Descrição de chapéu desigualdade educacional

Todo aluno que vem de baixo tem que passar por isso?, diz brasileiro ao perder bolsa

Filho de faxineira e egresso de escola pública que passou em 9 universidades nos Estados Unidos faz vaquinha para concluir curso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Fred Ramon tem nome de artista e uma história de altos e baixos que começa em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, e vai a Los Angeles, nos Estados Unidos.

Aos 20 anos, o estudante brasileiro, filho de faxineira e egresso de escola pública, passou em 9 universidades americanas, com bolsas para custear em torno de metade da mensalidade, e moradia paga no campus.

Um fundo de investimento filantrópico cobriu a outra metade e, em 2021, Ramon embarcou rumo a Whittier College, na Califórnia, para estudar ciência da computação.

"As pessoas perguntam como um aluno de escola pública conseguiu estudar fora", diz o autodidata, que foi líder de classe, presidente de grêmio, professor de inglês e instrutor de dança em cruzeiro.

Pernambucano que estudou em escola pública é aceito em 9 universidades americanas
Pernambucano que estudou em escola pública é aceito em 9 universidades americanas e perde bolsa em 2024 - Arquivo pessoal

Em novembro de 2023, ao final do quinto semestre, Ramon recebeu uma ligação informando que não teria mais apoio do programa filantrópico. "Foi desesperador, não era para ser assim."

Com três semestres pela frente e um estágio que custeia o básico para sua sobrevivência, o brasileiro de 23 anos abriu uma vaquinha e busca apoio para concluir o curso e levar o diploma para casa, para orgulho de sua mãe.

"Eu me pergunto se todo estudante como eu, que vem de baixo e tem um sonho grande, precisa passar por isso. Como é que se pode aprender tendo que lidar com uma situação assim?"

Em depoimento à Folha, Fred Ramon relata a rotina de estudos e de solidão na megalópole americana —enquanto passa a maior parte do tempo ouvindo música em seu quarto, sem dinheiro para se entreter, seus colegas de universidade se divertem no recesso de final de ano.

"Eu estava na livraria da faculdade, em novembro agora, quando recebi a ligação. Disseram que não vou mais receber apoio do programa de assistência financeira para pagar os últimos três semestres da faculdade. O doador que se conectou com minha história estaria sem recursos. Fiquei desesperado.

Saí de Cajueiro Seco para Los Angeles com o sonho de me formar. Em 2021, fiquei conhecido como o filho da faxineira aprovado em 9 universidades dos Estados Unidos. E, agora, estou passando por isso.

Minha mãe sempre diz que minha mente vai longe, que sonho alto e não vejo limites nas coisas, mas agora ela está preocupada, pois não pode me ajudar.

O brasileiro Fred Ramon em frente a Whittier College, em Los Angeles (EUA), universidade que escolheu para se graduar
O brasileiro Fred Ramon em frente a Whittier College, em Los Angeles (EUA), universidade que escolheu para se graduar - Arquivo pessoal

Só que ela já fez muito —era dona Silvia quem me levava no curso de inglês à noite na periferia. Eu treinava sozinho no espelho e com as músicas gringas que passavam na MTV.

As pessoas perguntam como um aluno de escola pública conseguiu estudar fora. Desde criança que eu gosto de aprender, me dedico mesmo. Fui líder de classe, presidente do grêmio da escola, fiz parte do conselho municipal de políticas para a juventude e até me indicaram para a bancada de ativistas da educação.

Também sou apaixonado pelas artes e, em 2019, já com o inglês afiado, fui contratado para dar aulas de dança em um cruzeiro em Dubai. Eu ensinava os russos a dançar zumba.

Minha mãe achou estranho alguém como eu ir para um lugar tão luxuoso assim, então mandei fotos para provar que era real. Só que logo veio a Covid e voltei para o Brasil.

Foi aí que veio a ideia de estudar fora. Eu não poderia ser instrutor de dança para sempre, queria uma carreira.

Vi vídeos sobre como ingressar em Harvard e fui atrás dos processos seletivos. Usei o dinheiro do cruzeiro para pagar testes de inglês. Não tinha recurso nem para a passagem, mas ia conquistar os Estados Unidos.

Em fevereiro, chegou a primeira carta de admissão. 'Fred Ramon, sua inscrição foi uma das mais competitivas do ano. Bem-vindo à Manhattanville College.'

Eu chorei de emoção. Daí começaram a chegar outros emails oferecendo bolsas de estudo.

Escolhi fazer ciência da computação e administração de negócios na Whittier College, na Califórnia, que me deu US$ 35 mil —metade do custo para estudar lá. Escolhi também para ficar perto do mundo das artes, em Los Angeles, onde cheguei a ver Cardie B e abraçar Kelly Clarkson.

Abri uma vaquinha que cobriu o valor da passagem, do visto e parte do primeiro semestre, até conseguir apoio do programa de assistência financeira. É um fundo de investimento filantrópico dos Estados Unidos que faz a conexão entre doadores e estudantes. Eles me ajudaram durante cinco semestres e agora acabou.

Ganho US$ 40 por semana no estágio acadêmico. Uso para comer aos finais de semana e para comprar roupas para esse frio a que um pernambucano não está acostumado.

A universidade oferece moradia no campus, mas, no último verão, fiquei três meses almoçando em um restaurante comunitário. Meus colegas estudantes chamam para ir à sorveteria, mas apesar de verem meus vídeos pedindo apoio nas redes sociais, não entendem o que estou passando. Eles têm pais estáveis, com dinheiro, estão relaxados.

É impossível não se sentir sozinho em Los Angeles. É uma cidade grande, frenética, em que todos têm carro.

Sinto falta da sensação de comunidade que tem no Brasil. Agora mesmo todos foram para casa, pois as aulas ainda vão começar, então passo a maior parte do tempo sozinho em meu quarto ouvindo Christina Aguilera, Rita Ora e Bruno Mars.

Nunca passei por um perrengue como esse. Mas estou me inscrevendo para outros estágios e abri uma vaquinha. A Whittier College tem sido generosa comigo pela sua filosofia de inclusão social, pois há latinos como eu que são os primeiros de sua família a acessar uma universidade.

Eu me pergunto se todo estudante brasileiro como eu, que vem de baixo e tem um sonho grande, precisa passar por isso. Como é que se pode aprender tendo que lidar com uma situação assim? A motivação acaba, não era para ser desse jeito.

Mas eu não sou de desistir. Vou conseguir meu diploma em honra às minhas tias, que não sabem ler, e à minha mãe, que me dá forças lá de Cajueiro Seco."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.