Rebeca é prata e conquista 1ª medalha do Brasil na ginástica feminina em Olimpíadas

Após três cirurgias no joelho, brasileira brilha no individual-geral, que teve ausência de Biles

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Tóquio

O talento de Rebeca Andrade enfim foi recompensado com um lugar entre os maiores nomes da ginástica artística. Dona de técnica inquestionável, mas continuamente atormentada por problemas físicos, a atleta de 22 anos enxergou nas Olimpíadas de Tóquio a oportunidade de brilhar.

Brilhou e conquistou a medalha de prata na prova individual geral, disputada nesta quinta-feira (29).

Trata-se do primeiro pódio da ginástica feminina do Brasil, após quatro medalhas no masculino, com Arthur Zanetti (duas vezes), Diego Hypólito e Arthur Nory nas duas últimas edições dos Jogos Olímpicos.

Após a cerimônia de premiação, Rebeca, que ficou atrás da americana Sunisa Lee e à frente da russa Angelina Melnikova, disse estar “feliz demais” e dedicou a conquista a todas as gerações de ginastas brasileiras. O individual geral define quem é a atleta mais completa da modalidade. Na prova, as ginastas se apresentam nos quatro aparelhos (solo, salto, trave e barras assimétricas) e têm as notas somadas.

A ginasta Rebeca Andrade mostra sua medalha de prata conquistada nos Jogos de Tóquio-2020
A ginasta Rebeca Andrade mostra sua medalha de prata conquistada nos Jogos de Tóquio-2020 - Jonne Roriz/COB

O ouro passou perto da brasileira. Rebeca perdeu a liderança na prova da trave. Na última etapa, o solo, sua especialidade, pisou fora do tablado duas vezes, perdeu pontos e não conseguiu virar a disputa com Lee —a diferença final ficou em 0.135. A brasileira ainda tem mais duas chances de medalha em provas individuais: salto, no domingo (1º), e solo, na segunda-feira (2).

Ao som do funk “Baile de Favela”, a performance de Rebeca foi acompanhada por palmas dos presentes nas arquibancadas –em sua maioria jornalistas e membros de delegações, já que a venda de ingressos foi vetada devido à pandemia. A brasileira encantou ao se apresentar no solo desde a classificatória.

Além das palmas, também foi aplaudida, inclusive por Simone Biles, a lenda da ginástica americana que desistiu de competir na final desta quinta alegando questões de saúde mental.

Rebeca também enfrentou problemas. Devido à origem humilde da família, desde muito pequena teve dificuldades para treinar. Aos cinco anos de idade, foi levada por uma tia para um teste no ginásio Bonifácio Cardoso, em Guarulhos, e foi aceita para a escolinha de ginástica.

Apesar de chamar a atenção dos treinadores, a mãe da ginasta, Rosa Rodrigues dos Santos, não entendia como a filha poderia seguir a carreira de atleta. Para que a Rebeca frequentasse os treinos, dava o dinheiro da condução ao filho mais velho, Emerson, que a levava até o local das práticas.

Quando as pernas já não aguentavam mais as caminhadas até o trabalho, Rosa falou para a filha que não poderia mais pagar o custo dos deslocamentos. As ausências frequentes de Rebeca foram notadas.

"O pessoal de lá disse: 'Essa menina veio para brilhar. Ela é uma atleta de ponta e não pode faltar no treino'. Aí eles se mobilizaram. Levavam para o ginásio, depois para a escola e traziam para casa", lembrou a mãe em entrevista à Folha em 2015. A tranquilidade para frequentar diariamente os treinos só chegou quando Rebeca, na época com 8 anos, foi levada pela técnica Keli Kitaura, que a acompanhava desde o início, para o Cegin (Centro de Excelência de Ginástica), em Curitiba (PR).

O Brasil nunca teve uma ginasta tão técnica e versátil quanto Rebeca. Até agora, os maiores momentos da ginástica nacional haviam sido de especialistas, como Zanetti, nas argolas, e Daiane dos Santos, no solo.

Entre as melhores do mundo no salto e no solo, a paulista de Guarulhos tem como principais características os movimentos limpos e a concentração. Nos últimos meses, na avaliação de pessoas próximas, reforçou o último ingrediente que lhe faltava para brigar pelo pódio: a confiança.

Como Rebeca não competiu no Mundial de 2019, fazia tempo que não era possível comparar o seu nível com o de outras ginastas da elite mundial. Na classificatória em Tóquio, a brasileira deixou claro que estava na briga por medalha. Conseguiu vaga para as finais do salto e do solo entre as primeiras colocadas e passou com a segunda melhor somatória para o individual geral. A primeira? Biles, grande nome das Olimpíadas de Tóquio e favorita a praticamente tudo o que tentasse no Japão.

As cartas se embaralharam quando a americana anunciou que não disputaria o individual geral, após também ter abandonado a competição por equipes. A decisão tomou proporções enormes. Referência em performance, Biles também é muito admirada no meio da ginástica por liderar a defesa da integridade das atletas em meio a denúncias de assédio sexual e moral de treinadores, médicos e dirigentes.

Sua ausência na grande prova individual do programa olímpico inevitavelmente aumentou as chances de todas as postulantes a uma medalha. Cabia a Rebeca repetir a boa execução da classificatória. Um desempenho quase inimaginável para quem precisou passar por três cirurgias de reconstituição do ligamento cruzado anterior do joelho direito e não tem alternativa a não ser continuar a forçá-lo.

A última operação foi antes do Mundial de 2019, que pôs em dúvida sua participação nos Jogos de Tóquio, quando eles ainda ocorreriam em 2020. O adiamento provocado pela pandemia de Covid-19 se mostrou benéfico para a atleta recuperar o ritmo de treinos e a confiança. Seu técnico, Francisco Porath Neto, o Xico, viu uma atleta mais forte a cada pancada causada pelas lesões. Na terceira, porém, reconhece ter ficado sem argumentos para que a paulista seguisse em busca do sonho da medalha.

“Eu caí, falei ‘não aguento mais’, não sei o que fazer para que ela volte a treinar. Se ela dissesse para mim que queria parar, eu não teria mais argumentos. Mas foi o contrário, eu tinha sumido, e ela me ligou: ‘Oi, Xico, todo mundo está falando que você está mal, mas não vou parar, não, pode me esperar no ginásio, vamos agendar a cirurgia’”, contou o técnico à Folha antes das competições em Tóquio.

“Aquilo foi um divisor de águas. Vi que essa menina realmente amadureceu, ela quer e merece.”

Ele estava certo. Diferentemente da Rio-2016, quando passou com a quarta nota e terminou em 11º, Rebeca se manteve entre as melhores e agora pode comemorar a entrada para a história da ginástica.

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