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Miniflorestas viram oásis de mata atlântica em escolas públicas de SP

ONG Formigas-de-embaúba faz restauração florestal no meio da cidade, com plantio de mais de 100 espécies de árvores nativas em pequenas áreas

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São Paulo

Todos os dias, os alunos da professora de educação infantil Andreia de Oliveira, 47, correm atrás de borboletas, sobem em árvores e brincam dentro de uma floresta com mais de cem espécies de árvores nativas da mata atlântica. Apesar de lecionar em um bairro populoso da periferia de São Paulo, ela não precisa dar mais do que alguns passos para proporcionar às crianças esse contato com a natureza.

A mata nativa onde os alunos de Andreia brincam fica dentro do CEU Paraisópolis, na zona sul da cidade. É, na verdade, uma minifloresta, com dimensões modestas –640 metros quadrados—, mas uma grande variedade de vegetação.

Crianças pequenas, com roupas de frio e gorros coloridos na cabeça, mexem em galhos em um jardim
Alunos do CEU Paraisópolis, em São Paulo, durante atividade em minifloresta criada por projeto de ONG - Bruno Santos/Folhapress

O nome das 136 espécies que há ali estão listadas em uma placa: angicos, araçás, ipês, jacarandás, cambucás, embaúbas... Esta última, considerada um símbolo da restauração florestal deste bioma, inspirou o nome da ONG responsável por levar esses corredores de biodiversidade a escolas de São Paulo.

Criada em 2019, a Formigas-de-embaúba tem a proposta de promover educação ambiental a partir do plantio de miniflorestas nativas. Até agora, 23 florestas com 15 mil árvores, no total, foram plantadas em escolas públicas, em áreas que vão de 150 m² a 1.500 m².

A restauração de florestas urbanas é uma estratégia de adaptação climática que vem sendo adotada em várias cidades do planeta, de Paris a Mumbai. A Formigas-de-embaúba segue um método criado pelo botânico japonês Akira Miyawaki e utilizado no mundo todo para a criação de ecossistemas de rápido crescimento e alta biodiversidade.

"A gente adapta o método para o nosso contexto de mata atlântica e da cidade de São Paulo, mas é um um processo que tem alguns passos: preparo intenso do solo, plantio bastante adensado, com duas a três mudas por metro quadrado, e grande diversidade de espécies. Também é preciso fazer a manutenção dessa floresta pelo menos por dois ou três anos", explica Rafael Visconti, cofundador da ONG.

O mix de espécies que compõem o plantio inclui árvores pioneiras, que crescem mais rápido, espécies de crescimento lento, que duram mais tempo, e plantas de adubação verde, como mamona, milho e feijão guandu.

"É diferente da arborização urbana, no qual uma árvore fica distante da outra. Estamos reconstruindo um ecossistema de espécies que evoluíram juntas, uma protegendo a outra", afirma Visconti. " As plantas acabam atraindo os passarinhos e as borboletas. Cria-se um habitat para uma fauna que já não tinha mais espaço na cidade. A gente empurra esse processo de vida. Apesar de ser uma escala pequena, é de fato uma floresta."

21ºC a menos

Florestas urbanas contribuem para melhorar a qualidade do ar, reduzir a poluição sonora e aumentar a infiltração e o armazenamento de água no solo. Elas também são mais frescas e se transformam em oásis climáticos em épocas de ondas de calor, cada vez mais frequentes devido ao aquecimento global.

Durante um desses períodos de calor atípico, uma medição da Formigas-de-embaúba no CEU Capão Redondo, na zona sul, detectou uma diferença de mais de 20ºC: enquanto a temperatura do pátio de concreto estava em 47ºC, ali do lado, no solo da floresta, o termômetro registrou 26ºC.

De acordo com o Censo Escolar de 2022, sete em cada dez salas de aula em escolas públicas do Brasil não são climatizadas.

"O verde está mal distribuído nas cidades, então a gente vem atuando principalmente nas periferias para adaptar esses territórios para a emergência climática", diz Visconti. Formado em direito e com mestrado em antropologia da natureza na USP, ele trabalhou em grandes bancos, mas mudou de área depois de um período sabático, quando trabalhou em projetos de reflorestamento e educação ambiental dentro e fora do Brasil.

Em parceria com a plataforma MapBiomas, a Formigas-de-embaúba está mapeando as quase 3.000 escolas públicas da cidade de São Paulo para saber quais delas têm espaço para receber miniflorestas. O projeto também começou a se expandir para unidades básicas de saúde, conjuntos habitacionais e para a cidade e Itu, no interior.

Segundo uma pesquisa de 2019, quando um fragmento de mata atlântica de 1 hectare tiver 25% de sua área desmatada, a temperatura local aumenta 1ºC. "Imagina quantos benefícios a restauração de pequenas áreas dentro da cidade traz em relação ao conforto térmico", afirma o biólogo Diego Igawa, coordenador de projetos da ONG SOS Mata Atlântica.

Ele cita também impactos de saúde pública. "O mosquito da dengue, por exemplo, não consegue se estabelecer em áreas de floresta nativa. A gente degradou tanto o ambiente que criou áreas fáceis para esses bichos se perpetuarem. O planejamento urbano deveria usar a floresta para prevenir riscos naturais e melhorar a qualidade de vida da população."

Batata-doce e pés descalços

As miniflorestas são planejadas com clareiras e trilhas, para incentivar a interação de crianças e adultos com o ambiente. A ideia, diz Visconti, não é fazer um canto intocável, mas uma floresta habitada, que possa ser uma sala de aula ao ar livre.

O plantio das árvores é parte de um processo mais amplo de educação ambiental, com um programa pedagógico de seis meses de duração. "A gente não chega em um final de semana, planta e vai embora. Fazemos isso em conjunto com a comunidade escolar. Existe um processo para sensibilizar as crianças para os temas da restauração ecológica e da emergência climática", afirma Visconti.

"Não consigo conceber uma educação infantil sem mexer com a terra, sem sentir as folhas, o vento", diz a professora Andreia, do CEU Paraisópolis. "A maioria das crianças não tem muito espaço em casa nem um quintal para brincar. É aqui que elas têm essa oportunidade."

Uma forma de engajar a comunidade que vive nos arredores das escolas é plantar árvores frutíferas, tubérculos e ervas medicinais: abacate, amora, mexerica, mamão e boldo são exemplos de alimentos que podem ser colhidos nos CEUs.

Em um vídeo enviado à ONG, um funcionário do CEU Capão Redondo comemora: "Olha o tamanho dessa batata-doce, que coisa linda. Hoje minha janta terá batata-doce da floresta. Não vou mais precisar ir à feira."

Nessa mesma escola, a minifloresta prosperou em uma área que antes era "um matagal com muito lixo", segundo a descrição da assistente educacional Zelita Paula, 50.

Zelita deu entrevista à reportagem descalça, como gosta de ficar quando está na florestinha. "O chão, para mim, é raiz. É algo que me reconecta. Quando estou em um dia estressante, venho e me sinto mais aliviada. Isso aqui, para mim, é cura", afirmou.

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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