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Índia enfrenta dificuldades para conquistar ouro olímpico em meio a investimento tardio

Estado e empresas privadas entram no jogo para tentar colocar país em melhor posição nas Olimpíadas

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Tóquio | The New York Times

Na quarta-feira (4), em um estádio de sumô onde as mulheres normalmente não têm permissão para entrar no ringue, Lovlina Borgohain bateu por todas as garotas que estavam lá. Ela esmurrou por seu distante estado natal de Assam, conhecido por seu fino chá, mas também por uma rebelião armada.

Mas acima de tudo ela lutou na semifinal de boxe feminino peso meio-médio pela Índia, o segundo país mais populoso do mundo, que, até pelos cálculos mais caridosos, está deficitário nas Olimpíadas. Exceto por uma série de vitórias no hóquei masculino, décadas atrás, a Índia só ganhou mais um ouro em sua história olímpica, em tiro em 2008.

A indianA Lovlina Borgohain (à dir.) durante semifinal feminina (64-69 kg) no boxe contra a turca Busenaz Surmeneli - Buda Mendes/AFP

"Eu tinha 100% certeza de que voltaria para casa com o ouro", disse Borgohain, que passou oito anos longe de casa para treinar, enquanto seu pai trabalhava na colheita de chá.

Sua adversária em Tóquio, Busenaz Surmeneli, da Turquia, pode ser uma cabeça mais baixa, mas seu trabalho de pé era leve e seus socos, poderosos. Borgohain ficou arrasada, seu corpo esguio absorvendo golpe após golpe, e suas esperanças de servir como modelo medalha-de-ouro para milhões de meninas indianas foram cortadas.

"Que mensagem posso passar para elas?", disse a atleta. "Acabo de perder minha luta."

Borgohain ainda tem um bronze garantido, a terceira medalha da Índia nestes jogos, depois de uma prata em levantamento de peso feminino e um bronze em badminton feminino.

Mas a cada quatro anos –neste caso cinco–, as mesmas perguntas são feitas na Índia. Por que o país é tão ruim nas Olimpíadas? E isso importa?

O primeiro-ministro Narendra Modi, ansioso para realçar o perfil global da Índia, decidiu que sim. Depois do desempenho do país abaixo do padrão nos jogos de 2016 no Rio de Janeiro –uma prata e um bronze–, o governo começou a canalizar dinheiro para uma burocracia esportiva que estava subfinanciada há décadas e manchada por corrupção. Empresas privadas entraram no jogo, treinando atletas de elite cuja trajetória ascendente elas poderiam controlar. E o dinheiro do Estado também começou a pingar para o esporte de base.

"Agora o governo está tentando firmemente mudar o sistema esportivo", disse Vijay Sharma, treinador de levantamento de peso que trabalhou com a medalhista de prata em Tóquio, Mirabai Chanu, durante sete anos. "Mas elas precisam fazer muito. É uma longa jornada que têm de percorrer."

Abhinav Bindra, único medalhista de ouro olímpico em uma competição individual, disse que o ambiente esportivo hoje é diferente de quando ele ganhou a competição de tiro ao prato a 10 metros em Pequim.

Abhinav Bindra foi o porta-bandeira da Índia durante a cerimônia de abertura nas Olimpíadas do Rio em 2016 - Stoyan Nenov - 5.ago.16/Reuters

Quando competia nas nacionais de tiro quando jovem, havia 200 inscritos, disse Bindra. Hoje a competição atrai 20 mil, mais 20 mil que não passaram nas eliminatórias. Oito membros da equipe de tiro indiana em Tóquio, comentou ele, foram número 1 ou 2 do mundo em suas categorias.

"Poderia ser o início de uma nova era no esporte indiano", disse Bindra.

Até agora, porém, Tóquio foi o mesmo campo de decepção para a Índia. Ravi Dahiya, competindo em luta olímpica estilo livre, garantiu pelo menos a prata depois de vencer a semifinal na quarta (4), e um atirador de dardo ainda está na competição também.

O time de hóquei feminino avançou para as semifinais pela primeira vez, mas depois de perder na quarta-feira deve agora lutar pelo bronze, assim como seus colegas homens. Os arqueiros perderam sua marca. Um lançador de disco ficou em sexto. E lançadores muito elogiados falharam em seguir os passos de Bindra. Nenhum chegou perto de uma medalha.

Nem todo mundo na Índia está convencido de que o país precisa medir seu valor nacional por medalhas olímpicas. Eles dizem que a Índia já é uma locomotiva esportiva, mas não em eventos que estão nas Olimpíadas.

Para os atletas olímpicos indianos, porém, o peso das expectativas do país tem sido esmagador, especialmente depois que a competição ficou paralisada durante meses por causa da pandemia do coronavírus. Uma atiradora indiana de 19 anos, que estava cotada para uma medalha na pistola de ar, admitiu que a pressão da vitória a distraiu em um esporte em que a concentração é tudo.

No arco, Atanu Das tinha escrito a palavra "calma" em sua mão para competir na eliminatória no fim de semana. Perdeu. Na véspera, sua mulher e também arqueira, Deepika Kumari, não passou das quartas de final, apesar de ser a número 1 do mundo.

"Talvez nós levemos as Olimpíadas a sério demais, o contingente indiano", disse Das. "Esquecemos de desfrutar nossos tiros ou nossa técnica."

Os arqueiros da Índia costumavam treinar na obscuridade. O novo ímpeto olímpico lhes trouxe uma fama súbita, juntamente com meses de treinos livres em um campo de esportes do exército. A atenção foi avassaladora, segundo os atletas.

"Quando nós ganhamos a Copa do Mundo, ninguém sabe. Quando nós ganhamos o campeonato mundial, ninguém sabe. Quando ganhamos o nº 1 do mundo, ninguém sabe", disse Das. "Mas os indianos estão nas Olimpíadas, então todo mundo sabe tudo. Isso é pressão, dentro da sua cabeça o tempo todo", acrescentou ele.

Bindra, o medalhista de ouro em Pequim 2008, disse que seu sucesso não se originou no apoio do estado, mas na riqueza de sua família. Seu pai construiu uma raia de tiro de classe mundial em sua casa na cidade de Chandigarh, no norte. Então ele a completou com uma piscina e academia para seu filho formar músculos. Na época, a única raia de tiro comparável ficava em Nova Déli.

Viren Rasquinha, um ex-capitão da equipe de hóquei indiana, hoje é executivo-chefe da Olympic Gold Quest, grupo sem fins lucrativos fundado por ex-atletas de elite para promover a próxima geração de talentos.

Rasquinha disse que a autoridade nacional de esportes se livrou de sua reputação de corrupção, mas que criar um ecossistema de treinadores, instalações de treino, infraestrutura e equipamento leva tempo.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves  

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