Pelé tinha só 15 anos, dez meses e 14 dias de vida quando, sentado no banco de reservas do extinto campo de terra do estádio Américo Guazzelli, na Vila Alzira, em Santo André, foi surpreendido ao ouvir os gritos do técnico Luís Alonso Pérez, o Lula.
"Gasolina, vem", berrou o treinador, chamando o então camisa 15 pelo primeiro apelido que ganhou logo na chegada ao Santos.
Franzino, ganhara naquele momento a chance de debutar como profissional ao entrar durante o segundo tempo do amistoso contra o Corinthians de Santo André, em 7 de setembro de 1956.
Logo no primeiro lance passou por dois defensores, um deles jogando a bola entre as pernas, e marcou o primeiro dos 1.283 gols na carreira. A Folha da Manhã registrou, na página 7 da área de Assuntos Gerais, a estreia do Rei.
A nota ressaltava que o Santos, naquele jogo, acabou usando os titulares para fazer um "exercício puxado, com vistas ao prélio de domingo, em Jaú". No final de semana, a formação alvinegra derrotaria o XV de Jaú por 3 a 1, pelo Campeonato Paulista.
Sem alarde, o jornal noticiou o gol de Pelé aos 25 minutos do segundo tempo, para um público de 39 mil pessoas. Em 2016, o Rei foi à sede da Folha em uma visita que marcava os 60 anos da primeira citação dele nas páginas da publicação.
A estreia também teve registro do jornal O Estado de São Paulo.
"Na etapa final, coube a Del Vecchio, Telé e Jair a marcação dos demais pontos, enquanto Vilmar assinalou o único ponto do Corinthians".
A menção da reportagem como "Telé", em tempos de comunicação consideravelmente limitada, ainda foi repetida nas escalações das equipes. Sem pompa ou glamour, o Rei do Futebol teve o nome confundido em sua estreia.
"O Pelé, nessa época, ainda estava morando na pensão da dona Georgina. Chegou, fez alguns jogos pelo juvenil [sub-17] e então começou a ser testado em treinamentos entre os profissionais. É curioso porque mesmo após o gol ele volta novamente aos amadores", conta o professor Guilherme Nascimento, historiador da Assophis (Associação dos Pesquisadores e Historiadores do Santos FC).
"Só no ano seguinte, em 25 de junho de 1957, é que assinaria o primeiro contrato profissional", completa.
Além da confusão feita pelo jornal, na mesma partida o mesário Nelson Cerchiari cometeu outra gafe. Assinalou o primeiro gol do Rei para Raimundinho. O jogador, assim como Pelé, havia entrado no segundo tempo.
O erro foi corrigido só 13 anos depois, a mão, pelo próprio Cerchiari –que havia guardado a súmula e ouvira uma entrevista de Pelé, anos depois, sobre o primeiro gol pelo Santos. O material foi posteriormente doado ao Museu de Santo André, segundo reportagem da ESPN de 2019.
Dias depois da estreia dos sonhos, com direito a um gol, Pelé voltaria à realidade: jogar pelo Campeonato Amador de Santos.
Segundo levantamento do Centro de Memória e Estatística do Santos FC, em 9 de setembro de 1956, participou marcando gol da goleada por 4 a 0 diante CA Lanus, em Ulrico Mursa. Três dias depois, jogou na vitória por 3 a 1 sobre o AP Praia, na Vila Belmiro –ambos não entram na contabilidade de jogos e gols como profissional.
O Santos ainda precisou rejeitar logo na sequência a primeira proposta para negociar Pelé. O jornal A Gazeta Esportiva publicou em 12 de setembro daquele ano que o clube havia dito não à proposta do Ferroviário (PR) para tê-lo por empréstimo.
"O veterano José Ferreira, que defendeu o Santos em 1935 e que agora é o técnico do clube curitibano, esteve nesta cidade tentando o seu empréstimo. Todavia, podemos afirmar que o campeão não pretende ceder Pelé", diz em um trecho.
A reportagem ainda afirma que uma das bases para a investida era o fato de Pelé ainda estar "preso aos estudos".
Mesmo já desejado por outra equipe e com um gol no único compromisso como profissional, o Rei do Futebol seguiu atuando como amador.
No dia 22 de setembro, ao lado do lendário ponta Dorval, participou da goleada por 7 a 1 diante do Comercial Santista FC, time de Cubatão. A partida foi amistosa, no bairro Vila Fabril. Pelé marcou quatro gols.
Nos registros contados pelo ex-presidente da Câmara do município, Romeu Magalhães, Pelé chegou a brincar antes do jogo correndo atrás de galinhas e pintinhos que estavam à beira do campo recém-inaugurado.
"O futuro Rei do Futebol, que ainda era chamado de Gasolina pelos colegas de equipe, jogava suas primeiras partidas pelo time santista e já dava mostras de que haveria de ser, num futuro não muito distante, um craque diferenciado", registrou o Santos em 2016 sobre o confronto.
Nem a repercussão levou Pelé a uma imediata ascensão aos profissionais naquele ano. Ele ainda jogaria mais oito partidas como amador –sete delas em 1956, uma em janeiro de 1957.
Em 15 de novembro de 1956, realizou um segundo e último jogo como profissional naquele ano, em um troféu amistoso contra o Jabaquara. O Santos venceu por 4 a 2, com um gol do Rei.
"O Coutinho, em termos de jovialidade, de precocidade, foi além do Pelé. E o Pelé, apesar de mais franzino, já era um atleta. Não há um motivo específico para terem segurado um pouco mais", explica Nascimento.
No ano seguinte, Pelé conquistaria a titularidade no Santos e já chegaria à seleção brasileira pela primeira vez, participando com gol da Copa Roca, tradicional torneio amistoso entre Brasil e Argentina, no Maracanã.
O país acabou derrotado por 2 a 1 para os rivais sul-americanos, com um gol de Pelé. Menos de um ano depois, ele conquistaria a primeira Copa do Mundo da carreira, na Suécia.
De acordo com levantamentos do próprio Santos, em 1957 foram 57 gols em 31 partidas disputadas
Pelé, confundido por Telé e Raimundinho na estreia, morreu Rei do Futebol nesta quinta-feira (29), por falência de múltiplos órgãos em decorrência da progressão de um câncer de cólon.
O velório está programado para acontecer no estádio Urbano Caldeira, a Vila Belmiro, em Santos, na segunda-feira (2), a partir das 10h, e será aberto ao público.
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