Descrição de chapéu Tóquio 2020 paralimpíadas

Verônica Hipólito defende luta didática e divertida contra capacitismo

Sucesso como comentarista das Paralimpíadas faz velocista se apaixonar pela televisão

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São Paulo

Verônica Hipólito, 24, já tem até os seus bordões.

Medalhista de bronze e prata no atletismo nos Jogos do Rio-2016, a velocista de 25 anos vive um momento inédito. No início de 2021, enquanto brigava pela vaga nas Paralimpíadas de Tóquio, descobriu a volta de um tumor no cérebro.

“Admito que foi a única vez que passou pela minha cabeça parar. Será que vale a pena? Será que vou aguentar mais esse sofrimento?”, ela conta em entrevista à Folha.

A corredora, que compete na classe T38 (para quem tem algum tipo de paralisia do corpo), não conseguiu se classificar para os Jogos, mas recebeu o convite para participar do evento como comentarista nos canais SporTV, do Grupo Globo.

Verônica com uniforme azul do SporTV. Ela está fazendo gesto de "V" com as duas mãos
Verônica Hipólito comentou as Paralimpíadas de Tóquio no SporTV - @vehipolito no instagram

Desde então, ela se apaixonou pela televisão e viu seus comentários virarem sensação nas redes sociais, sobretudo com o Manual das Paralimpíadas, um guia para fugir de clichês e combater o capacitismo (preconceito em relação à pessoa com deficiência).

Pessoal especial, ela explica, é aquela para quem você paga uma pizza, não a pessoa com deficiência. "Inshalá, muito ouro" e "Solta o Pix", em referência a conquistas e prêmios dos atletas brasileiros, também se tornaram frases do seu repertório.

Múltipla, Verônica deseja voltar para as pistas, pede maior visibilidade ao paradesporto, busca patrocinadores para o Time Naurú [sua iniciativa de apoio a atletas paralímpicos] e quer novas oportunidades na TV. Mas sabe que nada será mais importante agora do que um novo procedimento para retirar o tumor cerebral.

“Acima de tudo, de tudo mesmo, quero estar viva e com saúde. O resto a gente vai dando um jeitinho."

O ciclo olímpico de Tóquio

Foi uma loucura, né? Em 2016, eu conquistei medalhas [prata e bronze] e vinha forte, na minha cabeça ia ganhar tudo pela frente. Volta o tumor em 2017, passo por uma cirurgia; 2018, outra cirurgia; em 2019 descobri que tinha duas doenças raríssimas. Tudo entre choros e aprendizados. E aí em 2020, que eu pensei ‘agora vai’, a gente não sabia mais o que ia acontecer com os Jogos [adiados em razão da pandemia].

Em 2021, bem no iniciozinho, eu comecei a ter resultados muito bons no atletismo, até sonhar novamente com um pódio. Fui fazer um exame de rotina e, quando chegaram os resultados, eu olhei e já sabia que o tumor tinha voltado e que pensar em Paralimpíadas para mim seria praticamente impossível. Admito que foi a única vez que passou pela minha cabeça parar. Será que vale a pena? Será que vou aguentar mais esse sofrimento?

O convite para comentar

Dali em diante eu treinei com amargor, de um jeito que eu nunca treinei na vida. Na convocação [para os Jogos], eu não fui chamada. Desabei com a minha mãe e meu pai.

Veio então o convite para ser comentarista. Minha treinadora naquele momento falou ‘vá e curta’. Quando recebi o convite, foi quando comecei a melhorar. Comecei a esperar por esse dia, passei a sonhar também com [os Jogos Paralímpicos de] Paris, não sei como isso aconteceu, mas me deu um ânimo absurdo.

Eu estudava as marcas e os competidores, de todas as modalidades —porque eu deixei bem claro que estaria pronta para comentar tudo. Quanto mais eu estudava, mais me sentia dentro da competição e queria treinar. Fazia tempo que eu não treinava tão feliz.

A experiência na TV

Eu entrei sem saber como ligar o microfone, eu não entendia o que era o ponto eletrônico. Estou falando e vou falar mil vezes: a gente tem que aplaudir o jornalista. Cara, é pique de treino de alto rendimento. Toda hora que eu ler um jornal, que eu ver TV, vou levantar e aplaudir. É muito legal a transformação que isso causa na gente, essa virada de mesa, entender como é o outro lado.

Agora estou tão à vontade que tiro o meu tênis, coloco o pé na mesa, brinco com todo mundo, conheço todos os funcionários, como minha bolacha. Fui entendendo que existe limite para tudo. Por exemplo, eu não vou soltar um palavrão no meio da transmissão. E o retorno tem sido muito legal. Quando aconteceu o casamento ao vivo [um guia pediu a atleta de Cabo Verde com quem corre em casamento] que eu saí gritando, quando eu soltei um "baralho" sem querer dias atrás, quando eu gritei comemorando as medalhas e vazou meu áudio. E, de certa forma e com limites, estamos humanizando a transmissão.

A voz da comentarista

Sou muito privilegiada. Eu lembro quando eu comemorava com os meus pais por conseguir sair no jornalzinho de Santo André e agora olha onde eu estou. É algo bizarro para mim. Eu tive até que contratar uma social media, mas faço questão de responder às mensagens.

Quando eu falo como atleta, só querem me ver correndo. Claramente isso muda o rumo da conversa. Como comentarista, eu consegui um espaço para falar de uma forma mais didática. E é muito bacana, deixa meu coração quentinho, eu gosto de explicar.

Eu vejo que o pessoal que não entende [sobre o debate capacitista] não faz por mal. Claro que a gente está no século 21 e a galera deveria entender, mas e se a gente tratasse essa luta de uma forma mais didática e divertida?

Por exemplo, uma menina escreveu no Twitter que “eles não são especiais, têm necessidades especiais”. Nossa, me deu uma raiva. Mas me acalmei e falei, sem xingar, didaticamente, para todo mundo aprender: “Olha, minha necessidade especial agora é comer uma bela de uma pizza! Qual é a sua?”. Ela entendeu e veio me perguntar no privado sobre tantas outras coisas. Dias depois, ela corrigiu outras pessoas.

Mas infelizmente tem o outro lado, gente falando que é "mimimi", me chamando de "rainha do mimimi". Estamos hoje em uma época que ao mesmo tempo que a gente fala de uma informação mais democrática, também falamos de fake news, aliás no próprio governo, né? Fazer o quê...

O que pode mudar depois de Tóquio

O primeiro ponto que a gente tem que reconhecer: a imprensa mudou. Antes, falava-se somente na deficiência dos atletas, da "superação", "olha que especial", "olha que bonito". Diferentemente do atleta olímpico, que era o "fenômeno, gigante, craque, rei, rainha".

Agora, espero que isso realmente mude, porque a gente achou que ia mudar em 2016, achou que ia mudar em 2012. Um dos pontos que eu coloco é que nas Olimpíadas tinha mais gente cobrindo e falando sobre. Cadê nas Paralimpíadas? Eu não sei. Acho que valeria um compromisso de todos para falar sobre os esportes com mais equidade. O Brasil nunca vai ser só o país do futebol masculino. Eu espero que mude e por isso que estou me colocando à disposição de todos e todas para ajudar.

Os próximos passos

Primeiro, a gente termina as Paralimpíadas. Acima de tudo, eu quero estar feliz e lutando pelo movimento paralímpico. Quero terminar a minha graduação em Economia, achar patrocinadores para o Time Naurú, também penso em voltar para a televisão —de verdade, esse meio conquistou o meu coração.

Mas eu também queria muito poder correr. Só que dependo da cirurgia, e eu fico um pouco emotiva, porque eu não sei se depois dessa cirurgia eu vou poder realmente voltar às pistas ou não. Eu espero que sim.

Vai ser um procedimento diferente, chama radiocirurgia por "gamma knife", então dá aquele friozinho na barriga. É para acabar para sempre com esses tumores. Não sei o que vai acontecer.

É muito bizarro o que aconteceu com a minha autoestima agora, eu estou conseguindo entender que eu sou uma corredora, mas que também posso ser muitas outras coisas.

Verônica estica a medalha pendurada no pescoço e sorri
Verônica Hipólito com a medalha de bronze conquistada nas Paralimpíadas do Rio-2016 - Daniel Zappe/MPIX/CPB

Eu aprendi depois de tantas cirurgias e visitas ao hospital que preciso passar por etapas e não criar uma super expectativa. Porque isso me fazia mal, eu ia para a cirurgia pensando na medalha, só que antes vou passar pelo degrau da cirurgia, da recuperação, da fisioterapia, do choro, do aprendizado… Então, diferentemente de todas as outras minhas idas ao hospital, dessa vez eu vou um dia de cada vez.

Primeiro: tiramos o tumor? Estou viva? Com saúde? O segundo passo: posso voltar a treinar de uma forma saudável? Depois a gente vai traçando o plano. Claro, Paris-2024 é o degrau final desse ciclo. Eu não vou parar, amo as pistas. Só não tenho controle de tudo neste mundo. Acima de tudo, de tudo mesmo, quero estar viva e com saúde. O resto a gente vai dando um jeitinho.

Verônica Hipólito, 25

Nascida em São Bernardo do Campo (SP), a velocista surgiu com destaque no esporte paralímpico no Mundial de 2013, com duas medalhas. Depois viriam mais quatro nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto-2015. Em 2016, ganhou uma prata e um bronze nos Jogos Paralímpicos do Rio-2016. No Parapan de Lima-2019, conquistou outras três medalhas. Ela faz faculdade de Economia e comentou as Paralimpíadas de Tóquio no SporTV.

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