Perguntando sempre, Renata Lo Prete se destacou com furo do mensalão

Jornalista trabalhou 27 anos na Folha, exercendo funções como ombudsman e editora

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São Paulo

Perguntar, o ato mais elementar da profissão de jornalista, foi o que levou Renata Lo Prete, 58, a dar um dos furos mais importantes na história centenária da Folha. Numa longa entrevista publicada em 6 de junho de 2005, o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) revelou a ela o esquema do mensalão.

mulher branca de cabelos curtos sorrindo com a bocas e os olhos. Ela usa brincos com uma pérola em cada orelha e uma blusa escura.
A jornalista Renata Lo Prete na Redação da Folha, em 1992 - Acervo Pessoal

Foram muitos os prêmios e farto o reconhecimento a uma reportagem que gerou um terremoto político, mas a pergunta pela qual Renata tem mais carinho foi feita quando ela ainda era relativamente neófita na profissão, em 1988.

Correspondente da Folha em Nova York (EUA), ela questionou o então presidente José Sarney, ao final de uma visita oficial, não a respeito de encontros diplomáticos ou tratados assinados, mas de computadores que sua comitiva levava para o Brasil, algo à época proibido.

A cara amarrada de Sarney, que não respondeu à pergunta, a levou a ser personagem de uma charge de Millôr Fernandes, em que a jornalista aparecia dizendo: "Presidente, eu sou Renata Lo Prete, da equipe de repórteres desagradáveis da Folha de S.Paulo".

"Considero um dos maiores elogios profissionais que recebi até hoje", diz ela, atualmente âncora do "Jornal da Globo" e apresentadora do podcast "O Assunto", do G1 .

Na Folha, trabalhou durante quase 27 anos, exercendo, segundo suas contas, nove diferentes funções. "Costumo dizer brincando, mas é a pura verdade: meus filhos falaram Folha, o jornal, antes de falar folha, a das plantas", diz.

Poucas profissionais ocuparam tantos cargos relevantes na estrutura do jornal como ela. Além de correspondente internacional, foi responsável pela primeira página, repórter especial, ombudsman e titular da coluna Painel, entre outros postos.

Renata Lo Prete (à esq.), Marion Strecker, Paulo Francis e Fernando Rodrigues na Redação da Folha, em 1989
Renata Lo Prete (à esq.), Marion Strecker, Paulo Francis e Fernando Rodrigues na Redação da Folha, em 1989 - Arquivo Pessoal

Antes mesmo de iniciar essa trajetória, já se sentia íntima do jornal. Em passeios pelo centro de São Paulo, seu pai tinha o hábito de incluir o prédio da Folha no roteiro. "Era só chegar e ficar diante da parede de vidro que separava o saguão do maquinário da gráfica, vendo o jornal rodar. Muito antes de pensar em ser jornalista, eu achava aquilo maravilhoso", diz.

A chegada ao jornal coincidiu com um momento de efervescência no país, em meio à redemocratização, e da própria empresa, que vivia a fase inicial de implantação do Projeto Folha.

"Havia o sentimento de fazer parte de uma Redação de ruptura. Que acertava, errava, às vezes chocava, era muito cobrada e se cobrava muito. Talvez tenha nascido daí minha convicção de que jornalismo é, na essência, movimento", afirma.

Esta crença no ditado futebolístico de que quem se desloca tem preferência levou Renata ao encontro com Jefferson, numa tarde de domingo em Brasília.

"Eu estava me deslocando bastante no esforço para receber aquela bola e entrevistar um Roberto Jefferson acuado pela revelação de propina paga a um indicado dele nos Correios", afirma ela. Baseada em São Paulo, voou para Brasília num final de semana para o encontro.

Algumas semanas antes, o então deputado havia sido implicado num vídeo mostrando um apadrinhado seu nos Correios recebendo R$ 3.000 em propina. Vendo o cerco se fechar em uma estatal que considerava sua área de influência, reagiu com declarações explosivas sobre um esquema de compra de apoio parlamentar comandado de dentro do Palácio do Planalto.

Ao sair da entrevista, Renata já tinha noção da importância jornalística do que tinha em mãos, mas não imaginava o efeito completo que a entrevista teria nos meses e anos seguintes.

"As consequências políticas foram ganhando contorno aos poucos. Essa ficha começou a cair enquanto eu escrevia, na sucursal da Folha. Notei que os telefones dos colegas de plantão tocavam sem parar. Eram ministros do governo querendo saber com quem o Roberto Jefferson havia falado e o quê", recorda-se.

O caso do mensalão levou à condenação de 24 pessoas, num julgamento momentoso acompanhado pelo país em 2012.

Naquele mesmo ano, Renata deixou o jornal rumo a uma bem-sucedida carreira televisiva, primeiro na GloboNews e depois na TV Globo e no G1.

Mais de três décadas depois, segue valendo para ela a máxima aprendida naquela interação que tanto incomodou Sarney. "A gente nem sempre consegue a resposta, mas, se faz a pergunta certa, já é meio caminho andado", diz.

Raio-x

Renata Lo Prete, 58

Formada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP, entrou na Folha em 1986, como repórter da Ilustrada. No jornal, atuou também como correspondente em Nova York e secretária-assistente de Redação, repórter especial, ombudsman e editora do Painel, entre outros cargos. Deixou o jornal em 2012, trabalhando depois na GloboNews, TV Globo e G1.

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