Descrição de chapéu Causas do Ano

'Maior cúmplice do abuso infantil é o silêncio', diz Angélica

Apresentadora é uma das embaixadoras do movimento #AgoraVcSabe, participa da passeata virtual que acontece em 18 de maio e conta que foi assediada aos 15 anos

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Giovanna Balogh
São Paulo

Passaram-se mais de 30 anos até que Angélica reconhecesse e tivesse coragem para dizer publicamente que foi vítima de assédio sexual na adolescência.

Ao conhecer o Instituto Liberta, que atua no combate à violência sexual de crianças e jovens, a apresentadora ouviu muitas histórias e percebeu que a violência sofrida aos 15 anos não era "aceitável".

Mãe de três, ela então decidiu dar voz a um problema tão recorrente e que acontece em todas as faixas etárias e classes sociais.

Angélica é uma das embaixadoras do movimento #AgoraVcSabe, promovido pelo Instituto Liberta, e está na passeata virtual que acontecerá na próxima quarta-feira (18/05), Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Em entrevista à Folha, ela fala como foi a violência sofrida quando estava em uma viagem a Paris, na França. Para ela, é importante que os adultos reconheçam que foram vítimas e falem sobre isso para que outros casos não aconteçam.

A apresentadora diz que a orientação sexual das crianças, tanto nas escolas como em casa, é fundamental para reduzir os casos que são tão frequentes entre crianças e adolescentes.

Todos os anos são registrados mais de 500 mil casos de exploração sexual infantil no Brasil, o que faz o país ser o segundo com mais casos, ficando atrás apenas da Tailândia.

Mesmo tendo tantos casos, a estimativa é que só 10% das ocorrências sejam notificadas, o que aumenta a impunidade dos abusadores e deixa as vítimas mais vulneráveis.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Recentemente, em março de 2022, você assumiu publicamente que foi vítima de abuso sexual, durante uma entrevista com a Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta. Como foi essa violência sofrida? Eu estava em Paris fazendo fotos por conta da música "Vou de Táxi" e tinha um táxi estacionado e estávamos fazendo as fotos ao lado do veículo. De repente, chegou um grupo de rapazes e homens e começaram a perguntar o que estava acontecendo ali. Parte da equipe falou que era uma cantora brasileira e eles vieram na minha direção tirar fotos comigo. Eles foram se aproximando, ficando perto e se esfregando em mim. Eu fiquei sem reação.

Um deles passou a mão em mim várias vezes e fiquei petrificada. Até comentei na hora, mas todos levaram como uma brincadeira, ninguém se importou com o que eu tinha dito e seguimos com as fotos. Na época não tive coragem de gritar, nem empurrar por pura falta de informação. Acho que hoje em dia uma adolescente na mesma situação, reagiria.

Falar é uma forma de curar e poder ajudar as pessoas. A passeata virtual é muito importante pois vamos mostrar como os casos são comuns

Angélica

apresentadora e embaixadora da campanha #AgoraVcSabe

Por que você demorou para se reconhecer como vítima? Tinha medo da repercussão negativa? Nunca tinha parado para pensar que eu tinha sido vítima até recentemente. Eu achava que não era violência. A gente ouve histórias pesadas de crianças que foram estupradas, abusadas desde cedo e achava que a minha história era pequena, que não precisava contar.

E hoje vejo que não é pequena e que muitas pessoas passam por isso e levam traumas para a vida toda. Ao ouvir tantas outras histórias de abusos, me senti segura para contar o que eu vivi. Espero que ao lerem o meu relato, outras pessoas consigam se livrar desse segredo, desse medo de falar e ajude outras crianças a não passarem por isso.

Você é uma das embaixadoras do movimento #AgoraVcSabe e está na passeata virtual do dia 18. Por que é tão importante falar sobre? Falar é uma forma de curar e poder ajudar as pessoas. A passeata virtual é muito importante pois vamos mostrar como os casos são comuns. É importante as pessoas saberem que para participar da passeata você não precisa dar detalhes da sua história, nem contar quem te abusou, nem onde foi.

Vamos todos falar a mesma frase: "A violência sexual contra a criança e o adolescente é uma realidade. Eu fui vítima e agora você sabe". Basta gravar o vídeo dizendo isso para participar desse grande levante.

Você é mãe de três, dois meninos adolescentes, e a Eva, de 9 anos. Como você aborda e lida com esse assunto dentro de casa? Tanto as crianças como os adolescentes encontram todos os tipos de informações na internet e eles vão saber sobre esse e outros assuntos de toda maneira. Cabe aos pais ter uma conversa franca e filtrar em como você vai querer que essa informação chegue até o seu filho da forma que você acha melhor. Como queremos que ele receba isso? Não falar não é o caminho.

Em casa temos uma conversa aberta e franca, sem mentiras. A forma que falo sobre isso com os meninos, que já têm 17 e 14 anos, é diferente de como falo com a Eva, que ainda é uma criança. A gente pensa que só as meninas são vítimas, mas os meninos também são abusados até dentro das escolas por colegas mais velhos, por isso, é importante falar e orientá-los também.

Sobre as escolas, ainda existe um tabu muito grande que esse assunto não deve ser abordado na sala de aula. O que você pensa sobre isso? A escola tem esse papel fundamental de olhar o indivíduo como um todo. A escola não serve para ensinar só que 2 + 2 são 4. É a segunda casa do aluno, um lugar seguro, onde ela pode dividir e compartilhar.

Muitas vezes o abuso acontece em casa e é importante que ele tenha segurança para falar sobre isso na escola. A educação precisa também voltar sua atenção para o cuidado emocional e social dos alunos. Falta muito olhar para cada indivíduo.

Deveria ser uma matéria obrigatória falar sobre os sentimentos, sobre a vida. Falar das pequenas coisas da vida, que de pequena não tem nada. O movimento #AgoraVcSabe do Liberta quer batalhar por leis focadas neste assunto. É urgente falarmos sobre isso nas escolas e em todos os lugares.

O que você diria para alguém que ainda tem dúvidas se deve participar da passeata virtual? Falar é muito incômodo. Ouvir as histórias também é. Mas, para mudar alguma coisa, para que algo aconteça é preciso muito incômodo. Infelizmente as pessoas não se reconhecem como vítimas e falam "ah, tem coisa pior do que eu passei". Com certeza tem, mas temos que falar.

A menina hoje que lê minha história e alguém for tentar passar a mão no ônibus, vai ter uma reação e não vai ficar quieta como eu fiquei. A Luciana Temer despertou em mim essa história que estava guardada há anos. Espero despertar outras pessoas para ajudar outras a não se calarem. Somente assim vamos ajudar nossas crianças a não serem as próximas vítimas.

​A causa de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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