Zé Roberto, aos 20 anos de seleção feminina, exibe fôlego para ir em frente

Tricampeão olímpico de vôlei diz estar esperançoso com atual geração de jogadoras e critica calendário

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São Paulo

José Roberto Guimarães está animado. Aos 68 de idade, o treinador tricampeão olímpico de vôlei pelo Brasil —uma vez com a seleção masculina (1992) e duas com a feminina (2008 e 2012)—deve disputar os próximos Jogos, em Paris, na França, e não descarta os seguintes. Completando 20 anos no comando das mulheres, ele afirma à Folha não pensar em aposentadoria.

Acompanhando a equipe nacional na disputa das Ligas das Nações, Zé Roberto, como é conhecido, só tem olhos para o classificatório olímpico. O torneio, programado para setembro, é o mais importante do ano.

O paulista de Quintana chegou à seleção feminina em 27 de julho de 2003. Aceitou espinhosa tarefa. O clima era ruim. Controversas decisões do comandante anterior, Marco Aurélio Motta, haviam afastado atletas históricas.

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José Roberto Guimarães, 68, durante partida da Liga das Nações deste ano - Divulgação/FIVB

Pouco após ter sido anunciado, Zé Roberto estreou com dois títulos: o sul-americano e o retorno de craques. Mesclando consagrada experiência e promissora juventude, a equipe ganhou corpo e trilhou vitorioso caminho. Além de alçada ao olimpo duas vezes, venceu dez edições do Grand Prix, predecessor da Liga das Nações. Só lhes faltou uma conquista: o Mundial.

O técnico multicampeão tenta agora repetir a fórmula do sucesso. O Brasil não é mais o bicho-papão de outrora, mas a ascensão de novatas e o retorno de veteranas, como a central bicampeã olímpica Thaísa Daher, 36, deixa esperançoso o sempre plácido homem.

Além da seleção, Zé Roberto vai chefiar o THY, da Turquia, na próxima temporada. Será sua terceira aventura na Europa. Na última, entre 2010 e 2012, foi campeão da Champions League e do mundo pelo também turco Fenerbahçe.

São quase 20 anos à frente da seleção feminina. O que, após tantos anos, ainda o move?

Acho que é a paixão e o amor pelo que faço, eu adoro o que eu faço. É um motivo de muita satisfação trabalhar, treinar, estar em uma quadra de voleibol. É o amor e a paixão pelo que escolhi fazer para a minha vida.

O José Roberto Guimarães de 2003 é muito diferente do atual?

Mudei muito. Em todos os sentidos. Hoje, escuto, converso e pondero mais, estou mais tranquilo em relação às dificuldades que a gente atravessa. Acho que a pressão faz parte da profissão. Vejo a pressão como um privilégio que faz parte da nossa vida.

A gente tem que saber separar as coisas e aprender sempre. Aprendo com cada jogadora e membro da comissão técnica. O grande desafio é sempre a construção de um time. E construir um time demanda tempo, paciência e resiliência.

Qual foi a partida mais memorável em todos esses anos?

Foram tantos jogos marcantes, tantas dificuldades que a gente atravessou. O jogo com a Rússia nas quartas de final de Londres é muito emblemático. É uma partida épica, que marcou uma virada numa grande dificuldade em que a gente estava. Saímos de uma situação extremamente adversa.

Cabe mais um ciclo olímpico ou este pode ser seu último no comando da seleção?

Não tenho pensado mais nisso. Deixo a vida me levar, pensando e planejando o que farei com o time e a seleção. Penso nos desafios e em tudo o que envolve estar numa seleção brasileira, e isso mexe muito comigo. Então, deixa as coisas acontecerem, vamos dar tempo ao tempo.

Na próxima temporada de clubes, você estará na Turquia. O que espera da experiência?

Estou indo para um dos maiores centros de voleibol da Europa como aprendizado e experiência. Estarei perto de algumas das melhores jogadoras do mundo, que vão ser nossas adversárias nos Jogos de Paris. Primeiro, a gente tem que se classificar, claro, mas tenho que planejar o futuro.

Outro fator é enfrentar alguns dos melhores treinadores do mundo. Essa vivência e essa experiência podem ser interessantes como aprendizado, como conhecimento, e é isso o que eu busco. É o que eu procuro.

O nível técnico do vôlei brasileiro é hoje muito inferior ao europeu?

No Brasil, hoje, falta investimento. Temos uma Superliga de qualidade, com boas jogadoras brasileiras e estrangeiras. Competimos com mercados muito grandes como Itália, Turquia, Japão e Rússia. A Superliga é e sempre será parâmetro de um bom campeonato. Se melhorarmos os investimentos e tivermos mais patrocínios, sem dúvida, a gente vai melhorar e evoluir.

Faltando três meses para o início do pré-olímpico, qual tem sido a maior dificuldade da equipe brasileira?

O grande problema deste ano está sendo o pouco tempo de preparação. De todos os ciclos que tivemos, este foi o com o menor tempo de treinamento. As jogadoras não tiveram tempo de descanso. Elas tiveram que jogar com apenas uma semana de treinamento. Isso é muito ruim. Espero que a Federação Internacional de Voleibol tenha aprendido que isso não pode acontecer.

Temos que preservar as nossas jogadoras, não só o Brasil mas o mundo inteiro. É necessário diminuir o número de competições para as jogadoras conseguirem descansar e realizar um período de treinamento adequado. Temos que preservar as jogadoras para elas terem carreiras longevas.

O desgaste pode propiciar lesões. Evitá-las será prioridade da comissão técnica neste período?

É algo que tira meu sono, e ficamos muito preocupados. A gente sabe do nível de exigência das competições, mas o calendário apertado não ajuda. Temos um cuidado maior, principalmente com o tempo de descanso. Alguns acidentes vão acontecer e são inevitáveis.

Esta é uma das gerações mais promissoras que você já teve em mãos?

Temos um time com margem para evolução, com jogadoras que precisam ter experiências internacionais, jogar contra as melhores seleções. Elas vão ganhar, vão perder, mas isso faz parte da construção de um time. É uma geração talentosa, com muitas virtudes, com uma margem de crescimento muito grande. É um grupo muito interessante para o futuro do voleibol brasileiro.

Sobre o futuro, a base do voleibol brasileiro tem acumulado maus resultados. Há um alerta ligado para o futuro do voleibol nacional?

Nossas seleções de base estão novamente disputando jogos amistosos contra as principais equipes do mundo. Esse intercâmbio é muito importante para a formação das novas gerações. Esses novos talentos precisam competir, disputar competições internacionais. Esse planejamento que a base está tendo ajudará a nos colocar entre os melhores do mundo.

São 20 anos de muitas jogadoras comandadas, mas uma passou por várias gerações: Thaísa. Como tem sido o retorno da bicampeã olímpica ao grupo após cinco anos?

Ela é uma jogadora muito importante e é um parâmetro principalmente para as mais novas. É um exemplo para a própria seleção nacional, pelo seu carisma e pela forma de que ela representa o Brasil, de como ela voltou para defender o seu país. Ela tem um sentimento diferente vestindo a camisa da seleção, e isso é muito importante. A Thaísa tem uma representatividade muito grande. Fiquei muito feliz com a volta dela, pelo que ela agrega e pela história que ela construiu com essa camisa.

José Roberto Guimarães se tornou unanimidade?

Não. Aprendi uma frase que falo muito: tem gente que vai te amar por aquilo que você é e tem gente que vai te odiar pelo mesmo motivo. Cometo erros e acertos, e isso faz parte de um contexto. Eu gostaria de deixar um legado na minha vida, legado de ter colaborado com a seleção do meu país, minha grande paixão, minha grande luta e a minha razão de viver, além da minha família.

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