Rodrigues entrevistou Graciliano, foi amigo de Marighella e colunista da Folha

Comunista, dirigiu Redações no Rio e analisou a fase final da ditadura e a redemocratização

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São Paulo

Em 1944, aos 25 anos, Newton Rodrigues realizou aquele que seria um dos maiores feitos de sua longa carreira jornalística: uma entrevista com o escritor Graciliano Ramos, normalmente refratário à imprensa.

Publicada na extinta revista Renovação, foi obtida graças a um ponto em comum na biografia do jovem repórter e do consagrado autor de "Vidas Secas" (1938): a adesão às ideias comunistas.

Integrantes do primeiro conselho editorial da Folha, reunidos no nono andar da sede do jornal, na Alameda Barão de Limeira, em 1978. Da esquerda para a direita (em pé): Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora; Claudio Abramo, que havia sido diretor de Redação do jornal e coordenaria o conselho; Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha; Boris Casoy, editor-responsável do jornal; e Otavio Frias Filho, na época da equipe de editorialistas e que seria o secretário do conselho; (sentados): Alberto Dines, ex-editor-chefe do Jornal do Brasil e chefe da sucursal do Rio da Folha; Newton Rodrigues, articulista do jornal; Maria Christina Caldeira, filha de Carlos Caldeira Filho, que de 1962 a 1992 foi um dos acionistas majoritários da Empresa Folha da Manhã S/A; Luiz Alberto Bahia, que havia sido diretor e editor dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil e da revista Visão; e Ruy Lopes, então diretor da sucursal de Brasília do jornal.
Newton Rodrigues (sentado, 2º a partir da esquerda), em foto da primeira formação do conselho editorial da Folha, em 1978 - Acervo Pessoal

Ao longo de seis décadas, até sua morte em 2005, aos 85 anos, Rodrigues nunca escondeu a simpatia pelas posições de esquerda, mas não deixou que isso impedisse o julgamento firme e independente nas funções que exerceu em diversos veículos de imprensa.

Na Folha, foi colunista de 1976 a 1991, escrevendo na seção "Rio de Janeiro" na página 2 do jornal. Também compôs a primeira formação do conselho editorial quando o órgão foi criado, em 1978.

Antes, havia sido diretor da revista Senhor e redator-chefe do jornal Correio da Manhã, na década de 1960.

"Ele usava camisa branca impecável, absolutamente engomada, parecia que tinha acabado de sair da tinturaria. Tinha sempre a cara amarrada, era muito severo", diz o jornalista e escritor Ruy Castro, que recebeu dele o primeiro emprego, em março de 1967, no Correio da Manhã.

Castro lembra que Rodrigues valorizava repórteres que tinham "nível", o que na época significava um profissional que soubesse levantar informações e escrever, sem que o texto precisasse passar por um redator.

"Ele me colocou como repórter de geral, que era cobrir cachorro atropelado e filhote de girafa que nasceu no zoológico. E eu querendo cobrir nouvelle vague e movimento estudantil", lembra Castro. Décadas mais tarde, já um escritor renomado, o autor das biografias de Nelson Rodrigues e Garrincha, pôde agradecer ao antigo chefe por tê-lo ensinado o ofício de ser repórter.

Formado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigues começou escrevendo para veículos ligados ao PCB (Partido Comunista do Brasil), ao qual era ligado desde a clandestinidade.

"Eu nasci numa célula do partido na Barata Ribeiro [rua em Copacabana], me lembro do [Carlos] Marighella indo em casa", diz seu filho mais velho, o jornalista e pesquisador João Carlos Rodrigues, 72.

A personalidade forte do pai o fez ser um dos líderes da debandada do partido em 1956, quando foram denunciados os crimes de Josef Stálin. "Ele passou a ser atacado de duas formas: por ainda ser comunista e por não ser mais membro do partido", diz o filho. O afastamento do "Partidão" acelerou seu processo de dedicação ao jornalismo.

À Folha Rodrigues chegou num período em que o jornal montou um time com veteranos que já haviam deixado sua marca em outros veículos, como Alberto Dines, Samuel Wainer e Paulo Francis, entre outros.

Em suas colunas no jornal, Rodrigues narrou a fase final da ditadura, a redemocratização, a Constituinte de 88 e a eleição de Fernando Collor, em 1989. Parte delas foi reunida em uma coletânea publicada em 1986, chamada "Brasil Provisório (de Jânio a Sarney)".

Em seus textos, demonstrava preocupação com a solidez das instituições brasileiras, em palavras que poderiam ecoar os tempos atuais. "A República brasileira angustia-se em uma crise não menor, ou menos grave, que aquela que permitiu o abate da Monarquia [...]. Busca ainda a identidade que não lhe permitiram alcançar", escreveu, em um artigo para a Revista USP no primeiro centenário da República, em 1989.

Já sem o mesmo dogmatismo dos tempos do PCB, tinha uma visão que hoje seria chamada de social-democrata, ou de centro-esquerda, diz o filho.

"Mas ele seguiu sendo um homem de fortes princípios, e um tanto explosivo. No governo Sarney, foi nomeado para o Conselho de Direitos Humanos da Presidência, e na primeira reunião deu de cara lá com o [ex-ministro] Jarbas Passarinho, que tinha assinado o AI-5. Foi embora e nunca mais voltou", lembra João Carlos.

A saída da Folha foi conflituosa. Chamado a Brasília para uma conversa com o então presidente Collor em março de 1991, não informou o fato com antecedência ao então diretor de Redação do jornal, Otavio Frias Filho (1957-2018), que considerou ter havido quebra de confiança e o demitiu. Na época, o presidente vivia em litígio com o jornal, inclusive processando alguns de seus profissionais. No ano anterior, a Polícia Federal havia invadido a Redação da Folha.

Após a saída, Rodrigues ainda trabalharia como colunista em O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, até morrer em fevereiro de 2005, de insuficiência pulmonar, deixando mulher e quatro filhos.

Newton Rodrigues (1919-2005)

Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em história pela UFRJ. Como jornalista, foi diretor da revista Senhor, redator-chefe do Correio da Manhã e colaborou com os jornais O Estado de S. Paulo, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil. Na Folha, foi colunista e membro do conselho editorial. É autor do livro "Brasil Provisório (de Jânio a Sarney)", da editora Guanabara.

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