnia. Não teve dúvidas: pediu abrigo a ela durante uma competição e assim alugou um espaço numa generosa cozinha que dividiu com outros três hóspedes internacionais.

As coisas caminhavam bem em 2011, mas durante nova incursão europeia Kelvin sofreu uma séria lesão no joelho e precisou retornar ao Brasil. Ana foi visitá-lo durante a recuperação, e eles iniciaram um relacionamento —hoje são casados.

Em 2012 e 2013, o skatista competiu no circuito brasileiro e também viajava para eventos no exterior. A competição que mudou tudo ocorreu em 2014, na África do Sul, para onde ele não estava muito disposto a ir naquele momento. Convencido por Ana, decidiu arriscar e venceu, faturando na época um inimaginável prêmio de US$ 100 mil.

“Liguei para aquele amigo na mesma hora dizendo que eu estava me mudando para a Califórnia”, relata o skatista, que passou a morar perto de San Diego. No ano seguinte, ele entrou para a Street League, principal circuito mundial do skate de rua, e virou um de seus nomes mais proeminentes. Também ganhou edições dos tradicionais X Games.

Com a entrada da Olimpíada no mapa do skate competitivo, o experiente Kelvin se preparou para um desafio inédito na carreira. Quarto colocado do ranking da World Skate, que definiu as vagas nos Jogos, estava atrás de dois japoneses (Yuto Horigome, medalhista de ouro, e Sora Shirai) e do astro americano Nyjah Huston.

O Brasil contou com mais dois representantes no street masculino em Tóquio: Felipe Gustavo, 30, contemporâneo de Kelvin nos torneios, e Giovanni Vianna, revelação da modalidade aos 20 anos.

Se no começo a realidade de Kelvin era a rampa improvisada na garagem dos pais, agora ele tem uma pista mais completa no quintal da sua casa, o que permitiu que continuasse a praticar mesmo quando a pandemia da Covid-19 paralisou o esporte mundial.

Durante o isolamento, o atleta recorreu ainda mais aos games, outro universo que habita, com transmissões de live streaming, para estar próximo dos amigos.

Ele afirma ser tão caseiro que recentemente se assustou quando foi ao mercado e viu que a maioria das pessoas já circulava sem máscara, realidade permitida pelo estágio avançado da vacinação nos EUA. Mesmo imunizado, Kelvin preferiu permanecer com a sua. Não havia motivos para se arriscar quando as Olimpíadas batiam à porta.

Longe de estar insatisfeito com a vida que o esporte lhe proporcionou, o brasileiro aponta que seus principais adversários treinam em locais fechados, enquanto ele precisa lidar com as oscilações climáticas em sua pista a céu aberto.

O calor e o vento, de fato, estiveram presentes na disputa. O street masculino foi a primeira categoria em Tóquio, neste domingo (25).

Kelvin se preocupava, por exemplo, com o derretimento da vela que os atletas passam nos corrimões para ajudar a deslizar. Sem esse recurso, aumenta a possiblidade de o skate travar durante a manobra e o skatista se machucar.

Antes da viagem, o brasileiro teve dificuldade para dormir, apreensivo com o tamanho do shape que escolheria para o Japão. Precisava dar quanto antes uma resposta para a fábrica produzir as cerca de dez unidades que costuma levar aos eventos —optou pelo modelo menor. Quando chega aos locais de competição, ele mesmo gosta de montar seu instrumento de trabalho ouvindo música, numa espécie de ritual.

Kelvin é tido como um atleta frio, sereno, capaz de executar manobras de alto nível técnico sob pressão. Ele também se vê assim e avisou que, mesmo não sendo o grande favorito da sua categoria, era melhor que não descartem suas chances.

“Sou aquele cara bem pacato, não chego com os dois pés no peito, por respeito aos adversários também. Venho praticando degrau por degrau. Nos últimos eventos fui tranquilinho, querendo conquistar a vaga. E agora chegou o momento de querer estar no topo. Sempre fui assim. Chego de mansinho e, na hora que eles vacilam, eu vou lá e ganho.”

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