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O corredor mais talentoso de sua geração toma o caminho inesperado e volta para casa

Quarenta e quatro anos atrás, Henry Rono estabeleceu vários recordes mundiais na pista

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Jonathan W. Rosen
Kiptaragon, Quênia | The New York Times

Em uma tarde de maio, enquanto uma chuva fria batia no telhado da casa rural de seu irmão, Henry Rono bebeu um gole de chá e refletiu sobre o que chamou de sua maior conquista.

Para a maioria dos fãs de corrida –especialmente aqueles que atingiram a maioridade na década de 1970, os anos de grande crescimento do esporte–, sua marca registrada parece óbvia. Contido pelo boicote dos quenianos aos Jogos Olímpicos de 1976 e 1980, Rono nunca experimentou a glória olímpica. Mas sua temporada de 1978 foi uma das mais marcantes na história do atletismo.

Ao longo de 81 dias, como um estudante de 26 anos na Universidade Estadual de Washington, ele estabeleceu recordes mundiais em quatro eventos: 3.000 metros, 5.000 metros, 10.000 metros e 3.000 metros com barreiras. Foi um feito que ninguém realizou antes ou depois.

Raramente um corredor com resistência para abrir novos caminhos ao longo de 25 voltas tem a velocidade para fazê-lo em 7 voltas e meia com barreiras. No entanto, para Rono, décadas depois, sua importância mal tem registro. Em vez disso, ele se orgulha de uma fase posterior na vida, quando se matriculou em uma faculdade comunitária e finalmente conseguiu o que há muito o atraía: o domínio da língua inglesa.

"Correr para mim era uma segunda natureza", disse ele. "A educação era minha fraqueza."

Rono em 2008 recebeu um prêmio da Associação Internacional de Federações de Atletismo
Rono em 2008 recebeu um prêmio da Associação Internacional de Federações de Atletismo - Stephane Danna - 18.jul.22/AFP

A atitude de Rono em relação a seus recordes desafia as convenções, e isso é de seu caráter: em quase meio século desde que ele deixou Kiptaragon, um conjunto de sítios nas colinas Nandi, na região de grande altitude do Vale do Rift, no Quênia, sua vida se desenrolou como uma aventura notável, embora em grande parte acidental, no estilo "Forrest Gump" –que o levou do auge do atletismo às profundezas do vício e a quase todos os cantos dos Estados Unidos.

Hoje, depois de mais de três décadas longe, ele voltou ao Quênia, finalmente sóbrio, entre os abacateiros e as flores de buganvílias de sua juventude. Rono não está assentado: ele voltou esperando um emprego de treinador de atletas em ascensão, mas as autoridades locais lhe disseram que não havia verbas.

Ele está em grande parte afastado de sua mulher e dos dois filhos, que moram nas propriedades que comprou no auge da carreira de corredor. Ainda assim, aos 70, é muito mais que o herói caído que passou a representar no mundo da corrida de elite.

"Henry é uma figura tão mais complexa e cativante do que normalmente é retratado", disse Tomas Radcliffe, professor de inglês no Central New Mexico Community College, que editou as memórias autopublicadas de Rono. "Seus objetivos e motivações são puros. Essa talvez seja a coisa mais excepcional nele."

Os primeiros anos de Rono foram marcados pela tragédia. Um acidente de bicicleta o deixou incapaz de andar até os 6 anos. A morte de seu pai em um acidente de trator naquela época obrigou a família a lutar: Rono entrou e saiu da escola durante anos enquanto sua mãe juntava os trocados. Ele foi atraído para a corrida quando completou a sétima série, aos 19, inspirado por Kipchoge Keino, que veio de uma aldeia próxima. A vitória de Keino nos 1.500 metros nas Olimpíadas de 1968 deu início a uma era de domínio queniano na corrida, da qual Rono faria parte.

Seu talento floresceu quando foi recrutado pelo exército, onde suas funções consistiam principalmente em treinamento. A grande chance de Rono veio antes das Olimpíadas de Montreal, em 1976. Ele foi nomeado para a equipe queniana e esperava-se que fosse uma grande ameaça nos 5.000 metros e nas corridas com obstáculos. Mas o governo do Quênia anunciou um boicote na última hora, juntando-se à maioria dos países africanos em protesto contra a inclusão da Nova Zelândia, cuja equipe nacional de rúgbi estava em turnê pela África do Sul do apartheid.

"Achei que esse homem voltaria para casa com duas medalhas de ouro", disse Keino, que treinava a equipe queniana no Canadá antes do anúncio do boicote.

Houve consolo: depois que uma decisão judicial de 1973 arruinou uma regra da NCAA (Associação Atlética Universitária Nacional) que estabelecia limites para atletas estrangeiros considerados "acima da idade", os treinadores universitários americanos estavam recrutando cada vez mais africanos, principalmente para corridas. Dois meses depois de perder os Jogos de Montreal, apesar de nunca ter feito o ensino médio, Rono se viu em Pullman, estado de Washington, onde um jovem técnico, John Chaplin, estava formando um talentoso grupo de corredores quenianos.

Enquanto Rono lutava para se adaptar à escola e à vida nos Estados Unidos, correr era sua maneira de "liberar a tensão". Em seu segundo ano de treinamento no Snake River Canyon, ele entrou em novo ritmo.

Rono não apenas quebrou quatro recordes mundiais: ele os destruiu com uma união discreta de pouca competição com uma dieta de cheeseburgers e cerveja. Seu passo não era o mais gracioso. Mas sua força de vontade e sua potência eram incomparáveis.

"Eu podia dizer a ele exatamente o que fazer, exatamente como fazer, e ele fazia", disse Chaplin.
Foi depois desse auge, na maioria dos relatos da vida de Rono, que o desenlace prolongado e trágico começou. Embora houvesse mais alguns momentos de glória, incluindo uma temporada em 1981 que começou com uma barriga de cerveja e terminou com mais um recorde mundial nos 5.000 metros, seu brilho desapareceu rapidamente.

Apesar de um diploma universitário e um contrato com a Nike, ele se refugiou em um casulo de lutas pessoais. Desanimado pelo atrito com as autoridades de atletismo em seu país, ele começou a beber com regularidade. Como muitas estrelas quenianas das gerações futuras, foi descuidado com o dinheiro: perdeu o controle de contas bancárias, teve dinheiro roubado em aviões e foi atraído para maus investimentos por vigaristas. Logo estava vagando pelos Estados Unidos, entrando e saindo dos quartos de hóspedes de amigos e da reabilitação de viciados em álcool. Foi manobrista de carros em Portland, no Oregon, tocou o sino do Exército da Salvação em Salt Lake City e empurrou pessoas em cadeiras de rodas no aeroporto de Albuquerque, no Novo México.

Houve períodos mais edificantes. Na década de 1990, depois de se estabelecer no Novo México, Rono passou algum tempo como professor de educação especial e treinador. Trabalhou com atletas universitários na Nação Navajo e aspirantes a elite em Albuquerque e foi convidado para uma temporada no Iêmen para desenvolver atletas de calibre nacional lá. Kris Houghton e Solomon Kandie, corredores baseados no Novo México que estabeleceram recordes pessoais sob sua orientação, o descreveram como um "grande sábio", com uma reverência pelas montanhas e profundo apreço pelos aspectos mentais do esporte. "Ele ama a pureza de alguém que busca melhorar a si mesmo", disse Houghton.

Foi nessa época, ainda sem confiança no inglês, sua terceira língua, que Rono voltou para a escola, eventualmente progredindo para aulas de poesia, gramática avançada e escrita criativa, antes de publicar seu livro de memórias em 2010, "Olympic Dream" [Sonho olímpico]. Apenas um dos 29 capítulos do livro detalha sua famosa temporada de 1978.

"Ele nunca falou sobre os recordes", disse Chaplin. "Ele não era alguém para sair por aí batendo no peito e dizendo 'como eu sou ótimo'."

Afinal, quando Rono envelheceu e o pagamento do aluguel ficou mais difícil, o Quênia começou a procurá-lo. Em 2019, pela primeira vez desde a presidência de Ronald Reagan, ele pisou em seu país natal, instalando-se na casa de seu irmão no mesmo terreno da cabana de palha onde haviam crescido. Nem tudo saiu como planejado: disputas com a família sobre suas propriedades, que incluíam uma fazenda e uma casa na capital Nairóbi o deixaram ressentido. Ele anseia por voltar a treinar. Além da igreja e das idas à sauna –ele sempre pregou as virtudes da transpiração–, Rono raramente sai.

Ainda assim, ao narrar suas histórias de antigas aventuras, ele também projeta uma sensação de contentamento –e apreço pelo que a corrida lhe deu, mesmo que seus recordes signifiquem menos para ele do que para os fãs do esporte.

A corrida abriu um caminho, disse Rono, para um mundo além da aldeia de Kiptaragon e para uma volta inesperada.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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