Corpo e memória de Maradona ainda hipnotizam Argentina 1 ano após sua morte

Fãs mantêm obsessão pelo ídolo, e família segue em briga com advogado

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São Paulo

Menos de um mês antes de morrer, Diego Armando Maradona disse a seu advogado, Matías Morla, que desejava ser embalsamado. O corpo do ídolo argentino, segundo a versão de seu representante, deveria ser exposto para visitação pública.

O desejo, ignorado pela família, foi registrado em cartório.

Homenagem a Maradona no telão de La Bombonera, estádio do Boca Juniors
Homenagem a Maradona no telão de La Bombonera, estádio do Boca Juniors - Alejandro Pagni-29.nov.20/Reuters

Um ano após sua morte, Maradona continua com a capacidade de mobilizar o país. Por insuficiência cardíaca, ele morreu em 25 de novembro de 2020.

"Houve um grupo de barras bravas do Gimnasia que planejou invadir [a funerária] e extrair-lhe o coração. Isso não chegou a acontecer porque foi um ato de ousadia enorme. Foi detectado que isso ia acontecer, então se extraiu o coração também para estudá-lo porque seu coração foi muito importante para determinar a causa do falecimento. Evidentemente, a informação é que ele está enterrado sem coração", disse o médico e jornalista Nelson Castro em programa de TV.

Em outra proporção, é como se a Argentina revivesse a obsessão pelo cadáver de Eva Perón. Em sua biografia sobre a primeira-dama, Alicia Dujovne Ortiz narra a saga do corpo de Evita, sequestrado, violentado e enterrado apenas 20 anos após sua morte.

O "roubo" do coração de Maradona não foi o único sobressalto. Havia a preocupação de que torcedores organizados do mesmo Gimnasia e do Boca Juniors pudessem afanar o corpo do ídolo antes do velório para levá-lo aos campos das duas equipes.

No cortejo até a Casa Rosada, sede do governo argentino em Buenos Aires, onde foi velado, o caixão passou pelo estádio Diego Armando Maradona, do Argentinos Juniors, sua primeira equipe profissional e clube preferido do presidente da República, Alberto Fernández.

O ídolo está enterrado em Bella Vista, em um cemitério particular a cerca de 45 km da capital. É onde também estão os restos mortais de seus pais, Diego e Tota.

A imagem do camisa 10 campeão mundial de 1986 ainda está presente em todas as rodadas do campeonato nacional. A maioria dos 30 times da primeira divisão tem murais com o rosto do craque em seus estádios. Seus antigos colegas de seleção aparecem quase todas as semanas na imprensa e o citam. Há os que são figuras constantes na TV, como o zagueiro Oscar Ruggeri e o goleiro Sergio Goycochea.

O cruzamento das ruas Segurola e Habana, em Villa Devoto, bairro de classe alta da capital, foi rebatizado neste mês como esquina Diego Maradona. Ele viveu no local e ainda era dono de um apartamento no endereço quando morreu.

"Ele era um menino maravilhoso, um doce de pessoa. Mas eu falo apenas sobre Diego. Não sobre Maradona. Eu sempre digo uma coisa: com Diego, compartilharia toda minha vida. Mas Maradona era impossível de ser suportado por tudo o que gerava ao redor dele", opina Fernando Signorini, preparador físico particular do atacante durante anos e depois integrante da comissão técnica da Argentina nas Copas de 1986, 1990 e 2010.

É uma variação de outra definição que ele mesmo cunhou sobre o camisa 10 e que se tornou uma das mais famosas: a de que com Diego iria até o fim do mundo, mas com Maradona não daria um passo.
Signorini lançou no mês passado o livro "Diego, Desde Adentro", em parceria com o jornalista argentino Luciano Wernicke. É uma das várias obras escritas sobre o atacante desde a sua morte.

Há um mês, de 29 de outubro a 1º de novembro, todos os jogos de diferentes divisões do futebol local realizaram homenagens a Maradona, que completaria 61 anos em 23 de outubro. Uma delas foi feita pelo Boca Juniors, que entregou uma placa para sua filha Dalma.

Ela é a figura mais visível da disputa judicial com Matías Morla. O advogado registrou para a Sattvica S.A, uma empresa registrada em seu nome, 147 marcas relacionadas a Maradona. As filhas Dalma e Giannina e a ex-esposa de Diego, Claudia Villafañe, alegam que o pedido foi irregular. Elas venceram em primeira instância, mas em agosto deste ano a Justiça devolveu os direitos a Morla. O caso está em andamento.

A disputa se tornou uma briga interna na família Maradona. Morla arregimentou para o seu lado as irmãs de Diego.

Dalma acusa o advogado de ter feito acordo com o médico Leopoldo Luque para que fosse dado laudo determinando uma internação domiciliar de Maradona quando as filhas queriam sua internação em uma clínica para tratar o alcoolismo.

Luque, médico pessoal do jogador, é um dos indiciados por homicídio culposo, pelo fato de as regras da internação domiciliar não terem sido respeitadas naquele novembro de 2020. Maradona foi levado para uma mansão nas cercanias de Buenos Aires em que, entre outras coisas, não tinha acompanhamento médico 24 horas por dia.

Parte dos bens deixados pelo ídolo ainda estão em dois contêineres, guardados em armazém da capital à espera de uma determinação judicial. O mesmo para os imóveis que estavam em seu nome e aplicações financeiras. Não está claro o paradeiro do anel avaliado em 300 mil euros (R$ 1,9 milhão pela cotação atual) que ele adorava usar em jogos como técnico do Gimnasia y Esgrima La Plata.

A joia foi presente que ganhou nos tempos em que foi presidente (mas sem exercer o cargo) do Dínamo de Brest, de Belarus, de 2018 a 2019. Durante a rápida passagem pelo país, ele também ganhou um tanque anfíbio. Deixou-o para trás ao voltar para a Argentina. Fez o mesmo com os dois Rolls-Royce que usava no Fujairah, dos Emirados Árabes. Ele descobriu que importá-los para Buenos Aires seria mais caro do que o valor dos veículos.

Não que sua história tenha permanecido imaculada nos 12 meses que se passaram desde sua morte. A cubana Mavys Álvarez Rego afirma ter tido um relacionamento com Maradona e que teria sido estuprada por ele.

Na época, ela tinha 16 anos e morava em Havana, onde o argentino fazia tratamento contra as drogas no início dos anos 2000. Ou deveria fazê-lo, já que Mavys afirma que o ex-jogador lhe oferecia cocaína.

"Uma vez, minha mãe bateu na porta do quarto, mas Diego não a deixou entrar. Na sequência, ele colocou a mão na minha boca e me estuprou", acusou.

Maradona morreu também enquanto enfrentava seis processos de reconhecimento de paternidade. Quatro deles de adolescentes cubanos.

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