O vôlei do Brasil e da URSS derrotou a chuva no Maracanã há 40 anos

Quase 100 mil pessoas foram ver amistoso entre as duas seleções em 1983

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São Paulo

Pouco importava que, naquela época, início dos anos 1980, a presença da seleção brasileira masculina de vôlei era garantia de ginásio lotado. A maior preocupação, apesar disso, era o público.

Os jogadores entravam em contato com todos familiares, amigos, conhecidos, e pediam: "Por favor, apareçam lá."

"Se a gente colocasse 15 mil pessoas no Ibirapuera, as arquibancadas ficavam abarrotadas. Mas 15 mil pessoas no Maracanã não eram nada", explica Renan Dal Zotto, ex-ponta e hoje técnico da equipe.

Brasil (de costas) e União Soviética iniciam o jogo no Maracanã ainda usando tênis, mas já com chuva; os jogadores depois atuariam só de meias
Brasil (de costas) e União Soviética iniciam o jogo no Maracanã ainda usando tênis, mas já com chuva; os jogadores depois atuariam só de meias - Sebastião Marinho - 26.jul.83/Ag. O Globo

As perguntas feitas no vestiário eram variações do mesmo tema.

"Quanto tem de público agora?"

Para entrar em quadra, cada um era chamado pelo nome no sistema de alto-falantes e no placar eletrônico. O barulho do anúncio chocou todos os atletas.

"Foi algo incrível", espanta-se até hoje Marcus Vinícius Freire, que à época era novato da seleção.

Há 40 anos, em 26 de julho de 1983, o Maracanã recebeu pela primeira vez uma partida de vôlei. Foram 95.887 pagantes, então recorde para evento de esportes olímpicos a céu aberto. Superou a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. O Brasil enfrentou a União Soviética, então campeã olímpica e mundial, em uma série de cinco amistosos.

O evento mais importante deveria ser o primeiro da série, naquele que era então conhecido como maior estádio do mundo. Tornou-se um desafio logístico, de persistência, uma luta contra o tempo. O tempo cronológico e o meteorológico.

Uma das imagens mais marcantes da história do esporte brasileiro é de brasileiros e soviéticos, que haviam protagonizado no ano anterior a final do Mundial, de joelhos, a enxugarem a quadra molhada pela chuva.

Adiada por três vezes, ameaçada por Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro), CND (Conselho Nacional dos Desportes) e pela chuva, a partida aconteceu na última data disponível. Se fosse inviável naquele 26, seria cancelada.

"O jogo só aconteceu por causa dos soviéticos. Eles foram muito parceiros do evento e tiveram muito boa vontade em fazer com que acontecesse", relembra José Francisco Coelho Leal, o Quico. Sócio do narrador Luciano do Valle (1947-2014) na realização da partida, ele era o responsável por toda a logística.

Uma delas foi desmontar toda a quadra de 800 metros quadrados colocada no centro do Maracanã, porque haveria rodada do Campeonato Carioca no final de semana seguinte. Assim que o último confronto do futebol foi encerrado, toda a estrutura foi remontada.

Uma das questões que estão no ar até hoje é a respeito de quem foi a ideia daquele amistoso. Em entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, em 2013, Luciano afirmou ser o pai da criança. Jogadores que participaram da partida dizem que a iniciativa havia sido do então presidente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e futuro mandatário do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Carlos Arthur Nuzman.

Reportagens da época sugerem que a primeira menção à possibilidade de jogar no Maracanã partiu do treinador da União Soviética, o polonês Viacheslav Platonov (1939-2005).

Quem mais acompanhou de perto toda a realização logística do evento afirma não se lembrar.

"Quem me falou sobre fazer o jogo foi realmente o Luciano. Mas a ideia pode ter sido do Nuzman. Ele fez muito para que saísse do papel", diz Quico.

A data inicial era 19 de julho. Caiu um dilúvio sobre o Rio de Janeiro. O jogo foi adiado para 24 horas mais tarde. A chuva não parou. Os jogadores não puderam fazer um treino de reconhecimento da quadra, coberta por um toldo impermeável. Os organizadores perceberam que seria impossível jogar antes de 23 e 24, quando ocorreria rodada do Campeonato Carioca de futebol. Ficou para 26 de julho.

"É a última chance", concedeu Nuzman.

Não foi o único problema. A Suderj começou a questionar o prejuízo que a quadra traria ao gramado do Maracanã e pediu uma inspeção. O CND publicou comunicado a reclamar que o amistoso atrapalharia as eliminatórias para o Mundial de Basquete feminino, marcadas para o Maracanãzinho. Nuzman desatou todos esses nós. No final da tarde de 25 de julho, ele assinou novo contrato de aluguel do estádio.

Luciano do Valle e Quico lutavam contra o Grupo Globo, que decidira ignorar na TV, no rádio e no jornal, a realização do jogo, que seria transmitido pela Record.

Na noite de 26 de julho, voltou a chover. O primeiro saque, marcado para às 21 horas, foi adiado por 30 minutos.

"Quando a gente percebeu que começou a chover forte, foi desesperador", lembra Quico.

"[A chuva] iniciou quando as duas seleções entraram em quadra. Enxugamos, tentamos jogar. Tentamos jogar sem tênis, só de meia. Mas não dava", afirma Renan Dal Zotto.

O medo de que o público fosse embora foi infundado. Mas precisava haver uma solução para que a quadra não ficasse escorregadia. A ideia salvadora veio dos soviéticos.

"A gente reparou que começaram a carregar carpetes", diz Marcus Vinicius Freire, que depois seria diretor executivo do COB.

Os visitantes tiveram a ideia de usar tapetes que estavam na passagem do vestiário para o campo e colocá-los na quadra porque absorveriam a água. Era uma solução precária, mas que possibilitou a continuação do jogo.

"A União Soviética tinha o [Aleksandr] Savin, o melhor jogador do mundo. Tinha o [Vyacheslav] Zaytsev… E todo o mundo ali, carregando carpete. Demorou muito tempo, e ninguém do público foi embora. O jogo prosseguiu, e o carpete levantava quando a gente pulava. Por isso eu tenho muita admiração pela seleção da União Soviética. Ali pouco importava quem ganharia. Todos queriam entregar um espetáculo para o público", diz Renan.

Ele afirma que ainda hoje desconhecidos conversam com ele e relembram a partida do Maracanã, sem sequer se lembrar do resultado.

"Ganhamos por 3 a 2, não foi?", fica indeciso Quico, quando questionado.

A seleção brasileira venceu por 3 sets a 1 (14/16, 16/14, 15/7 e 15/10).

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