Sumô enfrenta preconceito e falta de patrocínio para ganhar adeptos no Brasil

Produções na Netflix contribuem para aumento no interesse pelo esporte

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São Paulo

Esporte milenar de origem japonesa, o sumô ainda é comumente —e erroneamente— associado a uma luta praticada apenas por pessoas muito acima de seu peso.

Enquanto no Japão o sumô é um esporte profissional para os homens, sem categorias nem limite de peso, em que os maiores lutadores realmente acabam levando vantagem contra os adversários, no Brasil e em outros países em que a modalidade é amadora, os atletas competem separados por divisões.

Luciana Watanabe, 38, campeã brasileira e sul-americana e vice-campeã mundial (2023), por exemplo, atua na divisão dos leves ou dos médios —seu peso costuma oscilar dentro de uma faixa entre 70 e 80 quilos.

Apesar dos troféus em abundância, para financiar as viagens para competir no exterior, ela precisa recorrer às vaquinhas e à venda de rifas, para completar o restante com as próprias economias. "É difícil conseguir visibilidade com o esporte, até por causa do preconceito das pessoas", afirma.

Atleta brasileira Luciana Watanabe (à direita) na final do Mundial de sumô de 2023, em Tóquio - Arquivo pessoal

Além da visão equivocada quanto ao perfil físico necessário para a prática do sumô, a vestimenta usada durante as lutas, chamada de "mawashi", utilizada para agarrar o oponente, muitas vezes é comparada a uma espécie de fraldão por quem não está tão habituado com o esporte, afirma Tooru Kosaihira, 47, técnico da seleção brasileira. "Esse é um preconceito ainda muito presente no Brasil, mas quase não existe no exterior", diz o treinador.

"As pessoas têm muito preconceito quanto à roupa do sumô, fazem piadas, e às vezes quem está começando acaba desistindo por causa de alguns comentários", afirma Luciana.

Formada em educação física e pedagogia, a lutadora busca fomentar o crescimento da prática por meio de aulas para jovens de escolas públicas. Professora concursada, ela é a idealizadora do projeto "Lutas como forma de educação", que ensina o sumô em escolas municipais de Suzano e Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo.

"A luta me abriu diversas portas e hoje em dia também é o meu trabalho." Segundo ela, é nítido o impacto nos alunos, que aprendem a ter mais disciplina e paciência.

Séries e documentários em plataformas de streaming têm contribuído para que, gradualmente, a luta alcance um público maior.

Em outubro de 2019, estreou na Netflix o documentário "Ela Luta Sumô", sobre a história da lutadora japonesa Hiyori Kon. A produção acompanha a trajetória da jovem desde a infância até a disputa do Mundial amador.

"O sumô feminino vem crescendo no Brasil e é muito respeitado no exterior", afirma Luciana, que mantém um canal no YouTube em que publica vídeos de lutas e treinos.

Em maio de 2023, mais uma produção apareceu na plataforma de streaming: a série dramática "Santuário do Sumô", que conta, de maneira bem-humorada, a história de um jovem e rebelde lutador em ascensão no esporte.

Segundo Valéria Dall'Olio, 40, campeã brasileira e a única árbitra internacional da modalidade no país, na esteira das recentes produções, foi possível notar um aumento no interesse do público em geral pelo esporte. "As pessoas acabam tendo mais conhecimento a respeito do esporte. Em Capão Bonito [município do interior paulista onde ela mora e treina], a quantidade de atletas aumentou".

Pessoas que já tinham alguma afinidade com a cultura japonesa, mas sem experiência prévia com práticas esportivas, começaram a frequentar as academias para aprender a respeito do sumô, observa o treinador Kosaihira.

O londrinense Rui de Sá Júnior, 29, um dos principais atletas de sumô do Brasil na atualidade —foi campeão brasileiro, sul-americano, pan-americano e vice-campeão mundial (2019)— conta que, em meados de 2020, chegou a receber o convite de um produtor para participar da série da Netflix.

Na ocasião, a ideia era que a história fosse sobre um lutador de sumô de fora do Japão, que iria ao país oriental em busca de novas experiências. Com a pandemia e o fechamento das fronteiras, os planos mudaram, e os produtores precisaram elaborar um novo enredo, com atores predominantemente japoneses no elenco.

Júnior —que pesa cerca de 180 quilos e compete na categoria dos pesos-pesados— afirma que, devido à falta de patrocínios, deve ficar afastado dos torneios em 2024.

Com uma dieta de 5.000 calorias diárias em épocas de competição para manter o peso, o lutador sofreu uma lesão muscular no fim do ano passado, quando disputava os World Combat Games, em Riad, na Arábia Saudita. Mesmo já sentindo as dores provocadas pela lesão, o brasileiro conseguiu voltar com um bronze.

No regresso ao Brasil, ele teve de ficar afastado do trabalho na empresa de montagem de tendas de um tio por conta das dores. Com isso, a situação financeira, que já não era confortável, ficou ainda mais apertada.

"A parte financeira é o maior desafio" para os atletas de sumô no Brasil, afirma. Para participar das competições internacionais em 2023, entre elas o Mundial, em Tóquio, além de tirar dinheiro do próprio bolso, Júnior também fez vaquinhas virtuais e vendeu rifas para parentes e amigos. Ele estima que gastou cerca de R$ 20 mil com as viagens.

"Quem sabe as coisas melhorem para as próximas gerações e eles não tenham tanta dificuldade como a gente teve."

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