Retratos, livros e frases de autores negros e negras estampam desde a entrada até o banheiro do Espaço Feminismos Plurais. A casa era um sonho antigo da filósofa e colunista da Folha Djamila Ribeiro.
Em uma esquina de Moema, em São Paulo, onde foi fundado há sete meses, o espaço conjuga acolhimento com educação antirracista e feminista. São pilares da trajetória de Djamila, que buscou inspiração na antiga Casa de Cultura da Mulher Negra, de Santos, onde foi criada, para lançar seu próprio instituto.
"Esse espaço foi o que me trouxe mais alegria neste ano", diz a filósofa. "Venho de um lugar de mulheres sofridas, que não tiveram como se cuidar, então aqui é uma cura para mim também."
Desde que lançou a coleção Feminismos Plurais, em 2017, que tem "Lugar de Fala" como livro de abertura, e uma plataforma de streaming sobre o tema, em 2020, Djamila buscava um espaço físico para "juntar tudo" e atender mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Além de uma biblioteca e de uma sala para eventos literários e artísticos, a casa conta com atendimento psicológico e odontológico e suporte jurídico. Tudo gratuito e mantido por doações de pessoas e empresas.
"Difundir o pensamento desses autores antirracistas é fundamental, mas como pessoa negra, não posso negligenciar nossa dimensão psicológica", afirma.
Em uma sala no piso superior, são realizadas sessões de terapia. Em parceria com a Casa Rosangela Rigo, por exemplo, são atendidas mulheres que sofreram violência doméstica. Elas levam seus filhos, que também são acolhidos no espaço durante as sessões.
Em frente, a Biblioteca Toni Morrison oferece consultas e empréstimos de livros de ficção, teoria racial crítica, teoria feminista, livros infantis, entre outros temas.
Diversos exemplares foram doados pelas editoras Fósforo, Cia das Letras e Ubu, além da coleção Feminismos Plurais e do selo Sueli Carneiro.
"Pesquiso quilombismo no ambiente digital e estava com bloqueio para escrever", diz Jayme Filho, 37, frequentador do espaço. "Usei a biblioteca em uma tarde e foi suficiente para desenrolar. Encontro aqui coisas invisíveis que fazem a diferença."
No andar inferior, a sala Lélia Gonzalez é palco para lançamentos de livros. O espaço fica cheio quando Djamila convoca sua rede para prestigiar os escritores.
"Publicamos 25 livros nos últimos quatro anos e quebramos a lógica de que eles são para pessoas supostamente inteligentes", afirma a filósofa.
"São livros baratos e com linguagem didática, para que os leitores se sintam parte da conversa. Não gosto de ativismo arrogante."
Márcia Carvalho, 64, frequenta todos os lançamentos e as rodas de conversa às segundas-feiras. São debatidos assuntos como empreendedorismo, injúria racial e direitos da mulher gestante, em parceria com a LBS Advogados.
Ela diz se sentir acolhida, pois "em outros coletivos, pessoas mais velhas muitas vezes não são bem recebidas".
"Não fui incentivada a ler e racismo era um assunto proibido na família, então estar aqui é uma reconexão com minha história."
Tese também defendida por Jayme Filho. "Esse espaço é antirracista pelo simples fato de existir em um lugar nobre de São Paulo e trazer o tema à pauta de forma acessível."
Aliás, ter um instituto localizado em Moema —onde o imóvel foi cedido pelo empresário Maurício Rocha— foi alvo de críticas.
"Ouvimos que a casa era bonita demais. Por que mulheres negras não merecem um espaço como esse na zona sul?", diz Djamila Ribeiro.
Em alusão à sua recente coluna na Folha, em que questiona o uso da expressão "pessoas que menstruam", a filósofa afirma que "ainda se incomodam ao ver uma pessoa negra, de pele retinta, que ousa discordar e não pede desculpas".
"Sou intelectual, qual é o incômodo?", avalia.
O Espaço Feminismos Plurais pretende ser referência em produção de conhecimento sobre racismo e feminismo e apoio a mulheres vulneráveis.
"Nosso trabalho não substitui políticas públicas, mas São Paulo ainda tem carências no acolhimento de pessoas negras", afirma Djamila.
Serviço
Espaço Feminismos Plurais
Endereço: Alameda dos Tupiniquins, 343, Moema - São Paulo
Horários: De segunda à sexta das 9h às 17h (recesso de 20 de dezembro a 4 de janeiro)
Atendimento psicológico e jurídico: inscrições gratuitas pelo email espacofeminismosplurais@gmail.com
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