Descrição de chapéu Causas do Ano

#AgoraVcSabe foi provocação e quebra de paradigma, diz Luciana Temer

Com passeatas virtuais e mobilização em presídios, Instituto Liberta puxou movimento para quebrar silêncio em torno da violência sexual contra menores

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Giovanna Balogh
São Paulo

Ao longo dos últimos quatro meses, o movimento #AgoraVcSabe tratou sobre a importância de falar sobre a violência sexual na infância e adolescência. Por meio de passeatas virtuais, palestras e uma grande mobilização nas redes sociais e até em presídios, o levante organizado pelo Instituto Liberta tirou do armário um assunto tabu.

Segundo pesquisa recente do Datafolha, a maioria dos crimes são praticados dentro da casa da vítima e por pessoas que deveriam protegê-la.

A advogada Luciana Temer, presidente do Liberta, esteve à frente da campanha que é uma das Causas do Ano da plataforma Folha Social+.

Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta
Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta - Keiny Andrade/Folhapress

Em entrevista à Folha, ela faz um balanço do movimento que permitiu entender como o problema é recorrente e a importância da quebra de paradigma do silêncio. Luciana também fala sobre os próximos passos e a necessidade de políticas públicas para proteger crianças e adolescentes deste tipo de crime.

Que balanço você faz desses quatro meses de campanha? Temos que entender o #AgoraVcSabe como uma grande provocação social, uma verdadeira quebra de paradigma do silêncio. Mesmo quem não participou efetivamente gravando o vídeo foi tocado ao entender a importância do assunto.

O movimento trouxe muita informação e, principalmente, reflexão sobre a urgência desse tema. Recebi muitos relatos de gente que não teve coragem de participar, mas acho que o grande mérito mesmo foi ter conseguido fazer uma provocação na sociedade.

Tive a oportunidade de ser convidada e falar sobre o tema em universidades, para médicos, em escritórios de advocacia e até dentro de presídios.

O movimento teve grande participação de famosos e influenciadores. Como você vê essa adesão? O #AgoraVcSabe chegou a muitos espaços, teve apoio grande da mídia e de pessoas relevantes, como Marcos Mion, Luciano Huck, Fátima Bernardes, Luiza Brunet, Angélica, Ivete Sangalo, Giovanna Ewbank, Juliette. Muitos deles nem foram acionados diretamente por nós, ou seja, resolveram postar porque sabem a importância do tema.

O Datafolha mostrou que 1 a cada 3 brasileiros diz ter sido vítima de violência sexual na infância ou adolescência. O que mais te surpreendeu nesta pesquisa? O Datafolha coroou o movimento, pois permitiu mostrar que a violência é gigante e que o silêncio e a dificuldade de denunciar também, uma vez que só 11% disseram que denunciaram. É sobre isso o #AgoraVcSabe, ser provocador e fazer esse convite de quebrar o silêncio.

O Datafolha mostrou ainda que muitas pessoas não denunciam e que outras tinham dificuldade em gravar o vídeo para campanha. Por que é tão difícil falar? A nossa sociedade coloca a vítima num lugar de constrangimento. De cada 10 vítimas, apenas uma denunciou e essa é a maior prova da impunidade.

A impunidade não é por causa das leis, mas por não darmos visibilidade aos casos. Temos a relação com a violência sexual onde a vítima é constrangida e estigmatizada.

Sempre falo que se numa sala com 30 pessoas uma falar que foi vítima, vão olhar e apontar para ela. Mas, se nessa mesma sala, 10 levantarem e dizerem que foram vítimas, acabou a estigmatização. O silêncio colabora para a estigmatização.

Você esteve em presídios falando com a população carcerária sobre o tema. Como foi essa experiência? Estive na semana passada no CDP de Pinheiros, na cadeia feminina de São Miguel Paulista e em uma penitenciária em Guarulhos, na Grande SP.

Como nossas quatro passeatas foram virtuais, fiz o convite para presos que tivessem interesse em gravar o vídeo para a última passeata. Tivemos a adesão de 61 pessoas. Conseguimos chegar até o sistema prisional e incluindo nas passeatas todos que se sentiram à vontade para dar sua voz e seu rosto para o movimento.

Nesses quatro meses, alguma história chamou mais sua atenção? No levante não pedimos para as pessoas contarem suas histórias, mas muitas chegaram e uma que me tocou foi uma pessoa que me escreveu no Instagram agradecendo pelo movimento e pedindo desculpas.

Ele disse que tentou gravar várias vezes e não conseguiu. Eu respondi que não precisava se desculpa, que o convite era para quem se sentisse confortável em gravar, mas que bom que gerou essa reflexão nele. Foram diversos depoimentos dizendo que não tinham coragem para gravar, que não estavam prontos.

Como será possível trabalhar com candidatos nas eleições a importância da prevenção e da educação sexual nas escolas? Infelizmente essa não é uma preocupação dos candidatos. Mas no próximo ano, com o futuro presidente e com o novo Congresso Nacional, o Liberta vai fazer advocacy.

Vamos expor os dados, o tamanho do problema e pedir uma frente parlamentar com essa temática que foque não na área da punição criminal, mas na prevenção da violência sob o ângulo de redução de danos. É preciso prevenção para evitar que a violência sexual aconteça.

Quais são os próximos passos? Deu para ver alguma mudança na prática neste curto período do movimento? O objetivo não é mudar agora, mas usar desse movimento para conscientizar e construir políticas públicas para mudar essa relação.

A violência é estrutural e só vai mudar com muito tempo de trabalho e com política pública. A mudança tem que acontecer na escola, por meio da educação, já que esse crime é preponderantemente intrafamiliar, ou seja, praticado por alguém de confiança dessa criança.

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