Descrição de chapéu Causas do Ano desmatamento

'O clima mudou, o Congresso também precisa mudar', diz diretora da SOS Mata Atlântica

À frente do setor de políticas públicas da ONG, Malu Ribeiro diz que legislação ambiental brasileira é insuficiente diante da crise climática e critica PL que ameaça biomas

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São Paulo (SP)

Uma das memórias mais felizes da infância de Malu Ribeiro, 59, é nadar com a família no rio Tietê, em Itu, no interior de São Paulo. Depois de adulta, quando retornou à cidade natal para uma visita, a então estudante de comunicação ficou espantada ao ver que as águas em que costumava brincar haviam sido tomadas por uma espuma tóxica.

Para denunciar a situação, Malu começou a documentar o que via com sua câmera, posteriormente inscrevendo as imagens em uma bienal de fotografia sobre danos ambientais, na Alemanha.

A espuma que cobria o rio era tão densa e esbranquiçada que a banca avaliadora pensou se tratar de uma paisagem de neve e informou à participante que ela havia desrespeitado o tema do concurso.

"Pedi a uma colega jornalista para traduzir meu texto explicando que aquilo não era neve, era poluição ambiental. Acabei ganhando meu primeiro prêmio com essa foto. Isso chocou as pessoas e, a partir daquele momento, soube que precisava me dedicar a essa causa", conta.

A imagem mostra uma mulher de cabelos longos e escuros, vestindo uma camiseta preta com a bandeira do Brasil e a frase 'SOS MATA ATLÂNTICA'. Ela está em uma plantação com muitas plantas verdes ao fundo, em um ambiente natural. A mulher está em pé, com uma mão levemente estendida em direção às plantas.
Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica - Divulgação/Léo Barrilari

Malu cumpriu o propósito de proteger os rios, tão presentes na história de sua família e em seu próprio sobrenome (de origem latina, Ribeiro significa "rio pequeno").

Bacharel em comunicação, atuou como jornalista, trabalhou por uma década na Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de São Paulo e se especializou em gestão de recursos hídricos. Ela também presidiu o Conselho de Defesa do Meio Ambiente em Itu.

No início dos anos 1990, ingressou como voluntária na Fundação SOS Mata Atlântica para participar de uma campanha pela despoluição do rio Tietê. Desde 2000, ela se dedica exclusivamente à ONG ambiental, na qual atualmente ocupa o posto de diretora de políticas públicas.

À Folha, a especialista falou sobre os mecanismos de proteção à mata atlântica e outros biomas brasileiros, além de trazer perspectivas sobre a crise climática.

As políticas de proteção da mata atlântica vigentes têm sido capazes de proteger o bioma? A mata atlântica é o único bioma brasileiro que tem uma lei especial que o protege. Foram anos de luta para que o Congresso Nacional aprovasse a Lei da Mata Atlântica, sancionada em 2006, no primeiro governo do presidente Lula. À época, o desmatamento do bioma vinha crescendo em um ritmo extremamente elevado, de 110 mil hectares por ano. Poderíamos até perdê-lo por completo. A partir da edição da lei, o desmatamento caiu vertiginosamente e chegamos a ter nove dos 17 estados da mata atlântica no nível de desmatamento zero. Os 110 mil hectares caíram para 10 mil.

Isso mostra a importância de um bioma ter uma legislação que o proteja. Mas, como a mata atlântica foi muito degradada desde a colonização, apenas o combate ao desmatamento é insuficiente. Hoje, precisamos também restaurá-la, pensando nos serviços ecossistêmicos que a floresta presta para a biodiversidade e, principalmente, para a regulação do clima.

Não deveríamos mais estar falando em combate ao desmatamento. Isso deveria ser página virada. Infelizmente, nos últimos anos, com o governo anti-ambiental que tivemos, houve um aumento nos índices de desmatamento e, o que é pior, um desmantelamento da legislação ambiental brasileira. Então, sim, a legislação ambiental brasileira é eficiente e importante, porém, nos últimos anos, ela vem sendo desrespeitada e atacada.

Essas políticas ambientais são suficientes para garantir a conservação da mata atlântica a longo prazo? Não são. Hoje, precisamos de outros instrumentos. Diante da emergência climática que estamos vivendo, apenas cumprir o Código Florestal e a própria Lei da Mata Atlântica passa a ser insuficiente. É necessário que haja instrumentos econômicos para premiar quem restaura e conserva.

Municípios que têm áreas protegidas ou unidades de conservação precisam ser compensados por isso, para que a floresta em pé tenha mais valor econômico do que ela derrubada

Malu Ribeiro

Diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica

Precisamos de novos regulamentos, que não são necessariamente leis: podem ser resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), normas dos governos estaduais e resoluções aprovadas nos conselhos de biodiversidade, que agora estão voltando a funcionar, porque haviam sido desmantelados no governo anterior.

Como a legislação ambiental brasileira deve se adequar ao contexto das mudanças climáticas? Em primeiro lugar, reconhecendo que a água é elemento central no cenário de mudanças climáticas. Precisamos entender a relação direta entre floresta e água. Sem floresta, não há água. E, sem recuperação de florestas, eventos extremos são cada vez mais catastróficos, como os deslizamento de encostas, pois a floresta ajuda a segurar esses terrenos em declividade e evitar tragédias.

É necessário ter uma legislação que permita redesenhar ambientes alterados, por meio de restauração e de soluções baseadas na natureza. Esse instrumento precisa ter um respaldo legal que estimule sua adoção por parte das cidades. Nas áreas rurais, deve-se delimitar regiões estratégicas para a conservação e conectar corredores ecológicos e de biodiversidade. Além disso, a proteção de manguezais e restingas é fundamental para evitar a erosão costeira e o aumento do nível do mar.

Quais são os principais desafios para a fiscalização e o combate ao desmatamento na mata atlântica? O principal desafio é fazer valer a tecnologia que está disponível hoje —por exemplo, o SAD, Sistema de Alertas de Desmatamento da mata atlântica, que faz a Operação Mata Atlântica em Pé, junto com o Ministério Público e órgãos ambientais dos estados.

Outro instrumento importante para facilitar esse combate é o embargo remoto, ou seja: você detecta um desmatamento por satélite, imediatamente embarga a propriedade e exige que o proprietário da área comprove que o desmatamento foi legal. Essa é uma forma muito ágil de fazer a gestão do território, do uso do solo, e precisa funcionar plenamente. Também é necessário fazer com que aqueles que não se adequarem à legislação não tenham acesso a financiamentos, verbas e créditos bancários.

Do ponto de vista das políticas públicas, quais são as maiores ameaças à mata atlântica atualmente? Temos um projeto de lei absurdo e surreal, o PL 364/19, que desprotege toda a vegetação não florestal do país. Ou seja, tudo o que não é floresta, com árvores grandes, passa a ser desprotegido. É o caso dos campos nativos e dos campos de altitude. Eles ficariam suscetíveis à mudança de uso do solo para agricultura e pastagens ou mineração.

Isso tem um potencial de destruir ou deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos no país. Significa desproteger 50% do pantanal, 32% dos pampas e 7% do cerrado. Só na amazônia, seriam 15 milhões de hectares. Na mata atlântica, o PL acabaria com o coração do bioma, as áreas de nascentes, ligadas à formação de grandes bacias hidrográficas. Trata-se de áreas extremamente frágeis.

Isso mostra como a atuação de alguns parlamentares é desconectada da ciência e da escuta ativa da sociedade. O clima mudou, mas o Congresso também precisa mudar. E ele ainda está andando no sentido contrário.

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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