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Sem regra de 'fair play financeiro', Arábia Saudita turbina sua liga com bilhões

Messi escapou, mas apenas Ronaldo, Benzema e Kanté vão custar R$ 2,2 bi anuais em salários

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São Paulo

Roberto Rivellino já contou repetidas vezes sua estratégia. Depois de alguma partida em que havia feito gols ou atuado bem pelo Al Hilal, sempre um príncipe aparecia no vestiário. O meia brasileiro, campeão mundial em 1970, elogiava o relógio usado pelo integrante da família real, que o tirava do pulso imediatamente.

"É seu", dizia Sua Alteza.

Karim Benzema é apresentado como jogador do Al Ittihad, da Arábia Saudita
Karim Benzema é apresentado no Al Ittihad - Stringer - 8.jun.22/Reuters

Ao fazer o gol do título da Copa do Rei pelo mesmo clube, o atacante brasileiro Carlos Eduardo ganhou presente do presidente do clube, o xeque Nawaf bin Saad: um iPhone de ouro com o nome do jogador gravado.

Durante décadas, o futebol da Arábia Saudita, com mais atletas amadores do que profissionais, resumiu-se a histórias assim. Chamava a atenção por recompensas individuais que dependiam da boa vontade de uma autoridade. A liga nacional não era conhecida pela estrutura.

"[Os sauditas] não eram jogadores profissionais. Eles ganhavam presentes dos príncipes. Tinha jogador que de repente sumia", disse Rivellino à Folha em 2019.

Sem as regras do "fair play financeiro", que restringem os gastos dos grandes europeus, a liga saudita passa por uma transformação econômica não vista no futebol desde que a China resolveu turbinar seu torneio local, no início da década passada.

Apenas nos salários de Cristiano Ronaldo, Karim Benzema e N’Golo Kanté, dois clubes do país (Al Nassr e Al Ittihad) vão gastar 420 milhões de euros (cerca de R$ 2,2 bilhões) por ano. Outros nomes conhecidos, como Robert Lewandowski e Ilkay Gündogan, também são alvo de interesse.

Cristiano Ronaldo aplaude torcedores do Al Nassr após partida contra o Al Shabab
Cristiano Ronaldo aplaude torcedores do Al Nassr após partida contra o Al Shabab - Ahmed Yosri-23.mai.23/Reuters

O maior sonho de consumo escapou. Lionel Messi escolheu morar em Miami e jogar na MLS (Major League Soccer). Ele tinha oferta do Al Hilal para receber US$ 400 milhões por temporada (R$ 1,9 bilhão).

O acordo do argentino nos Estados Unidos tem cláusulas comerciais, como porcentagem em venda de pacotes de TV pela Apple e camisas pela Adidas. Mas apenas de salário ele vai embolsar cerca de US$ 40 milhões por ano (R$ 191 milhões).

"Tudo isso é um sinal da disposição da Arábia Saudita em perturbar a ordem estabelecida do futebol, tradicionalmente controlada pela Europa. Enquanto esses investimentos no futebol e outros esportes são por razões econômicas e sociais, também mostram a habilidade e o desejo saudita de aumentar seu poder internacional", escreveu Hezha Barzani, diretor de desenvolvimento da Menaaction, ONG que cuida de assuntos relacionados a democracia e direitos humanos.

É uma visão de que o futebol é uma ferramenta de "sporstwashing", o uso do esporte como arma geopolítica. A Arábia Saudita já havia sido acusada disso quando empresa ligada à família real do país comprou o Newcastle United, da Inglaterra. O mesmo foi direcionado aos Emirados Árabes Unidos, donos do agora campeão europeu Manchester City, e ao Qatar, que realizou diversos eventos esportivos (entre eles, a Copa do Mundo) e controla o Paris Saint-Germain.

Os sauditas ensaiam o mesmo caminho. Estudam apresentar candidatura para sediar, ao lado de Egito e Grécia, a Copa do Mundo de 2030. Também pensam em tentar receber os Jogos Olímpicos de 2036.

O futebol da Arábia Saudita vai passar por processo de privatização, anunciou o governo. Mas, antes disso, os principais clubes foram estatizados.

O fundo soberano do país assumiu o controle dos quatro times mais populares: Al Nassr, Al Ittihad, Al Ahli e Al Hilal. A entidade de investimentos controlada pela família real vai usar a mesma estratégia empregada em outros setores da economia. O Estado vai comandar as agremiações para depois colocá-las à venda para empresas e agências de desenvolvimento.

Dinheiro não falta. O Public Investment Fund, nome oficial do fundo soberano sob a administração da monarquia, vale US$ 620 bilhões (R$ 3 trilhões). É o quinto maior do planeta.

O propósito da família real é aumentar a receita da liga profissional e levá-la a US$ 480 milhões (R$ 2,3 bilhões) em 2030. Atualmente, está em US$ 120 milhões (R$ 573 milhões). O valor de mercado do torneio, projetado, é de US$ 2,1 bilhões (R$ 10 bilhões).

"Se grandes jogadores chegarem, velhos, jovens, serão bem-vindos. Se isso acontecer, o campeonato vai melhorar", disse Cristiano Ronaldo.

À exceção daqueles com a participação dos clubes de maior torcida, como Al Hilal e Al Ittihad, os jogos não são vistos por grandes públicos. Não à toa, a capacidade dos estádios na primeira divisão varia de 6.000 a 62 mil espectadores.

Reforçar os elencos com estrangeiros nunca foi problema. Pelo regulamento da competição, cada time pode ter em campo até oito atletas não nascidos na Arábia Saudita.

O Al Ittihad, que conquistou o título na última rodada, superando o Al Nassr de Cristiano Ronaldo, tem a melhor média de público: 44 mil pessoas por partida.

O fato de que outros jogadores como Luka Modric (37 anos), Hugo Lloris (36) e Roberto Firmino (31) são cortejados por times do país pode reforçar o apelido dado no futebol europeu para o campeonato saudita, que passa a ter veteranos em busca de um excelente contrato no final de carreira: liga da aposentadoria.

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