Novo ciclo político deverá incluir princípios de 'transição justa'

Meio ambiente, novos padrões produtivos e redução da desigualdade são a base desse processo

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Maria Carolina Trevisan

À medida que o governo de transição avança no diagnóstico sobre o estado da máquina pública ao fim do governo Bolsonaro, mais objetivas se mostram as demandas para a próxima gestão do país.

Entre as agendas prioritárias para o governo Lula, duas têm sido mencionadas com frequência: o combate à fome e a emergência climática. "A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo", disse Lula, na COP27.

Presidente eleito, Luiz Inacio Lula da Silva, discursa durante a COP27 no Egito - Ahmad Gharabli/AFP

A presença do presidente eleito na conferência da ONU inseriu o Brasil nesse debate internacional. O desafio é em colocar em prática internamente os compromissos assumidos diante do mundo.

"É preciso pensar em alternativas de desenvolvimento e geração de riqueza, garantindo que as pessoas tenham trabalho decente", diz Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública, organização da sociedade civil que atua na busca por esse tipo de solução.

Segundo Andrade, cada vez mais, municípios, estados e países terão de se adaptar para acomodar as áreas econômica, social e ambiental mutuamente, em um processo de reconversão econômica que, a longo prazo, pode chegar a um modelo regenerativo.

Para isso, ele diz, é preciso mudar padrões produtivos, mantendo o conhecimento e a capacidade locais. "É a transição justa, um processo incontornável para o próximo ciclo político", conclui.

No Brasil, uma iniciativa que aposta nesse objetivo é o plano estadual de bioeconomia do Pará, apresentado pelo governador reeleito Helder Barbalho na COP27. Segundo Barbalho, esse modelo de economia sustentável pode gerar receita de R$ 129 bilhões até 2040.

Para chegar às bases desse plano com 89 iniciativas, foram ouvidos representantes de comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, sociedade civil e setor produtivo.

"É uma estratégia construída, não é imposta. O grande diferencial do Pará foi fazer essa conexão entre setor produtivo e terceiro setor, com as comunidades tradicionais e os povos originários", afirma José Mauro O' de Almeida, secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

As iniciativas estão baseadas em três eixos: pesquisa, desenvolvimento e inovação; patrimônio genético, cultural e conhecimento tradicional; cadeia de valores sustentáveis de negócios.

A expectativa é que o Pará possa transformar seu modelo econômico para uma matriz mais inclusiva e sustentável e consiga reduzir a emissão de gás de efeito estufa, regenerar 5,6 milhões de hectares até 2030, neutralizar carbono até 2036, entre outros resultados.

"A urgência climática tem que se transformar na urgência de implementação de políticas públicas", afirma o secretário.

Cerca de 78% do estado do Pará é composto por vegetação nativa. O estado é um dos mais prejudicados em níveis de desmatamento. Grande parte do desmate ocorreu em áreas fiscalizadas pelo governo federal.

Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) mostraram que entre agosto de 2021 e julho de 2022 foram derrubados 3.858 km² de florestas paraenses, o que representa 36% do total devastado na Amazônia.

Essa visão multissetorial, que agrega diferentes atores e interesses, está também presente no setor produtivo mais sintonizado com a agenda da emergência climática.

As estratégias de transição justa precisam ser combinadas entre diferentes atores: governos, em todas as esferas, sociedade civil, trabalhadores, indústrias, mercados e estruturas produtivas. Para dar apoio a esse processo, a Agenda Pública criou uma "plataforma para a transição justa", com estratégias para governos locais, agentes econômicos e trabalhadores.

"A segurança climática obrigatoriamente tem que estar casada com a segurança alimentar", diz o agroambientalista Marcello Brito, coordenador do Centro Global Agroambiental da Fundação Dom Cabral.

Para ele, que também foi presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), é preciso associar as demandas ambientais, sociais e econômicas para que haja desenvolvimento.

"Precisamos começar a desenhar um modelo em que o Brasil seja líder em vários produtos e considere a bioeconomia e agricultura regenerativa."

O plano de transição justa de energia da África do Sul, por exemplo, busca desativar usinas de carvão e, ao mesmo tempo, absorver a mão de obra que ficará sem trabalho. Para isso, o país tem promovido capacitação dos trabalhadores para atuarem em outras áreas em que há emprego e renda.

Brito também alerta para a importância de uma atuação em conjunto com diversas forças e instituições contra a criminalidade na Amazônia.

Barco com indígenas do Vale do Javari
Indígenas fazem fiscalização no Vale do Javari - Univaja

É a mesma preocupação expressa pelo indígena Eliesio Marubo, procurador jurídico da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). "Temos um know how de monitoramento da Terra Indígena que nós gostaríamos de compartilhar com as autoridades", afirma.

O Vale do Javari é a região onde se concentra a maioria dos povos isolados. É o mesmo local em que o jornalista Dom Philips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados, em junho deste ano. Marubo afirma que a violência aumentou depois dos homicídios. Ele diz que o policiamento ostensivo é necessário.

"Precisamos criar uma base provisória do Ibama, da Polícia Federal e da Força Nacional para que haja, nesse primeiro momento, o direito à vida. Precisamos pensar as políticas públicas da região envolvendo toda a sociedade, inclusive os ribeirinhos", diz. "A Univaja tem total competência para colaborar para que essas atividades aconteçam."

Esta é a sexta de uma série de reportagens da Folha Social+ em parceria com a Agenda Pública

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