Athletico-PR anuncia Cuca, que volta a trabalhar após Justiça suíça anular condenação por violência sexual

Treinador teve rápida passagem pelo Corinthians em 2023, mas pediu demissão após pressão por caso ocorrido em 1987 na Europa

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São Paulo

O Athletico-PR anunciou na manhã desta segunda-feira (4) a contratação do técnico Cuca para a sequência da temporada 2024, após demitir na véspera o colombiano Juan Carlos Osório depois de uma derrota por 1 a 0 para o Londrina pelo Campeonato Paranaense.

O treinador inicia os trabalhos no CAT (Centro Administrativo e Técnico Alfredo Gottardi) do Caju nesta terça-feira (5). Assim, Cuca volta a comandar uma equipe cerca de dez meses após a rápida passagem que teve no Corinthians no primeiro semestre de 2023. Na ocasião, pediu demissão menos de uma semana após assumir, devido aos protestos de parte da torcida por sua contratação.

Cuca durante apresentação como novo treinador do Corinthians - Rodrigo Coca - 21.abr.2023/Agência Corinthians

Na época, a permanência dele se tornou insustentável pela pressão de torcedores, sobretudo de mulheres, indignadas com a postura do clube diante do caso de violência sexual registrado contra Cuca em 1987, na Suíça, quando ele ainda era jogador.

Cuca e outros três jogadores que na época defendiam o Grêmio —Henrique Etges, Fernando Castoldi e Eduardo Hamester— estavam em uma excursão com o clube pela Europa quando foram acusados pela Justiça suíça de cometer ato sexual sob coerção contra uma garota de 13 anos, filha de um funcionário do hotel em que estavam hospedados.

A garota disse à polícia que foi ao quarto dos jogadores com dois amigos para pedir autógrafos, camisas e flâmulas, mas acabou abusada.

Os jogadores foram levados para prisões separadas e acabaram soltos após um mês, passada a instrução inicial do processo, e levados para o Brasil pelo advogado Luiz Carlos Pereira Silveira Martins, o Cacalo, vice jurídico do Grêmio à época. Eles pagaram fiança de US$ 1.500 cada (R$ 20 mil hoje, em valores corrigidos pela inflação americana).

Os jogadores não voltaram à Suíça para se defender e nunca cumpriram as penas de 15 meses de prisão, que prescreveram.

O caso teve repercussão na imprensa, mas esfriou e não foi grande empecilho para a carreira de Cuca, que saiu do Grêmio em 1990 para jogar no Valladolid, da Espanha, e passou por outros grandes clubes, como Internacional e Palmeiras. Tornou-se treinador ainda mais vitorioso e tem na Copa Libertadores de 2013, com o Atlético Mineiro, seu maior título.

Foi só nos últimos anos, na esteira de transformações na sociedade e no crescimento do movimento feminista, que o episódio ressurgiu. E a rejeição ao paranaense cresceu.

"Temos observados nos últimos anos importante mudança no comportamento da sociedade em relação à violência sexual. Caminhamos no sentido de que esse tipo de comportamento não será mais considerdo aceitável", afirma Rachel Rua, diretora da consultoria iO Diversidade.

Cuca sempre disse ser inocente. "Eu não sou bandido", disse Cuca durante sua apresentação no Corinthians em 2023. "Não sou culpado de nada. Sou inocente. Tenho minha consciência tranquila, durmo tranquilo. Eu sou uma pessoa decente, acima de tudo. Minha bandeira sempre foi a correção", afirmou, enquanto torcedores empunhavam faixas com os dizeres "fora, Cuca" e "respeita as minas???".

"Por que devo desculpa para a sociedade se eu não fiz nada? A vida passou quase 37 anos. Joguei aqui do lado, treinei vários times, nunca fui questionado. Nos últimos dois anos, a coisa mudou. O mundo mudou, de um jeito melhor, a mulher tem uma defesa muito maior, e sou parte disso, quero isso. Sou pai, sou marido, sou filho. Quero que as mulheres estejam cada vez mais protegidas", afirmou na ocasião.

Depois de toda a confusão e a saída do Corinthians, a defesa de Cuca pediu a reabertura do caso e um novo julgamento, alegando que ele havia sido condenado à revelia e que poderia ser inocentado. Essa alegação foi acatada em 22 de novembro.

Como o Ministério Público considerou o caso prescrito, em 28 de dezembro a Justiça extinguiu a pena e o processo sem uma reavaliação dos fatos em si. A juíza do caso, Bettina Bochsler, determinou indenização estatal a Cuca equivalente a R$ 55 mil. O brasileiro não foi inocentado, mas o processo acabou extinto.

Após a confirmação da contratação do treinador pelo Athletico, a deputada federal e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, fez uma publicação nas redes sociais criticando a decisão do clube paranaense.

A política acusou Cuca de ter estuprado a jovem de 13 anos na Suíça e comparou o caso com o dos ex-jogadores Robinho e Daniel Alves, condenados recentemente por estupro na Itália e na Espanha, respectivamente.

Após a publicação da deputada, a equipe jurídica do técnico emitiu uma notificação extrajudicial na qual cobrava a retirada do post nas redes sociais por conter informações "inverídicas e equivocadas". Os advogados de Cuca também ameaçaram apresentar uma queixa-crime por crimes de calúnia, difamação e injúria.

Gleisi então apagou a mensagem e fez uma nova publicação no X (antigo Twitter).

"O que os casos do Daniel Alves e do Cuca trazem, independentemente de uma eventual culpa ou não deste último, é a mudança de comportamento em relação à violência sexual contra mulher. Num ambiente que continua sendo um espaço de homens e para homens, e no qual muitas vezes as mulheres são objetificadas, temos vislumbres de possibilidade de mudança, mesmo que esses homens sejam considerados ídolos", diz Rua.

Na publicação em que anunciou a contratação de Cuca, a maioria dos torcedores também criticou a decisão do Athletico, presidido pelo cartola Mário Celso Petraglia, conhecido pelas polêmicas que circundam seu nome.

O mais recente episódio envolve a mudança do nome oficial do estádio do Athletico-PR, Ligga Arena (assim chamada devido aos naming rights), de Joaquim Américo Guimarães para Mário Celso Petraglia. Uma reunião extraordinária no Conselho Deliberativo nesta segunda-feira (26) selará a decisão.

"Natural de Curitiba, Cuca tem 60 anos e acumula uma indiscutível carreira vitoriosa como treinador", diz o Atlhetico-PR em nota, recordando as conquistas da Libertadores (2013), da Copa do Brasil (2021) e duas vezes o Campeonato Brasileiro (2016 e 2021). Ele também levantou as taças do Campeonato Mineiro (2011, 2012, 2013 e 2021) e do Campeonato Carioca (2009).

O colombiano Osorio comandou a equipe por apenas dois meses, com um retrospecto de sete vitórias, quatro empates e apenas a derrota para o Londrina no domingo (3).

"Justiça não é vingança, cumprida a eventual pena, é preciso ressocializar e incluir a pessoa novamente na sociedade. Com ídolos isso é um desafio a mais, pois pressupomos que o ídolo seja exemplo, não só na atividade profissional, mas também um exemplo de vida, de comportamento", afirma a diretora da iO Diversidade.

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