Gabeira cobriu morte de Chico Mendes e abertura do Leste Europeu

Jornalista se destacou na Folha pela produção de reportagens incomuns

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São Paulo

Em 1987, ainda faltavam dez anos para que “O Que É Isso, Companheiro?” chegasse às telas. Mas o enorme sucesso do livro, lançado em 1979, já credenciava Fernando Gabeira como um dos jornalistas mais conhecidos do Brasil.

Naquele livro, Gabeira contava como entrou na luta armada e participou, em 1969, do sequestro do embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick –para trocá-lo por colegas prisioneiros que sofriam torturas nos porões da ditadura militar. Não foi o único sucesso do jornalista, que, antes da clandestinidade, havia trabalhado no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.

retrato em preto e branco de homem que veste camisa social e usa óculos; ele está sentado em uma cadeira de escritório e olha para trás
O jornalista Fernando Gabeira na Redação da Folha, em 1988 - Rubens Mano - 9.jun.1988/Folhapress

Além de “O Que É Isso, Companheiro?”, havia publicado “O Crepúsculo do Macho” (1980), no qual narrava seus nove anos no exílio, e “Entradas e Bandeiras” (1981), com sua volta ao Brasil.

Foi nesse contexto que o autor foi chamado para uma conversa com o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho (1957-2018), e se tornou repórter especial do jornal. “Nos demos muito bem. Otavio gostava de conversar sobre os mais variados assuntos”, conta Gabeira.

Logo se destacou com reportagens que não eram vistas na grande imprensa, em especial sobre a região norte do país. Em abril de 1988, conseguiu uma foto de um sindicato que mostrava um mergulhador morto há algumas semanas e submerso no rio Madeira, em Rondônia. O corpo era apenas o esqueleto, enquanto a roupa de mergulho se mantinha intacta.

“As mineradoras de ouro da região contratavam esses homens sem nenhuma condição de trabalho. E quando eles morriam, ficavam lá pelo rio”, lembra. No mês anterior ao da reportagem, 18 mergulhadores acabaram assim. “Foi a fotografia mais impactante que já editei”, conta ele, que também costumava fotografar suas reportagens.

esqueleto vestido com roupa de mergulhador flutua na beira de um rio
Mergulhador morto no rio Madeira, em Rondônia - Paulo Groff

Em 22 de dezembro do mesmo ano, o líder seringueiro Chico Mendes foi assassinado no Acre, e Gabeira tomou um avião para Rio Branco no mesmo dia. Ele já tinha feito reportagens sobre as ameaças que havia meses Mendes sofria de pistoleiros a mando de fazendeiros da região.

No ano seguinte, ele se afastou temporariamente para se candidatar à presidência pelo Partido Verde. Recebeu apenas 0,18% dos votos, inclusive o deste repórter, que votava pela primeira vez, aos 19 anos.

Gabeira voltou ao jornal em 1990 e foi convidado para ser correspondente em Berlim, que havia acabado de ter o Muro de Berlim derrubado e que ele via como a próxima capital cultural da Europa.

“O primeiro laptop que usei na vida foi o que a Folha me ofereceu para essa viagem. Foi minha transformação de analógico para digital, e a remessa dos dados era feita eletronicamente pela primeira vez”, conta.

em primeiro plano, homem de cabelos brancos, de costas, olha para frente; em segundo, dois rapazes jovens o observam do outro lado de uma mesa
Os jornalistas Fernando Gabeira (à dir.) e Arthur Ribeiro Neto em almoço com a direção do jornal - Rubens Mano - 9.jun.1988/Folhapress

De Berlim, Gabeira teve condições para cobrir o então efervescente Leste Europeu. “Vi a implosão da Iugoslávia e cheguei à Croácia um dia antes de sua independência. Naquele diz, eu era o único jornalista na rua do Parlamento e fotografei o líder croata comemorando a independência.”

“Depois, houve a implosão da União Soviética. Fui aos três países bálticos [Estônia, Letônia e Lituânia] e cobri esse processo. Em um deles, na Lituânia, vi o pessoal da KGB [polícia secreta soviética] desocupando o prédio às pressas.”

Em 1992, o jornalista retornou ao país para cobrir a Eco-92 no Rio e logo voltou a se virar para a política. Foi deputado federal de 1994 a 2008, sendo o mais votado do Rio na última dessas eleições. Ficou em segundo lugar para a prefeitura do Rio em 2008 (perdeu para Eduardo Paes no segundo turno por 1,66% dos votos) e para governador fluminense em 2010.

Durante boa parte desse período político, Gabeira continuou na Folha como colunista, escrevendo artigos semanais sobre política. Também teve, por algum tempo, uma coluna sobre viagens no caderno Turismo.
“A Folha foi o jornal que eu via que tinha a ousadia para que eu pudesse realizar meus projetos.”

Após o período político, Gabeira passou por uma segunda transformação. “Transitei da foto para o vídeo”, diz ele. “Passei a fazer reportagens em que filmava e narrava, com a câmera fotográfica que filmava também.” Após um rápido período na rede Bandeirantes, ele foi chamado pela Globonews e há sete anos tem feito basicamente reportagens em vídeo para o canal.

“Durante a pandemia, fiquei em casa sendo comentarista, mas agora já voltei para a rua. Fiz uma série em que revisito andarilhos nas estradas brasileiras, para saber como passaram pela pandemia, e agora estou trabalhando em outra série sobre a crise hídrica.”

O programa “Fernando Gabeira” volta ao ar pela GloboNews em outubro, provavelmente aos domingo, às 23h.

FERNADO PAULO GABEIRA, 80

Nascido em 1941, em Juiz de Fora, Minas Gerais, Fernando Gabeira foi redator no Jornal do Brasil nos anos 1960, e logo passou para a luta armada. Baleado e preso em 1970, foi libertado com 39 colegas em troca de um embaixador alemão sequestrado. Em 1979, lançou “O Que É Isso, Companheiro?” e, em 1987, tornou-se repórter especial da Folha. Foi também correspondente em Berlim e colunista.​

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