Descrição de chapéu sustentabilidade

Projetos de inclusão produtiva mudam realidade periférica em Maceió

Cerca de 10 mil pessoas são impactadas pelo conjunto de projetos em Vergel do Lago, diz prefeitura

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Maria Carolina Trevisan
São Paulo (SP)

A atividade de pesca e venda de sururu é uma das principais fontes de renda dos moradores de Vergel do Lago, bairro localizado no sudoeste de Maceió (AL). Rodeado pela Lagoa Mundaú, a extração desse molusco, comum no mangue da região, envolve boa parte da população local, estimada em mais de 30 mil habitantes.

Pescadores e marisqueiras colhem o sururu, limpam as conchas, cozinham e separam a carne, descartando o restante. Apesar de tradicional, o trabalho é sazonal, informal e rende pouco. Por isso, o bairro é um dos mais vulneráveis da capital alagoana.

Uma pesquisa feita pelo Sebrae Alagoas e coordenada pelo Instituto Mandaver, ONG que atua no Vergel, mostrou que a maioria da população do bairro não possui emprego (53%) e quase a metade vive com menos de um salário mínimo.

Por do sol em Lagoa do Mundaú, no Vergel do Lago (AL)
Vista da Lagoa de Mundaú, no bairro de Vergel do Lago, em Maceió (AL) - Marcos Felipe/Mandaver

Com a pandemia de Covid-19, o desemprego e a informalidade aumentaram, expondo a comunidade a mais precariedade. Alagoas se tornou o estado com mais pessoas em situação de insegurança alimentar grave: 36,7% das pessoas não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente.

Com a crise sanitária, econômica e social, em 2021, a prefeitura de Maceió fez parcerias com organizações da sociedade civil, instituições públicas e privadas, realizou consultas aos moradores e definiu um diagnóstico que apontava a necessidade de políticas com foco na inclusão produtiva.

"Como ocorre na maioria das capitais, é muito difícil desenvolver um projeto na área social sem se conectar com o terceiro setor, com a iniciativa privada e com a academia", afirma Antonio Carvalho, secretário municipal do gabinete de governança de Maceió.

"É necessário dialogar com diferentes setores, queremos que sejam iniciativas permanentes. Essa característica multissetorial garante uma sustentabilidade maior dos programas", completa Carvalho.

Foram implementados no Vergel projetos de moradia, esporte, cultura, lazer, meio ambiente, qualificação profissional e empreendedorismo. Para realizar as ações, foi necessário estabelecer amplas parcerias. Atuam no território ONGs locais, como o Mandaver e instituições públicas e privadas, como a Enape (Escola Nacional de Administração Pública) e o Sebrae.

Também estão comprometidas com o desenvolvimento sustentável do Vergel organizações sociais que trabalham em nível nacional, como a Agenda Pública e a Gerando Falcões, que implementou a iniciativa nacional "Favela 3D: Digna, Digital e Desenvolvida", cujo objetivo é erradicar a pobreza com uma tecnologia social inovadora.

Há, ainda, a presença de um parceiro internacional, a Bloomberg Philanthropies. Esse conjunto de ações é guiado focado nos objetivos de desenvolvimento sustentável. As estratégias para alcança-los estão definidas nos estudos BR22+8 e Reset, realizado por Agenda Pública e Estratégia ODS.

Segundo esses estudos, locais como o Vergel precisam de projetos de inclusão produtiva. "São direcionados a públicos com dificuldade de inserção, em situação de pobreza ou vulnerabilidade, e que têm como característica promover o trabalho decente, gerar renda e estabilidade, enfrentando esses problemas de forma multidimensional", explica Sergio Andrade, diretor executivo da Agenda Pública.

Imagem mostra moeda social em diferentes cores e valores que são usados na economia local do bairro do Vergel do Lago, em Maceió (AL)
Moeda social "sururote" é usada em economia local no bairro de Vergel do Lago, em Maceió (AL) - Marcos Felipe/Mandaver

O Instituto Mandaver criou o Banco Laguna, que usa a moeda comunitária "sururote", um de seus eixos de atuação. A organização estima que circule R$ 50 mil em sururote na economia local, o que teria gerado melhora de 80% na renda das mulheres marisqueiras, que foram capacitadas para gerir e vender os resíduos do sururu.

Os dados da consulta à população local também revelam que os moradores do Vergel querem se dedicar ao empreendedorismo: 73% dos entrevistados dizem sonhar em abrir um negócio. Por isso, há também a possibilidade de adquirir microcrédito para investir em empreendedorismo.

Uma das linhas de atuação do banco social é o "auxílio sururote", que oferece R$ 200 mensais na moeda social para as famílias em situação de extrema vulnerabilidade. O instituto também atua na capacitação profissional, no desenvolvimento de esporte e lazer, na formação de uma cultura de paz e em situações de emergência no bairro, sujeito a constantes alagamentos.

Em julho, o bairro de Vergel do Lago sofreu uma das piores enchentes da sua história. Milhares de pessoas ficaram desabrigadas.

Para que os projetos e as políticas públicas tenham perenidade e sejam assertivos nas demandas da comunidade é importante que sejam construídos em permanente consulta com a comunidade.

"O gestor público tem uma racionalidade limitada. Ele tem um conhecimento técnico a respeito do problema e dos instrumentos que podem ser mobilizados. Mas a realidade é muito diversa e heterogênea. É preciso dialogar com população e demais atores envolvidos", afirma o sociólogo Arilson Favareto, professor da UFABC e coordenador do Núcleo de pesquisas sobre sustentabilidade do Cebrap.

"É muito importante também que seja uma espécie de encontro de saberes: a população tem um entendimento prático, da vivência dos problemas. Essa complementaridade entre um tipo de informação e o tipo de conhecimento que o gestor pode trazer, e que os atores sociais não estatais podem trazer, é fundamental", explica Favareto.

Ele alerta também para a importância de se estabelecer mecanismos de coordenação entre diferentes atores, de maneira a potencializar recursos financeiros, capital social e conhecimento para garantir a perenidade dos projetos diante de mudanças de governos. "Em sociedades complexas como a brasileira sempre é necessário mobilizar complementaridade de recursos", diz.

As ações de inclusão produtiva desenvolvidas pela prefeitura de Maceió para o bairro de Vergel do Lago também foram selecionadas pelo projeto "Cidades que transformam", gerido pela Enap. A escola governamental oferece apoio técnico e metodológico para aperfeiçoar serviços públicos na área do turismo comunitário, uma demanda dos moradores do bairro.

"É muito forte o fato de a gente construir os projetos junto com a comunidade, ouvindo a comunidade nessa construção de política pública. As pessoas incorporam aquilo como sendo delas também, o que, por outro lado, ajuda a recuperar a confiança nas instituições públicas", afirma o secretário Antonio Carvalho.

Imagem mostra marisqueira limpando o sururu em Vergel do Lago, Maceió (AL). São conchas pequenas pretas separadas por mulheres marisqueiras.
Manejo de sururu em Vergel do Lago, periferia de Maceió (AL) - Mirely Pereira/Mandaver

O bairro conta ainda com um projeto para a primeira infância, em parceria com a Bloomberg Philanthropies, em seu programa de fomento à inovação, em parceria com a prefeitura. A iniciativa identificou que uma das grandes necessidades locais, onde os lares são chefiados principalmente por mulheres, é o cuidado com as crianças pequenas para que as mães possam trabalhar.

Estão sendo criadas redes de apoio que oferecem cuidados, alimentação, acesso à cultura, ao esporte e ao lazer às crianças e, ao mesmo tempo, capacitação para que as mães voltem ao mercado de trabalho.

"De maneira mais direta, em menos de um ano, mais de 300 pessoas foram inseridas no mercado de trabalho", afirma Carvalho. Ele estima que cerca de 10 mil pessoas foram impactadas por essas iniciativas no Vergel. De acordo com a prefeitura e com as organizações que atuam no território, essas atuações têm como guia os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.

Esta é a quarta de uma série reportagens a Folha Social+ vai publicar em parceria com a Agenda Pública.

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