Descrição de chapéu Financial Times Futebol Internacional

Limitação em uniforme não esconde vício do futebol inglês em apostas

Apesar de restrição anunciada a patrocínios, indústria continua entrincheirada em todos os níveis do jogo

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Samuel Agini Oliver Barnes
Londres | Financial Times

Enquanto os clubes de futebol do Campeonato Inglês se preparam para eliminar as marcas de firmas de apostas da frente das camisas, ativistas alertam que os laços profundos do jogo inglês com a indústria de apostas permanecem arraigados.

Em resposta à pressão do governo e de ativistas do Reino Unido, a Premier League, o nível mais alto do futebol inglês, agiu para se distanciar da indústria pela primeira vez na semana passada.

A liga anunciou que encerraria o patrocínio de apostas na frente das camisas na temporada 2026/27, em movimento simbolicamente importante.

Cerca de 60 milhões de libras (R$ 377 milhões) em receitas anuais estão em jogo para os oito clubes afetados pela proibição, que agora enfrentam o desafio de substituir essa receita por outros acordos de patrocínio em meio a uma perspectiva econômica incerta.

Iwobi (à esq.), do Everton, e Palmieri, do West Ham, duelam na Premier League, a elite inglesa, exibindo a marca de sites de aposta em seus uniformes - Glyn Kirk - 21.jan.23/AFP

Mas a relutância das autoridades do futebol em responder aos apelos de defensores de apostas mais seguras para cortar totalmente os laços com os patrocinadores de apostas expõe o grau de dependência financeira do setor, principalmente nas ligas inferiores.

Um executivo sênior do futebol chamou a medida de "confusão política" que "não faz sentido lógico" porque o patrocínio de apostas continua nas mangas das camisas e nos painéis publicitários nas laterais do campo.

"O governo sentiu que tinha que fazer algo para manter os falcões afastados."

Andrea Sartori, fundador da empresa de dados esportivos Football Benchmark, disse que a Premier League está tentando "pintar uma imagem de responsabilidade social porque as apostas excessivas são ruins para a sociedade, mas [...] eles não querem abrir mão da receita que vem dessa indústria".

O futebol oferece ao setor de apostas um caminho para convencer os jovens, os apostadores mais dedicados e com maior probabilidade de desenvolver dependência, a canalizar seu interesse pelo esporte por meio de apostas.

Nos meses entre março de 2022 e março de 2023, o futebol foi classificado como o esporte com maior atividade de apostas no Reino Unido, gerando 1,1 bilhão de libras (R$ 6,9 bilhões) em receita bruta de jogos para as operadoras, segundo a Gambling Commission, o órgão vigilante do setor.

A base global de torcedores da Premier League atraiu empresas estrangeiras, como as operadoras de jogos offshore filipinas Dafabet e Fun88, que patrocinam os times Bournemouth e Newcastle, respectivamente, com o objetivo de atingir o público internacional, bem como o torcedor doméstico do Reino Unido.

É um vínculo que remonta a 2002, uma década após o lançamento da Premier League, quando o Fulham se tornou o primeiro clube de futebol inglês a assinar um contrato de patrocínio com a plataforma de apostas Betfair.

Um estudo da Universidade de Stirling de 2020, que analisou cinco grandes partidas de futebol, incluindo jogos da Premier League, descobriu que um patrocinador de apostas era citado a cada 21 segundos durante uma transmissão de TV típica.

Apesar da proibição do patrocínio na frente da camisa, a indústria do jogo continua arraigada no futebol inglês em todos os níveis. Não há como adotar a proibição voluntária da Premier League nas ligas inferiores, várias das quais são patrocinadas pela Sky Bet, que agora pertence ao Flutter, o maior grupo de apostas do mundo.

Os clubes da Liga Inglesa de Futebol (LIF), que administra as três divisões abaixo da primeira, dependem mais do dinheiro do patrocínio de apostas, pois sua receita de direitos de mídia é menor que a dos clubes da Premier League. Mesmo alguns dos clubes da primeira divisão com pior desempenho podem ganhar mais de 100 milhões de libras (R$ 628 milhões) por ano com direitos de TV.

Jogo entre Coventry City e Preston North End, da segunda divisão inglesa, com as marcas da Sky Bet em azul, ao lado das traves - Andrew Couldridge - 31.ago.22/Reuters

A LIF é patrocinada pela Sky Bet desde 2013, com meia dúzia de equipes no Sky Bet Championship (a segunda divisão do Campeonato Inglês, abaixo apenas da Premier League) carregando marcas de apostas na frente da camisa. A LIF e seus clubes obtêm cerca de 40 milhões de libras (R$ 251 milhões) de receita por ano com acordos de apostas.

Peter Shilton, ex-goleiro da Inglaterra que fez campanha contra o patrocínio de apostas em esportes depois de superar o vício do jogo, disse que gostaria de ver a LIF optar por não renovar seu contrato com a Sky Bet quando ele expirar, no final da próxima temporada.

"O futebol é um grande jogo e é um jogo familiar, mas está saturado pelas empresas de apostas", disse ele. "É hora de contê-las como foi com os anúncios de cigarro na Fórmula 1."

A LIF se recusou a comentar sobre o acordo com a Sky Bet. A organização defendeu que os operadores de apostas deveriam fazer uma contribuição financeira aos clubes por causa do lucro significativo que eles geram com as competições.

Em sua carreira de futebol de 15 anos, o meio-campista David Wheeler, do Wycombe Wanderers, nunca jogou uma partida em que a bola ou seu uniforme não fossem adornados com o logotipo de uma empresa de apostas.

Patrocinadores de apostas "estão por toda parte", disse Wheeler. Uma vez implementada a mudança, "eles estarão em quase todos os lugares, mas não nas camisas de alguns clubes". "Eu tenho uma medalha de melhor em campo que diz ‘Sky Bet’. Isso atrapalha um pouco", acrescentou. O proprietário da Sky Bet, Flutter, recusou-se a comentar.

"No final das contas, não há uma fila de outros setores dispostos a pagar o dinheiro da liga de futebol que vai chegar até o Accrington Stanley", disse um executivo do jogo, referindo-se a um pequeno clube de Lancashire da LIF. "Não existe uma empresa de 'latte’ de aveia que esteja pronta para entrar em cena."

A LIF já havia citado uma pesquisa encomendada que descobriu que não havia "nenhuma evidência" de que ver o patrocínio de apostas está associado ao aumento de apostas entre os fãs.

A repressão ao patrocínio de apostas na Premier League ocorre quando os grupos de criptoativos e ativos digitais avançam com novas parcerias com clubes de futebol.

Vaughan Lewis, diretor de estratégia do grupo de apostas 888, patrocinador do uniforme de treinamento do Cardiff City, do campeonato da LIF, disse que o envolvimento das criptomoedas no futebol é semelhante a "simples apostas não regulamentadas".

"O jogo recebe todas as críticas, mas a criptografia também é financeiramente arriscada", disse Alex Burmaster, cofundador da empresa de inteligência de patrocínio Caytoo.

"Você presumiria que as empresas de apostas tentarão aproveitar ao máximo enquanto podem", disse Burmaster. "Elas não continuariam gastando esse dinheiro se não funcionasse."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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