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'Sou do Alemão e tenho que me provar como Anitta fez', diz bailarina

Anny Ester dá aulas para meninas no projeto Na Ponta dos Pés, finalista do Empreendedor Social 2022 na categoria Soluções Comunitárias

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São Paulo

Nenhum passo de balé dá mais trabalho que ter que se provar adequada ao figurino de bailarina. Ou a trança não cabe no coque ou a coxa é grossa demais.

São agressões que Anny Ester Tomaz de Oliveira, 19, recebe e atribui à pele retinta e ao CEP. Nada que impeça o sonho de tornar artistas suas alunas do Na Ponta dos Pés.

A iniciativa, criada pela irmã de Ester, Tuany Nascimento, chegou à final do Prêmio Empreendedor Social na categoria Soluções Comunitárias.

"Falar onde moro sempre atrai olhar de menosprezo. As pessoas fitam de cima a baixo. Ano passado fui estudar na Ballet Dalal Achcar, escola da Gávea. Ganhei uma bolsa.

Sou preta retinta. Eu sentia os olhares das mães, uma coisa velada. Ainda mais quando descobriam que eu aprendi balé em um projeto social.

Anny Ester Tomaz de Oliveira, 19, enfrentou racismo para se tornar bailarina e hoje é professora no projeto Na Ponta dos Pés
Anny Ester Tomaz de Oliveira, 19, enfrentou racismo para se tornar bailarina e hoje é professora no projeto Na Ponta dos Pés - Renato Stockler/Folhapress

Elas não sabem que minha sapatilha durava pouco no cimento. Que eu carregava a barra e não tinha espelho. E que a gente não entendia como chegavam cada vez mais meninas no projeto, ainda que os pais soubessem que elas dançavam na linha de tiro.

Falei à professora: Esse é meu sonho, se a senhora puder, me ensina tudo. As outras bailarinas eram novas, se preparavam para o Municipal. ‘Bota ela no fundo.’ Pensei em desistir, mas não deixo ninguém fechar minhas portas.

Nas companhias, às vezes tem uma negra. Sem destaque. É pela inclusão ou só para mostrar que tem preta lá? Já passei por situações racistas. Tem hora que não dá para responder, é respirar e seguir.

Falaram do meu peso, das tranças. Para ajeitar o coque. Professores hoje têm mais cuidado, mas pessoas de fora, diretores, jurados, vão falar.

Crianças participam de aula de bale clássico na ONG Na Ponta dos Pés, no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão (RJ)
Crianças participam de aula de bale clássico na ONG Na Ponta dos Pés, no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão (RJ) - Renato Stockler/Folhapress

Eu tentava me embranquecer, alisava cabelo, odiava meu nariz. Hoje me reconheço uma mulher preta, meus traços e tranças são minhas raízes.

Anitta passou por isso, Ludmilla também. Falo para as alunas que, se querem ser artistas, médicas e professoras respeitadas, vão ter que enfrentar. Não vou mentir, de vez em quando tenho medo.

Medo de encontrar só gente branca e medo da violência no Alemão. Meu pai é segurança, saiu no dia do confronto e tinham policiais com arma apontada. Podia ter acontecido o que aconteceu com a senhora que foi comprar pão.

Foi com ele que aprendi a tratar as pessoas. Ele é feirante. Família grande, dois trabalhos. Da mãe, peguei a seriedade e limpeza. Deus me livre, sou dura com minhas alunas. Pegou, guardou. Tem que dar bom-dia e pedir licença. Se tiver nota baixa, não tem aula.

Da Tuany, minha irmã, herdei o amor pela arte. Ela me levou para a ginástica artística na infância. Escuto Caetano, Gil e Cartola. E passo isso nas aulas, não adianta massacrar só o clássico. Minhas alunas querem ser artistas. E eu quero fazer parte de uma companhia de dança que mostre a força das mulheres daqui.

Vão perguntar de onde somos. E vamos dizer que somos do Complexo do Alemão."

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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