Torneio de bowls faz cem anos no Brasil, mas quase ninguém sabe que esporte é esse

Existe no país cerca de uma centena praticantes da modalidade, que quer ser olímpica

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São Paulo

Tradição que passa de father para son desde pelo menos 1299, o bowls saiu da Inglaterra e chegou ao Brasil da mesma forma que o futebol, mas seria um eufemismo dizer que não alcançou igual popularidade.

Existem hoje no país cerca de cem –isso mesmo, cem— praticantes de bowls, divididos em dois clubes do Rio de Janeiro e um de São Paulo. Se o número já foi um pouco maior algumas décadas atrás, nem por isso se diga que o esporte corre risco de extinção.

Foto aérea de jogadores em gramado para o bowls
Jogadores do Spac (Clube Atlético São Paulo) e do Paissandu (do Rio) durante o centésimo Interstate de bowls, no campo do Spac - Eduardo Knapp/Folhapress

Ao contrário, essa espécie de bocha ou curling na grama segue firme e forte, de olho numa possível inclusão nas Olimpíadas de 2032 (Brisbane, na Austrália) e celebrando, quem diria, a centésima edição do Interstate, um torneio Rio-São Paulo da modalidade.

Não é pouca coisa. O Rio-São Paulo de futebol, por exemplo, teve 26 edições não consecutivas. Já o Campeonato Paulista de futebol soma 121 anos ininterruptos.

Em seus primórdios, o Paulistão terminou três vezes nas mãos do Spac (São Paulo Athletic Club, ou Clube Atlético São Paulo), graças à presença de Charles Miller –literalmente o dono da bola, pois ele levou o futebol e o rúgbi da Inglaterra para o Brasil.

Sala de troféus com busto de Charles Miller, com seu bigode característico
Museu do Spac tem homenagem a Charles Miller, responsável por levar o futebol para o Brasil - Eduardo Knapp/Folhapress

O Spac também é apontado como a primeira casa brasileira do bowls, e não por acaso. Conhecido como clube inglês, foi fundado em 1888 por funcionários britânicos da São Paulo Railway, a primeira ferrovia do estado.

Num enclave entre as ruas Augusta e Consolação, na região central, o Spac se tornou ponto de encontro dos súditos da rainha, que ali se reuniam para, presumivelmente, tomar chá e contar piadas que ninguém entendia (humor britânico, afinal).

Claro que também praticavam esportes. E, se além de futebol e rúgbi, a lista tinha críquete, squash e badminton, por que não incluir o bowls?

Não se sabe bem quando os bowlers deram as caras no Brasil nem quem levou os equipamentos originais, mas uma data é certa: foi em 1924 que ocorreu a primeira edição do Interstate Challenge Cup – President’s Cup.

No começo, o confronto se dava entre quatro clubes de origem inglesa. Os paulistas Spac e Santos Atlético Clube enfrentavam os fluminenses Rio Cricket Associação Atlética e PAC (Paissandu Atlético Clube).

Entre as poucas coisas que mudaram de lá para cá está o número de equipes. No centésimo aniversário do Interstate, apenas Spac e PAC preservam a tradição (atualmente, o Barra Bali, do RJ, também tem bowls).

Entre as que ficaram iguais está a internacionalização. No time feminino do Spac, por exemplo, a decana é Karime Ekram, 67. Nascida no Egito, ela se mudou para o Brasil nos anos 1980 e logo depois entrou para o bowls.

"Gosto muito do Brasil e gosto muito de bowls. Defendo que mais mulheres joguem. Até já dei aula de graça para o jogo não morrer", diz Karime.

Detentora de quase 30 troféus e com experiência em diversos países, ela ajudou seu clube a vencer o Interstate histórico por apenas 3 pontos de diferença no resultado agregado do confronto feminino.

A equipe masculina do Spac, após a etapa de São Paulo, nos dias 13, 14 e 15, levou a taça com mais facilidade, um saldo final de 100 pontos –contando jogos de ida e volta, característica do Interstate.

Os pontos no bowls são indicadores de precisão. A partida começa com o arremesso do jack, uma bolinha que lembra a branca da sinuca; o arremesso, por sua vez, lembra o do boliche.

Peter Gordon, do Spac, lança a bola do bowls, chamada de woods, observado por João Nogueira, do Paissandu, durante o centésimo Insterstate, realizado de 13 a 15/10 no Spac
Peter Gordon, do Spac, lança a bola do bowls, chamada de woods, observado por João Nogueira, do Paissandu, durante o centésimo Insterstate - Eduardo Knapp/Folhapress

Depois disso, os jogadores –singles, duplas, tercetos ou quartetos— se revezam arremessando (sempre como no boliche) outra bola em direção ao jack. Cada um tem de duas a quatro bolas, que hoje costumam ser de resina, mas levam o apelido de woods (madeira).

A pontuação só ocorre depois que todas tiverem sido lançadas: cada bola que está mais perto do jack do que qualquer uma do oponente conta um ponto. Em geral, os jogadores fazem 18 vezes essa sequência, chamada de end. Ao final dos 18 ends, ganha quem tem mais pontos.

Para complicar, as bolas são um pouco achatadas e têm cerca de 1,5 kg distribuídos de forma assimétrica, de modo que um dos lados do eixo menor pesa mais que o outro. Ou seja, elas não rolam em linha reta.

Calcular a trajetória da bola é a parte difícil, mas, segundo Gilberto de Oliveira, o Giba, pode-se aprender a jogar em cerca de 30 a 40 minutos, menos da metade da duração de uma partida, que chega a passar de duas horas.

Aos 91 anos, Giba ainda pratica o bowls, "meia partida de vez em quando", diz ele. "Mas, quando tem sócio interessado em aprender, dou as principais instruções."

Giba migrou para o bowls há cerca de 30 anos; antes jogava tênis, mas não resistiu aos convites que vinham do gramado ao lado, uma área quadrada chamada green, com 32 metros de lado e tratada com reverência pelos bowlers.

"Quem joga bowls sabe: há uma energia diferente que brota do green, um campo sagrado, onde o melhor de cada um se revela", diz Fernando Piccinini Jr., membro da diretoria do Spac.

Não é fácil preservar uma área para o bowls. Além de aparar a grama constantemente, é preciso afastar os interessados em jogar futebol –o que talvez explique sua baixa popularidade na América do Sul.

Dos 57 países filiados à Federação Mundial de Bowls, só dois são da região: Brasil e Argentina. Os demais são quase todos da Comunidade das Nações, formada por Inglaterra e suas antigas colônias.

Uma delas é a Austrália, com mais de 400 mil praticantes de bowls. Donde a esperança de o esporte ser incluído nas Olimpíadas de Brisbane. Neil Dalrymple, presidente da federação mundial, diz que trabalha para isso.

Se ele for bem-sucedido, a chance de participar de uma Olimpíada poderá fazer muitas pessoas começarem a jogar bowls –e pode-se imaginar que entre elas estará pelo menos um repórter da Folha.

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